Do marketing ao farm to table, como o leite deu rumo à vida de Diana Jank

15 de fevereiro de 2024
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Diana Jank, Under30 2023, assumiu a operação leiteira familiar que já dura oito décadas

Recém-formada na ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), em São Paulo, a publicitária Diana Jank, 28 anos, desistiu da carreira de moda ainda no início, quando seu tio, Jorge Jank, o Joca, a chamou de volta à fazenda Santa Rita, produtora de leite desde 1945 em Descalvado, município a três horas da capital paulista. O chamado, em março de 2018, foi por conta de um novo projeto para a linha de laticínios Letti, que a família controla numa S.A (Sociedade Anônima), a Agroindus.

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Diana, que está na mais recente lista Under30 da Forbes, aceitou na hora. A proposta era reformular o branding e mudar toda a produção para o leite A2, com a vantagem de ser um tipo mais digesto.  Ela também é uma das mulheres que fazem parte do FMA (Forbes MulherAgro), grupo de lideranças que nasceu em 2023. Bem sucedida no empreendimento, a atual diretora de marketing da Letti A² comenta, nesta entrevista, detalhes do rebranding e planos do laticínio, que hoje conta com sete certificações e três canais de venda online, além de uma plataforma digital própria, para escoar atualmente 70 mil litros da bebida por dia, ante 68 mil em 2023.

“Ao lado da minha irmã (Tais Jank), mudamos as embalagens, adaptamos o portfólio — desenvolvendo produtos diferenciados, funcionais e clean label — e toda a parte de posicionamento que envolve identidade visual, o tom de voz e a forma como a marca se comunica”, afirma Diana. Os investimentos em comunicação foram de R$ 1,8 milhão. “Com essa mudança, a Letti A² se tornou a primeira marca de leite proveniente apenas de vacas A2A2 no Brasil e segue sendo a única com uma linha completa de fácil digestão, feita com leite Tipo A e certificada.”

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No plantel todo convertido, após um trabalho de seleção genética que custou R$ 700 mil, há cinco mil animais, sendo duas mil vacas em lactação. Segundo o anuário 2023 da consultoria Milkpoint, a Agroindus é a quinta maior produtora de leite do Brasil. “Não compramos gado de fora há mais de 20 anos”, diz a executiva. Detalhe: o ideal da empresa é entregar leite fresco à moda antiga, no porta a porta, o que vem sendo feito com sucesso nos municípios vizinhos a Descalvado, como São Carlos e Campinas, no modelo farm to table (diretamente do produtor), enquanto o e-commerce está voltado para a cidade de São Paulo. Confira a seguir os melhores trechos da entrevista:

Quais são os planos de investimento da Agrindus no curto prazo? Somos uma S.A de capital fechado e a Letti é uma marca própria da empresa. No curto prazo, o objetivo é aumentar o volume de produção. O meu produto não está em todos os pontos de venda do Brasil e nem é esse o nosso objetivo, até porque acredito muito na questão do produto fresco.

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Vacas da criação da família Jank produzem leite naturalmente mais digestivo

Mas tem um conceito em inglês que é o locally produced for local families (produzido localmente para famílias locais), ou seja, trabalhar com produto fresco em curtas distâncias. Para isso precisamos aumentar o portfólio, entrar em um segmento que a gente hoje não trabalha — e não posso ainda dar spoiler. Temos um produto de baixíssima pegada de carbono, o alimento chega nutritivo e fresco nas famílias locais. Esse é mais o nosso objetivo.

Como explicar a um leigo o que é o leite A2? O A2 é literalmente a genética da vaca que faz com que ela produza o leite apenas com a proteína beta-caseína A2. Enxergo a modernização da pecuária nisso. Se existe algo que dá para melhorar, a gente precisa olhar para isso e ter energia para melhorar (a dominância dessa proteína, que facilita a digestão do leite e seus derivados por parte dos humanos, é obtida por meio da seleção genética animal). Temos muitas ferramentas na mão e, se soubermos usá-las, seremos um país difícil de ser superado.

Pode contar um pouco sua trajetória? Passei toda a minha vida, até os 18 anos, na fazenda da minha família, em Descalvado. Tenho duas irmãs. Minha vida sempre foi uma mistura de divertimento e o dia-a-dia ao lado do meu pai, tio e avô. Tudo o que eu fazia era, de certa forma, imerso no trabalho deles. Com 18 anos não queria nada relacionado ao agronegócio e fui fazer publicidade. Me formei em 2017 e fui trabalhar com moda, porque na faculdade era o que me interessava: moda e artes.

Mas em 2018, durante uma viagem de família, o meu tio fez uma proposta — disse que tínhamos uma possibilidade de mudança radical da nossa marca, um investimento para mudar o posicionamento da Letti. Aceitei o convite e confesso que não pensei muito, na época, sobre o tamanho da responsabilidade que assumiria. Mas achei que seria uma super chance de unir o que eu estudei, com algo que acredito ter muito propósito.

Houve algum fato importante nessa caminhada? Em 2019, um ano depois do meu retorno, eu e minhas irmãs nos inscrevemos no prêmio mundial da Fundação Mapfre, que destaca, por exemplo, toda a parte de sustentabilidade, bem-estar animal e ESG. Inscrevemos o projeto da empresa, que era o pioneirismo na produção de leite A2 no Brasil. Ganhamos e fomos para Madrid, na Espanha, receber o prêmio diretamente das mãos da Rainha Sofia. Foi memorável e marcante, uma chancela que me deixou forte e inspirada para continuar.

Quem mais admira na vida? Por ser a terceira geração de uma empresa familiar, meu pai, tio e avô, que hoje tem 86 anos e ainda está na ativa. A forma como fui criada na fazenda e além da porteira, com liberdade de escolha, talvez tenha sido o primeiro estímulo para fazer o que eu queria e voltar. Do lado da minha mãe, fui empoderada e sempre me senti confortável e muito encorajada em qualquer lugar que estivesse. Sobre meu pai, o que mais me inspira é a ética e o jeito vanguardista com que ele sempre conduziu a empresa. Eles me deixaram forte para os desafios da vida.

Quando começou, qual foi seu maior desafio? Não cheguei querendo transformar a empresa, que é de 1945. Como fiz publicidade, tinha essa cabeça mais voltada para o marketing. Mas, em 2021 eu e minha irmã assumimos toda a operação. Era muito fora da minha alçada, do meu campo de estudo. Olhar o novo, abraçar e sair da zona de conforto foi uma dificuldade e um aprendizado.

Como é gerenciar a saúde mental nessa lida? Trabalho com meu avô que tem 86 anos, então acho muito importante se cuidar. Sou a maior adepta do autocuidado. Faço análise duas vezes por semana e esporte diariamente. Nas gerações anteriores, as pessoas acreditavam que o sucesso só é atingido através de muito sofrimento. São quebras essenciais (de paradigmas), quando a gente fala de saúde mental. Uma vez que você está numa posição de influência e precisa transformar políticas do dia-a-dia, é muito importante que essa melhoria seja para todo mundo.

O que é empreender na sua visão? Empreender é ter coragem, resiliência e saber negociar com a vida no sentido de fazer apostas. Acho importante fazer um recorte aqui, que é de privilégio mesmo. Nasci numa condição privilegiada, nunca me faltou nada, o que me permitiu ter acessos e uma base para ir atrás dos meus sonhos e do que acredito.

Há algo que me move muito, que é o propósito. Quando consigo dar continuidade ao legado da minha família, que é extremamente tradicional, adicionando um toque de modernidade, faço uma ponte entre o campo e o consumidor final. Empreender é esse acordar todo dia, entender que o mundo se transforma e que a gente precisa mudar junto com esse mundo. É realmente um privilégio estar aqui onde eu estou hoje.

Qual livro recomendaria a um empreendedor? Gosto muito de “Civilização”, do Niall Ferguson. É um convite para entender o mundo, as organizações e pessoas, o que para mim tem uma relação direta com a jornada de empreender.

Quais são as três atitudes que destacaria em um jovem empreendedor para chegar ao sucesso? Valorize a sua personalidade, o que você tem de novo, especialmente quando chegar em lugares onde já existem pessoas trabalhando, com anos de experiência, mas chegue com zero arrogância. É muito importante aprender a ouvir e respeitar o espaço. A gente não é melhor do que ninguém.

A persistência e resiliência são palavras-chave, porque tem dias que você vai estar muito feliz e realizado, e tem dias que, como eu do lado feminino, pode vir uma síndrome de impostora e achar que qualquer um poderia estar ocupando seu lugar. É um dia por vez e a vida ensina muito sobre isso. E, por fim, nunca parar. Empreender é nunca se acomodar.

Quais conselhos daria para alguém decidido a seguir seus passos? Como enxergo muito espaço e potência, seria abrir os olhos para além das porteiras. Se as pessoas já têm essa vivência de dentro da porteira e um olhar mais pé no chão, falta olhar para fora da bolha e resolver um dos maiores gargalos do agronegócio brasileiro, a comunicação. Isso está muito relacionado ao fato de que nós, do setor, falamos para o próprio umbigo.

Vá para fora estudar, olhar coisas diferentes, fazer cursos em áreas diferentes, veja outros mercados, se possível em outros países. É muito importante aprender com o mundo, o consumidor, o que está acontecendo. Estudar e se especializar em áreas que estão demandando. Olha aí a sustentabilidade, o bem-estar animal, o ESG que acaba englobando tudo isso. É preciso ficar de olho no que as mudanças podem nos proporcionar e saber se faz sentido trazê-las para dentro do setor.

Que nota daria hoje para o ESG (ambiental, social e governança) no agro brasileiro? Vou dar nota sete. Fico até espantada com a quantidade de coisas bacanas para o meio ambiente, bem-estar animal e governança que as empresas do agronegócio são capazes de fazer. Tem dados muito interessantes sobre quem mais preserva, que é o produtor. Mas há uma grande dificuldade de comunicação. O convertido já está sabendo, mas as pessoas externas ao agronegócio não.

Duda Nagle

Diana Jank diz que bem-estar na fazenda precisa ser comunicado ao consumidor

O consumidor – ou quem quer que seja, mas que está fora do agro –, enxerga tudo dentro de um mesmo grupo, sem diferenciar quem é o produtor e quem está fazendo coisas ilegais. Então, precisamos urgentemente separar o joio do trigo. O setor precisa se posicionar frente a esses grupos. E diria também que é importante melhorar a educação no Brasil, no sentido da entrada de novas tecnologias e da necessidade urgente das escolas e faculdades conseguirem levar mais conteúdo para os jovens, porque há coisas incríveis sendo feitas e que as pessoas não sabem porque não chegam a elas.

O que te chama a atenção na evolução do mercado agrícola e pecuário? Além desse grande impacto que o agronegócio tem no PIB brasileiro, quando a gente fala de futuro, temos aí uma equação a ser resolvida, em geração de energia, sustentabilidade, bem-estar animal, para alimentar o mundo. Nós precisamos fazer parte disso, considerando que há uma população crescente e recursos finitos. Não tem como não olhar para o setor que produz alimentos para o mundo inteiro e suas grandes possibilidades.

E no segmento da pecuária leiteira? Na pecuária leiteira é a mesma coisa. Por exemplo, o leite A2 está aí para comprovar. O leite é uma commodity, um alimento extremamente tradicional que, a princípio, não tem nada o que mexer. Mas aí vem o leite A2, que é de fácil digestão, resolvendo o problema de milhares de pessoas que haviam parado de consumir leite e derivados.

Qual é o seu principal desafio hoje no trabalho? A constante adaptação, sem abrir mão de valores e propósito. Em 2018, quando entrei no negócio, o leite sofria uma crítica enorme, estava sendo muito recriminado. Agora, ele já surfa outro mundo em relação a isso, sem terrorismo nutricional, com outras pesquisas e estudos comprovando que é um alimento essencial, extremamente nutritivo.

Essa adaptação aos novos consumidores precisa ser revisitada diariamente. Porque, no final das contas, eu quero resolver um problema e melhorar a vida de alguém. Todo esse trajeto precisa fazer sentido. E, para fazer sentido, preciso acompanhar todo esse mundo e me adaptar. É construir uma love mark (marca de amor) cheia de valores e propósito, que faça a diferença, tanto para as pessoas quanto para o planeta.

Onde imagina que a Agrindus estará dentro de cinco anos? Temos alguns projetos em vista, que eu ainda não posso comentar. Mas imagino, quando falo de consumidor, que temos aí esse alcance. Espero que a marca também tenha mais produtos nessa linha para atender o consumidor que busca um alimento fresco, de fácil digestão e certificado. Em cinco anos, também espero que nossa produção seja 100% proveniente da energia solar, com o biodigestor funcionando e também o bem-estar animal dentro da fazenda. Espero que seja uma marca maior e mais conhecida, estar em mais praças e que continue uma marca muito sólida nos valores e no que se propõe a fazer.