Filipe Dalla Costa é médico veterinário desde 2013, mas foi em 2020 que se tornou doutor em uma das áreas mais sensíveis do agro: o bem-estar animal e quais os impactos na cadeia de produção de proteína. O título de doutor veio por meio da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Unesp (Universidade Estadual Paulista), no campus de Jaboticabal (SP), com vários estágios e intercâmbios na Embrapa Suínos e Aves, unidade localizada em Concórdia (SC), na Agri-Food Canada e na inglesa Royal Veterinary College.
“Lembre-se de que os animais se comunicam por meio do comportamento, e quando eles confiarem em você, saberá se estão saudáveis”, afirma Costa, que atualmente é coordenador técnico de bem-estar animal da multinacional farmacêutica MSD Saúde Animal.
Bovinos, aves e suínos são os três maiores rebanhos criados em fazendas no Brasil. O rebanho bovino tem cerca de 190 milhões de animais. Os frangos são o segundo maior rebanho, com 55 milhões de matrizes alojadas para corte e outras 1,3 milhão de matrizes para postura. Já o rebanho suíno se aproxima de 43 milhões de animais.
LEIA MAIS: Bem-estar animal também faz parte do pacote de ESG
De acordo com Costa, promover o bem-estar auxilia a manutenção da harmonia entre os animais, o meio ambiente e os seres humanos. Quando algum desses elos entra em desequilíbrio, há consequência negativa para os outros, podendo ser na saúde, com zoonoses e novas enfermidades; na sociedade, com produtos de menor qualidade, maior custo de produção e danos à imagem produtiva; e ao meio ambiente, com baixa sustentabilidade e uso de recursos naturais em excesso.
“Já ouvimos muitos mitos sobre bem-estar animal. Por isso, precisamos interpretar corretamente o assunto e democratizar informações para a cadeia de produção, para que se possa compreender que bem-estar animal corresponde a forma como cada indivíduo responde aos desafios do dia a dia. Logo, o bem-estar animal não pode ser comprado ou vendido”, diz Costa.
Confira os 7 mitos e verdades, segundo o médico veterinário. Ele explica por que alguns ditos e conceitos precisam ser melhor interpretados:
1 – “Bem-estar animal é abraçar e fazer carinho nos animais”
Esse tipo de comentário traz à tona o comportamento afetivo e seus benefícios. No entanto, o bem-estar animal é uma ciência. Ela depende, diretamente, da relação humano-animal e leva em consideração a harmonia entre alimentação adequada, ambiência confortável, boa saúde e a capacidade de expressão dos comportamentos para ser obtido um bom nível de estado físico e mental.
Assim, é bom dizer que sobre a frase acima, nem todas as espécies respondem bem a carinhos e abraços. Suínos e aves são presas no reino animal, por exemplo, e seu maior medo é ser contido, o que se assimila a uma captura. Dessa forma, é extremamente importante conhecermos o comportamento natural de cada espécie para podermos criar conexões positivas com os animais e evitarmos situações de estresse desnecessárias.
2 – “Isso é modismo, já vai passar”
Esse foi um comentário muito comum anos atrás, quando o tema estava começando a ganhar força no Brasil. Na época, quando o setor produtivo foi convidado a pensar pelo lado dos animais e relacionar a forma como eles reagem a cada estímulo, muitos profissionais acreditavam que isso não funcionaria e que era uma onda passageira.
Contudo, ao notarem que garantir uma vida digna de ser vivida aos animais trazia benefícios à produtividade e melhorava a facilidade de manejo e de bem-estar também das pessoas, o tema passou a ganhar mais relevância na cadeia produtiva. Há benefícios para todos os envolvidos: o produtor, que tem mais facilidade de manejo e produtividade; o animal, que tem menor nível de estresse; o consumidor, que tem maior qualidade de alimentos; e o meio ambiente, pela maior sustentabilidade do setor.
3 – “Meus animais têm bem-estar, afinal, tenho uma granja altamente tecnificada”
Engana-se quem acha que ter equipamentos modernos é garantia de bem-estar animal. O conceito depende da interação entre os domínios da alimentação, ambiência, saúde e comportamento, que interagem para dar o estado físico e mental de bem-estar animal.
Manter temperatura e umidade adequados, e controlar a nutrição em quantidade e qualidade, sem disputas entre os indivíduos, são fatores fundamentais. Mas, muitas outras situações são parte da construção do que de fato é bem-estar, como densidade, qualidade de ar, qualidade de piso, prevenção de enfermidades e interação humano-animal. Desde que bem manejados, sistemas simples também podem ter bons níveis de bem-estar animal.
4 – “O sistema de produção extensivo é sempre melhor do que o intensivo em questões de bem-estar animal”
O público leigo, que vê a cadeia produtiva de fora, tende a associar animais em seu ambiente natural a bons níveis de bem-estar animal. Contudo, somente o modelo de produção não é garantia. Sistemas intensivos e extensivos podem ter bons níveis de bem-estar animal, dependendo de como os animais são manejados.
Por exemplo: o sistema extensivo de criação de gado a pasto pode expor os animais a situações de alta incidência de raios solares, estresse térmico, dificuldades de acesso à água quando estiverem muito longe do recurso e predadores. Já no sistema intensivo confinado, os animais têm uma alimentação em quantidade e qualidade corretas, sem disputa, controle de ambiência, com temperatura e umidade adequadas, bons índices de comportamento e saudabilidade.
5 – “Sistemas alternativos de produção com acesso a áreas externas garantem melhor bem-estar”
O bem-estar dos animais depende da harmonia entre os cinco domínios (livre de fome e sede, livre de medo e ansiedade, livre de desconforto, livre de ferimentos, dor e doenças e livre para expressar seu comportamento natural).
Geralmente, os sistemas alternativos podem melhorar a expressão de comportamentos naturais quando comparados aos sistemas convencionais não enriquecidos. Contudo, podem apresentar maior dificuldade de controle a ectoparasitas e proteção contra presas. Assim, deve-se sempre ter uma avaliação holística dos sistemas para determinar como melhorar cada realidade.
6 – “Bem-estar animal não dá lucro!”
Bem-estar animal dá lucro, sim. Por meio da redução do estresse dos animais, há uma melhoria da saúde, menor ocorrência de enfermidades, lesões, mortalidade, desperdício de recursos e mais qualidade do produto final. Além disso, o risco de acidentes com manejadores, de que trata do animal no dia a dia, é menor. Melhorar o bem-estar dos animais é trabalhar de forma mais ética, responsável e lucrativa.
7 – “O consumidor não paga a mais por bem-estar animal”
As pessoas estão cada vez mais interessadas em conhecer o que consomem e têm buscado de forma proativa por informações. Elas se interessam pela forma como as cadeias produtivas se comportam e quem são os componentes que fazem parte daqueles modos de produção. A questão do bem-estar animal vai ao encontro dessas iniciativas e conversa diretamente com o consumidor, o que dá mais credibilidade e gera ainda mais confiança da cadeia como um todo.