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Porém, ao colocar uma lupa sobre os 4.356 hectares da fazenda de Mauro Lúcio Costa, 59 anos, que comprou a área há 26 anos, ela mostra como a pecuária de um município criado no início dos anos 1960, em um movimento de ocupação do interior o país, pode se reinventar a partir de uma floresta nativa como protagonista do negócio e se tornar referência. E, para que não haja dúvida do empreendimento eficiente, enquanto a média anual de ocupação das pastagens no Pará é de 1,4 bovino por hectare, na Marupiara ela sobe para 10 animais por hectare.
“Na vida, trabalho com princípios e não com regras, porque regra é obrigação. Princípio é lifestyle, é estilo de vida. Meu princípio na pecuária é o da reciprocidade: quanto mais eu cuido da natureza, mais a natureza cuida de mim”, afirma Costa. Ele conta que, ao receber visitas na fazenda, sempre é questionado quanto ao motivo que o leva a “fazer mais do que está no Código Florestal”. “E eu respondo: porque o código é regra, é para te deixar na legalidade.”
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Resultado da sincronicidade homem-natureza-pecuária, no ano passado a produtividade do rebanho da fazenda Marupiara foi de 969 quilos por hectare, o equivalente a mais de seis vezes a média brasileira, que é cerca de 150 quilos por hectare.
O lifestyle que começa na floresta de Costa passa por uma parceria com o Museu Emílio Goeldi, com sede em Belém, onde, desde sua fundação, em 1866, como primeiro parque zoobotânico do país, seus pesquisadores estudam cientificamente os sistemas naturais e socioculturais da Amazônia. “Eu queria entender qual a riqueza da floresta”, afirma Costa. “Muita gente entende que a riqueza da floresta está na madeira. Não é verdade. A riqueza da floresta se chama biodiversidade.”
Os pesquisadores do museu frequentam a fazenda Marupiara há 13 anos, com a mais recente visita tendo sido realizada em agosto e coordenada pelo geógrafo Jorge Gavina Pereira, doutor em biodiversidade da Amazônia Legal, atualmente pesquisador da Cocte (Coordenação de Ciências da Terra e Ecologia) do Emílio Goeldi.
Em parceria com cinco vizinhos, juntando todas as áreas de reserva legal de mata nativa, o atual maciço florestal contínuo e monitorado ao redor da reserva da Murupiara é de cerca de 25 mil hectares. “Se trabalhar errado, ao longo do tempo a biodiversidade vai sumindo, vai se degradando”, afirma Costa, que, no caso de sua fazenda, percebe o contrário: ela vem aumentando.
“Desde 2012, fazemos o que chamam de enriquecimento de reserva legal, plantando árvores dentro das florestas. Plantamos nas Apps [áreas de preservação permanente], porque a ideia é entender o que a floresta tem de biodiversidade que pode ser estendida às pastagens”, explica.
A área de produção da fazenda é de cerca de 870 hectares, dos quais as pastagens para o gado ocupam 340 hectares. Nessa área, também já foram plantadas árvores nativas, um total de 36 mil mudas em corredores de pastos que têm 100 hectares cada. “Elas começaram a ser catalogadas, mas olhe só a reciprocidade da natureza: enquanto eu plantava nos corredores uma árvore de cinco em cinco metros, a natureza ia lá e plantava de cinco em cinco centímetros na sequência, com suas sementes. O trabalho de plantio que a natureza fez não tem ser humano que consegue fazer igual. Hoje, tenho corredores de árvores formados nas pastagens que eu nunca plantei, o serviço foi da natureza.”
Floresta é a resposta
A tecnificação da criação tem evoluído, com maior uso de rotação de pastos, adubação e melhoria genética, mas os produtores ainda guardam na memória o final dos anos 2000, quando o estado foi classificado entre os maiores desmatadores do país pelo governo federal. Muitos de seus municípios entraram em uma lista negra e sofreram severas sanções.
O município de Paragominas, que se diz “colonizado pela pata do boi”, estava entre os maiores desmatadores, mas também foi o primeiro a sair da lista. Questionado sobre o que resta daquela época, Costa para de falar e pensa por alguns segundos: “Acho que restam as experiências. Foi um aprendizado, um momento de explosão em que ficou tudo destroçado e tivemos que correr para salvar o que restava e reconstruir”.
Entre 2009 e 2015, Costa foi presidente do sindicato rural de Paragominas e um dos nomes do movimento seguinte, o dos municípios verdes. Curiosamente, ele conta que nunca se viu como um ambientalista, mas como a voz de um produtor que precisava ganhar o sustento por meio da pecuária. “Fiquei com a fama de ambientalista, porque, para produzir, a questão central está no meio ambiente, onde estou inserido – e é daí que vem a minha pecuária por princípios.”
A rastreabilidade é fundamental como ferramenta de gestão de uma propriedade. Mas nossa cultura diz que seu uso é obrigatório, e isso é ruim. Quando a rastreabilidade for também um princípio para o criador, ela passa a ser lifestyle”, diz ele. Costa relaciona o boi da floresta biodiversidade com uma garrafa de vinho que pode custar “até US$ 100 mil porque tem gente que paga por ela”. E completa: “Lógico que vou fazer uma carne macia, suculenta e gostosa, mas, se ela tem biodiversidade, ela conta uma história para o consumidor. É isso que queremos”.
*Reportagem publicada originalmente na edição 114 da Revista Forbes, acessada por aplicativo (android e iOS)