Usando o conhecimento transmitido através de gerações, ele semeou dezenas de seringueiras e cultivou variedades híbridas mais robustas ao longo de décadas.
Todos os dias Magno caminha sozinho pela floresta tropical quente e úmida, selecionando árvores e fazendo cortes superficiais em seus troncos para retirar látex, que ele recolhe em pequenos baldes.
O látex coletado por Magno é transformado em fio de borracha por sua filha Corina e outras mulheres em Cotijuba. O fio é então vendido para a start-up local Da Tribu e transformado em acessórios como anéis e colares, ou enviado a estilistas internacionais que usam material biodegradável em suas roupas.
O primeiro pedido da Da Tribu rendeu cerca de R$ 3.000 para a família Magno, mais que o dobro do salário-mínimo mensal.
“Ela trouxe saberes acadêmicos … e juntou com os nossos saberes da floresta”, disse Corina, 38 anos. “Eu nunca esperava ganhar R$ 3.000 por algo assim no quintal de casa”.
Em uma corrida para parar a destruição das florestas nativas e da vegetação que cobrem cerca de 78% de seu território, o Pará está implementando um ambicioso plano de bioeconomia, chamado PlanBio.
O objetivo é gerar empregos e preservar o meio ambiente, aumentando o apoio às empresas locais sustentáveis.
Apresentado em novembro passado na cúpula climática da COP27 pelo governador do Pará Helder Barbalho, estima-se que o PlanBio custará pelo menos R$ 1,2 bilhão nos próximos cinco anos, financiado pelos cofres dos governos estaduais e federal e por fontes externas.
Proposta COP30
Desenvolvido ao longo de dois anos, o PlanBio tem como objetivo incentivar a pesquisa, desenvolvimento e inovação ambiental.
Ele pretende fomentar negócios que se utilizem da biodiversidade local de forma sustentável e agreguem valor a práticas como as de Magno, derivadas do conhecimento tradicional e indígena.
Em janeiro, Luiz Inácio Lula da Silva esteve ao lado de Barbalho para anunciar uma proposta para Belém, capital do Pará, sediar a cúpula climática da COP30 da ONU em 2025.
Se Belém ganhar a COP30, o Pará terá a chance de mostrar sua bioeconomia para o mundo. Mas isso também significaria um prazo de menos de três anos para cumprir algumas das promessas do PlanBio.
“Três anos não é muita coisa”, admitiu Bemerguy.
O Pará é o segundo maior estado do Brasil e o mais populoso da região amazônica, com cerca de 8,7 milhões de habitantes.
Apesar de uma queda de 21% em relação ao ano anterior, em 2022 cerca de 4.141 km2 de floresta foram perdidos no Pará – mais do que em qualquer outro lugar do Brasil, segundo os dados do governo. As árvores liberam CO2 quando são cortadas e apodrecem ou são queimadas.
No início de fevereiro, Barbalho emitiu um decreto de “emergência ambiental” para 15 cidades, onde cerca de três quartos de todo o desmatamento no estado ocorreu, entre 2019 e 2021.
O ex-presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro, no governo de 2019 a 2022, foi acusado de enfraquecer as agências ambientais do governo e incentivar a exploração ilegal de madeira e mineração em áreas protegidas.
Em janeiro, com poucos dias da presidência de Lula, a agência ambiental federal Ibama lançou sua primeira incursão para capturar madeireiros ilegais no estado do Pará.
Embora a remoção de madeireiros e garimpeiros ilegais das áreas protegidas seja necessária para conter a perda de árvores, Bemerguy disse que, a longo prazo, a esperança para as florestas do Pará é ganhar dinheiro com elas, mantendo-as de pé.
De acordo com um estudo da The Nature Conservancy (TNC), organização sem fins lucrativos sediada nos EUA, a bioeconomia do Pará cresceu uma média de 8,2% ao ano de 2006 a 2019 – e poderia aumentar 30 vezes até 2040, gerando R$ 170 bilhões em receita anual.
A chave do sucesso é tornar as atividades que preservam a floresta mais lucrativas do que a exploração ilegal de madeira e mineração, disse Juliana Simões, gerente adjunta de estratégia de povos indígenas e comunidades tradicionais locais da TNC Brasil.
“Será necessário que o governo federal faça sua parte”, disse Simões, que ajudou a conceber o PlanBio.
Isso significa punir os madeireiros e garimpeiros ilegais e criar incentivos para as empresas que mantêm a floresta em pé, e desestimular aquelas que a destroem, acrescentou.
Agroindústrias
“A vida era dura”, lembrou Dilma Lopes, filha de um líder em Campo Limpo, uma comunidade rural sem eletricidade até 2008.
Em 2002, Natura & Co, uma das maiores empresas de cosméticos do Brasil, procurava fornecedores de priprioca, uma erva aromática tradicionalmente encontrada na região amazônica.
O pai de Lopes e outros membros da comunidade se organizaram em uma cooperativa chamada Aprocamp e fizeram um acordo com a Natura para plantar priprioca – agora sua principal fonte de renda.
“Hoje graças a Deus todo mundo tem a sua casinha de alvenaria”, disse Lopes, que é a presidente da Aprocamp.
Com o tempo, os habitantes locais que haviam migrado para fora da comunidade para trabalhar retornaram, e a Aprocamp cresceu de 20 famílias para uma cooperativa de 75.
A promoção de cooperativas é um dos objetivos do PlanBio.
Em algumas partes do Estado, tais atividades estão começando a criar raízes.
Em Campo Limpo, a Natura montou uma fábrica para extrair óleo de priprioca, usado para fazer perfume. Os moradores locais estão sendo treinados para administrá-la e serão donos da fábrica assim que ela estiver operacional.
“A gente espera que a vida de todo mundo melhore – bastante”, disse Ronelson Ribamar, um membro da Aprocamp que está sendo treinado para trabalhar nas instalações.
Enquanto isso, Da Tribu está montando uma oficina em Cotijuba para automatizar a fabricação de fios de borracha.
A ideia é treinar mulheres da aldeia para dirigi-la, permitindo-lhes produzir mais em uma fração do tempo, disse Tainah Fagundes, cofundadora da Da Tribu.
Na Cofruta, outra cooperativa que atende a Natura, uma fábrica de processamento de frutas está dando oportunidades a uma nova geração.
Agora ele tem grandes esperanças para sua filha de 5 anos, Alice, que quer se tornar veterinária ou bombeira quando crescer.
“Eu pretendo que ela faça universidade, porque eu não tive a oportunidade”, disse Rodrigues.
Produtos inovadores
Para desenvolver novas tecnologias e usos para os produtos da floresta amazônica, o estado do Pará planeja abrir um centro de pesquisa até 2025, além de oferecer financiamento para pesquisadores na área.
O parque industrial da empresa em Benevides, uma cidade a cerca de 34 km de Belém, produz 90% dos sabonetes que a Natura vende no mundo inteiro e tem um centro de inovação para encontrar novos usos para os recursos da Amazônia.
A empresa às vezes compra frutas e ervas não sabendo o que pode fazer com elas até que cheguem ao laboratório, segundo executivos.
No ano passado, a Natura registrou 43 patentes, mas a empresa não fornece uma discriminação de quantas se relacionam a produtos com base na Amazônia.
Tatiana Lima, uma química de Belém, desenvolveu o jambu – uma planta conhecida por causar uma sensação de formigamento na boca quando comido – em um spray afrodisíaco. Sua empresa, Sinimbu, também fabrica jambu em conserva e cachaça de jambu infundida com esta erva.
Obstáculos financeiros
Para elaborar seu plano de bioeconomia, o governo do Pará realizou seminários em todo o estado para falar com povos indígenas e tradicionais, empresas e grupos sem fins lucrativos, para saber sobre seus problemas e como o estado poderia ajudar.
As autoridades empresariais locais disseram à Fundação Thomson Reuters que acham mais fácil enviar produtos para processamento em estados mais ricos do sudeste como São Paulo e Rio de Janeiro do que agregar valor no Pará, como o estado quer.
Isso poderia mudar com o PlanBio, sob o qual o banco regional estatal Banpará oferecerá uma linha de crédito especial vinculada a iniciativas de bioeconomia e as empresas locais serão apresentadas aos potenciais investidores.
Algumas empresas, como a Manioca, empresa que vende produtos amazônicos em supermercados de todo o Brasil, estão à frente do restante.
A Manioca envia garrafas de São Paulo para Belém, enche-as com tucupi, um molho amarelo feito com ervas e suco de mandioca fermentado, e as transporta de volta para São Paulo para distribuição, mantendo empregos e lucros no Pará.
Mas isso “é algo que a gente não quer fazer”, disse Paulo Reis, um dos sócios da Manioca.
Reis faz parte de um grupo de empresários que se organizaram para melhorar a bioeconomia amazônica e foram consultados sobre o PlanBio.
Embora Reis pense que a estratégia da bioeconomia é boa no papel, ele se preocupa com a eficácia que ela terá na prática. Ele acredita que o governador estadual precisará do apoio do governo federal, especialmente para diminuir as taxas de desmatamento.
Fernanda Stefani, CEO da 100% Amazônia, uma empresa sediada no Pará que envia produtos amazônicos para 60 países, também está apoiando a economia local.
Sua firma lutou durante dois anos e meio antes de finalmente obter crédito do Banpará para construir uma fábrica de alta tecnologia para extrair a polpa de frutas amazônicas como o açaí.
Com o alto custo de fazer negócios no Pará, Stefani estima que teria sido 20% mais barato estabelecer a unidade de processamento em São Paulo – mas isso seria eticamente indefensável.
Dependência na cadeia de suprimentos
A situação econômica das comunidades na base da cadeia de abastecimento que dependem de Manioca, 100% Amazônia, Natura e outras continua frágil.
Das 46 comunidades das quais a Natura compra, apenas cerca de 10 não dependem dela para a maior parte de sua renda, disseram executivos.
Cerca de 80% da receita da Aprocamp vem da Natura, observou Lopes, que tenta diversificar através da venda para compradores menores como a Manioca, que compra um tipo de chicória da cooperativa.
Ao mesmo tempo, se as comunidades falharem na entrega dos produtos, ou se o desmatamento se tornar desenfreado, a cadeia de fornecimento da Natura entrará em colapso, disse sua diretora de sustentabilidade global, Denise Hills.
“Se a Amazônia não estiver de pé, não tem Natura, não tem bioingrediente, não tem nada”, disse ela.
Embora o estado do Pará esteja claramente dedicado a desenvolver sua bioeconomia, o processo precisa ser acelerado, acrescentou.
Muitos de seus pares abandonaram as florestas da ilha para trabalhar em plantações no sul do Brasil, mas se a economia local melhorasse, eles voltariam para casa, acredita ela.
“A gente tem a vontade”, disse ela. “Falta apoio”.