Para saber mais sobre a rota que as videiras domesticadas seguiram, uma análise genômica de variedades de videiras foi conduzida por meio de colaboração científica internacional que contou com 89 cientistas de 23 instituições, em 17 países. A pesquisa, realizada principalmente durante o bloqueio pandêmico, identificou dois eventos separados de domesticação de uvas que levaram ao seu uso na vinificação.
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Os pesquisadores começaram o trabalho sequenciando o genoma do V. sylvestris selvagem, da Tunísia, para servir de referência. Eles, então, sequenciaram genomas de mais 3.186 variedades de videiras diferentes obtidas de coleções científicas, incluindo 2.237 amostras de uvas viníferas domesticadas e 949 uvas silvestres. Os pesquisadores também incluíram dados genômicos de 339 videiras previamente sequenciadas, incluindo dados de 73 uvas silvestres. Deste grupo, 2.448 genomas eram únicos, incluindo 844 de vinhas silvestres. A análise também mostrou cultivares de uva domesticadas, anteriormente não documentadas de vinhedos antigos, que seus descobridores nomearam durante o estudo.
As comparações das diferenças e semelhanças genômicas das uvas permitiram aos pesquisadores traçar a árvore genealógica das videiras e juntar sua história de domesticação e jornada geográfica inicial. De acordo com esses dados, todas as variedades modernas de uvas parecem ter se originado de uma antiga uva selvagem, que viveu em grande parte da Eurásia e no norte da África nos últimos 400 mil anos.
Comparações e análises dessas sequências genômicas descobriram que as videiras silvestres podem ser agrupadas em quatro grupos, enquanto as videiras domesticadas formavam seis grupos distintos (uvas de mesa da Ásia Ocidental, uvas de vinho do Cáucaso, uvas de mesa e de vinho Moscatel, uvas de vinho dos Bálcãs, uvas de mesa ibéricas e uvas de vinho da Europa Ocidental).
Em contraste, este estudo mostra que as videiras CG1 do Levante, que inicialmente forneciam uvas de mesa em vez de uvas para vinho, tiveram uma tremenda influência sobre o desenvolvimento das videiras modernas. Essas videiras moveram-se pelo Corredor de Montanhas da Ásia Interior (uma jornada seguida por outras culturas alimentares) e se espalharam para o leste através da Ásia Central até a Índia e a China, ao norte até o Cáucaso e sobre as montanhas Zagros, e então viajaram para o noroeste através da Anatólia até os Bálcãs. Ao mesmo tempo, as videiras também se espalharam para o oeste ao longo da costa do norte da África. Mais significativamente para o vinho, eles também viajaram para a Península Ibérica e a Europa Ocidental.
A maioria das videiras modernas descende de apenas quatro cultivares antigas da Europa e uma do Cáucaso, e as videiras domesticadas foram hibridizadas com suas primas selvagens para torná-las mais adequadas para a produção de vinhos. Como qualquer bebedor de vinho sabe, existem muitas variedades de videiras – merlot, cabernet sauvignon, pinot noir – mas todas pertencem a uma espécie domesticada, a Vitis vinifera.
“Nós nos preocupamos tanto com essa uva que demos a cada variedade um nome específico”, apontou o autor sênior do estudo, o biólogo evolutivo Wei Chen, cientista pesquisador sênior da Yunnan Agricultural University, em uma coletiva de imprensa. “Não fazemos isso para, tipo, trigo ou cevada.”
“Foi um dos primeiros produtos comercializados globalmente”, acrescentou o coautor do estudo, o biólogo vegetal Peter Nick, professor de botânica no Instituto de Tecnologia de Karlsruhe. “É justificável dizer que a domesticação da videira foi mesmo um dos motores da civilização.”
Além disso, apesar da domesticação, ainda existem uvas silvestres por aí. Embora essas videiras ancestrais produzam pequenas uvas amargas, elas são valiosas para os produtores de vinho modernos.
“Essas uvas silvestres e essas variedades muito antigas ainda possuem esses genes de resiliência, dos quais precisaremos para tornar a uva resistente ao desafio das mudanças climáticas.”