Segundo a consultoria internacional Markets and Markets, em 2022, a indústria do cânhamo industrial, que pode fornecer matéria-prima para setores como vestuário, automotivo e de construção, entre outros, foi avaliada em US$ 6,8 bilhões (R$ 35,6 bilhões na cotação atual). Até 2027, a estimativa para este mercado é de que ele alcance US$ 18 bilhões (R$ 94,3 bilhões), segundo estimativas de especialistas.
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De qualquer forma, líderes do setor, como Pablo Fazio, presidente da ArgenCann (Câmara Argentina da Cannabis) analisam esses números como conservadores e arriscam que somente em exportações o valor pode chegar a US$ 1 bilhão (R$ 5,2 bilhões) nos próximos 10 anos.
Embora esses números incluam também a parte medicinal, o cânhamo contribuiria com uma grande quantidade de divisas e ajudaria a gerar novas empresas em setores que podem ser abastecidos com essa matéria-prima. Por isso, já existem empresas que começam a desenvolver plantações e se propõem a fomentar uma indústria cuja proibição sempre foi, no mínimo, discutível.
Cânhamo na Argentina
Nas últimas semanas, a empresa IHS (Industrial Hemp Solutions) introduziu 15 variedades de cânhamo para expandir a indústria na Argentina e promover a sustentabilidade do cultivo. De acordo com a empresa, as novas variedades foram introduzidas graças ao apoio do Senasa (Serviço Nacional de Sanidade e Qualidade Agroalimentar e do Inase (Instituto Nacional de Sementes).
Forbes: Como está a questão legal atualmente no país?
Maximiliano Baranoff: Estamos esperand que até o final deste mês de março seja finalmente regulamentada a Lei 27.669, que estabelece o marco regulatório para o desenvolvimento da indústria da cannabis medicinal e do cânhamo industrial. Nesse contexto, o cânhamo ainda não pode ser comercializado, mas pesquisas sobre a cultura podem ser realizadas.
F: O cânhamo entrou na onda do proibicionismo quando, na verdade, é uma planta que traz grandes benefícios para a economia. O sr. acredita que com o marco legal, o cânhamo pode se tornar uma nova e próspera indústria no país?
MB: É de conhecimento público que o cânhamo começou a ser proibido no final da década de 1930 por associá-lo intencionalmente à maconha, quando na verdade o nível de THC era a desculpa para tirar do jogo uma cultura com muito potencial para fornecer matéria-prima às indústrias. Mas a agenda internacional da época era regida pela ascensão tecnológica das fontes fósseis.
Hoje, depois dos impactos nocivos do modelo econômico que carregamos daquela época, começamos a incorporar externalidades que antes não eram levadas em consideração e entendemos o cânhamo como uma cultura anual que pode fixar altos índices de CO2 (dióxido de carbono), o principal gás de efeito estufa responsável pelas mudanças climáticas.
F: Que tipo de empresa poderá trabalhar com cânhamo na Argentina?
MB: Os grãos provenientes do cultivo do cânhamo são considerados um superalimento, por isso há uma demanda crescente por seus óleos, farinhas e proteínas nos países desenvolvidos, assim como os resíduos do processamento são muito valiosos para a nutrição animal.
Os grãos podem ser transformados em óleos para cosméticos e biocombustíveis. De sua haste, dois materiais podem ser destacados. Um deles é o seu centro lenhoso, conhecido como juncos, de onde podem ser produzidos tijolos, rebocos e tudo o que é concreto não estrutural, e que meses atrás foi incorporado ao código de construção dos Estados Unidos. Também pode ser utilizado para cama animal, por suas propriedades absorventes e seu impacto positivo na saúde desse animal.
O outro material que pode ser extraído são suas fibras, que têm maior valor e podem ser introduzidas nas cadeias produtivas da indústria de celulose, destinada a papéis e embalagens mais resistentes e que aumentam sua reciclabilidade; na indústria química para aumentar a base biológica de seus plásticos; na indústria automotiva, para alcançar grandes eficiências; em têxteis, para substituir o uso de polímeros sintéticos e reduzir a pegada hídrica do algodão, entre muitas outras aplicações. De acordo com um relatório da ONU, o mercado global de cânhamo pode quadruplicar seu valor estimado de 2020, chegando a US$ 18,6 bilhões até 2027.
MB: A América Latina começa a se posicionar na corrida por essa nova indústria e a Argentina, em particular, desponta como epicentro. O Brasil ainda não legalizou a produção dessa cultura. De qualquer forma, as genéticas de cânhamo mais estabilizadas e de maior rendimento em todo o mundo foram desenvolvidas em climas temperados, portanto, essas geografias com climas tropicais têm o desafio de adaptá-las às suas ecorregiões.
No contexto de descarbonização, existe uma grande vontade política de incluir o cânhamo na rotação de culturas, uma vez que ele se insere no esquema da tão almejada agricultura regenerativa e permite a redução de emissões na cadeia de valor das indústrias, que hoje poluem mais. Acredito que 2023 será um ano de apoio próximo ao produtor para compartilhar as melhores práticas que maximizam seus rendimentos, enquanto paralelamente avançamos na padronização dos produtos derivados do cânhamo para introduzi-los nas várias cadeias de valor.
* Reportagem publicada originalmente na Forbes Argentina (tradução: V.Ondei)