Anne Wilians e seu trabalho no empreendedorismo social

2 de agosto de 2022

Anne Wilians fala sobre empreendedorismo social, direito da mulher, maternidade, diversidade e tudo o mais que perpassa a sua vida

A maternidade nunca foi um sonho para Anne Wilians, mas ser mãe é, hoje, uma de suas maiores realizações. Anne equilibra a presidência do INW (Instituto Nelson Wilians), organização social com programas de educação e direito, com três bebês, de um, dois e três anos. E, agora, também com uma gravidez, já que a família acaba de crescer.

A veia do empreendedorismo social veio cedo na vida de Anne, herdada de seus pais, que eram empresários na área de saúde e realizavam projetos sociais na Ilha de Marajó, no Pará.

Ao questionar o pai uma vez sobre o porquê de os beneficiados dos projetos estarem, ano a ano, na mesma situação, foi intimada por ele a arregaçar as mangas e fazer algo. E ela fez. Em 2017, aos 27 anos, fundou o INW, que leva o nome de seu marido e do escritório de advocacia presidido por ele. 

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Por meio de consultorias jurídicas pro bono, financiamento de projetos e programas de voluntariado, o INW atingiu, apenas em 2020, 60 mil pessoas. No mesmo ano, com o aumento de casos de agressão a mulheres em meio ao isolamento social por conta da pandemia, Anne fundou o Justiceiras, organização de apoio e acolhimento a vítimas de violência doméstica.

Confira abaixo um bate-papo de Anne Wilians com a Forbes sobre empreendedorismo feminino e social, direito da mulher, maternidade, diversidade e tudo o mais que perpassa a sua vida.

Forbes: Como começou o Justiceiras?

Anne Wilians: O Justiceiras foi idealizado por mim, pela [promotora de justiça] Gabriela Manssur, e convidamos o João [Santos] da [ONG que presta assistência a vítimas de violência] Bem Querer Mulher. Eu não trabalhava na linha de frente contra a violência de gênero, sempre trabalhei na prevenção. Mas quando começou a pandemia, eu comecei a perceber o aumento de casos de violência contra as mulheres ao redor do mundo e antes de chegar ao Brasil eu liguei para a Gabriela e falei ‘você já está fazendo alguma coisa agora no período de pandemia?’, ela falou que estava pensando em fazer um projeto e a gente começou a desenhar juntas. Em uma semana a gente já tinha 300 voluntárias e, na semana seguinte, a gente começou os atendimentos do Justiceiras. Via WhatsApp as mulheres solicitavam ajuda e a gente recebia a solicitação que tinha o descritivo de qual era a violência que ela estava sofrendo e passava para o atendimento psicológico, socioassistencial, jurídico e uma rede de apoio e acolhimento. A gente criou essa rede porque muitas mulheres queriam dar assistência a essas outras mulheres mas elas não se encaixavam em nenhuma das outras formações. 

Eu fiquei sob a gestão do Justiceiras durante cinco meses. Eu saí e o Justiceiras estava com dois mil atendimentos, hoje está com 9 mil atendimentos, e a minha saída foi para me dedicar ao Instituto Nelson Wilians e à minha gestação.

F: Como você avalia o cenário para o empreendedorismo social e feminino em geral?

AW: A mulher tem um jeito peculiar de gestão, e a gente tem que se apropriar mais disso. Estudos mostram que nós nos preparamos mais que os homens, mas nos arriscamos menos que eles para conseguir coisas a nosso favor. A mulher não pede aumento para ela mesma, ela pede recursos, oportunidades em nome de terceiros, mas é difícil pedir para ela. Então a dica que eu tenho para a mulher empreendedora é se arriscar mais, porque preparada eu já parto do princípio que nós estamos, e aproveitar o seu networking com mais ousadia. Por último, eu coloco o autoconhecimento, que infelizmente ainda é um privilégio, para entender até onde a sua resiliência vai. A gente tem que ser bem sincera em relação a quais são os desafios, quais as competências que você tem e quais você tem que agregar ao seu time, e qual solução você propõe para a sociedade. Porque empreender é isso. Quando a gente entende o que a gente domina, a gente consegue entender o que nos falta. 

F: Qual a importância das pautas dos direitos das mulheres para a sociedade?

AW: Quando eu falo de violência de gênero, eu falo de direitos humanos, principalmente da dignidade das mulheres, mas eu também estou falando de economia. Existe um estudo que mostra que o Brasil perde R$ 1 bilhão por ano com a violência doméstica por causa dos impactos na saúde e ausências das funcionárias. Dependendo do meu público, se ele não é sensível para falar sobre direitos humanos e dignidade de gênero, eu trago dados econômicos. Há quatro anos, eu faço um evento no dia oito de março em casa para comemorar os nossos direitos adquiridos, mas a gente ainda tem que trabalhar muito.

Eu falo isso como terceiro setor, mas também como uma empresa que tem responsabilidade pela mudança de cultura da sociedade. Não pode ser um social washing, a gente não pode usar essas políticas afirmativas e de respeito aos direitos humanos como uma forma de marketing, a gente tem que usar isso realmente como mudança interna e junto com o poder público. Uma empresa que trabalha com diversidade melhora não só a sua imagem, mas a sua produtividade porque tem ideias mais diversas, competências e backgrounds diversos e traz outras ideias para o centro das discussões e isso gera lucratividade.

F: Como foi sua trajetória antes da fundação do Instituto Nelson Wilians? 

AW: A minha formação é administração e direito, mas eu falo que antes de ser advogada eu sou administradora. A minha vontade de entrar no empreendedorismo social veio do meu histórico familiar. Meus pais eram microempreendedores na área da saúde e sempre estavam realizando projetos sociais. Eu não entendia toda a complexidade do trabalho deles, e eu lembro que eu questionava o meu pai e falava ‘por que a gente não faz alguma coisa para essas pessoas se transformarem?’ E ele respondia: “Anne, se você está criticando o meu trabalho, arregace as mangas e faça o seu”. Acho que foi uma dica preciosa porque com 17 anos eu comecei a me aproximar de outras organizações sociais, tive a minha primeira grande frustração com um projeto que falhou, mas foi muito importante para a minha formação. Com 18 anos, me mudei para São Paulo para fazer faculdade de administração e comecei a trabalhar no segundo setor. E com 27, já casada com meu marido, eu decidi montar o Instituto.  

F: Como você concilia o trabalho com os três bebês? 

AW: A maternidade nunca foi um conto de fadas, um sonho para mim. Então, quando eu decidi ser mãe, foi uma decisão já na fase adulta e muito consciente. Eu não consigo mais viajar o tanto que eu viajava e estar em campo nos projetos por conta dos bebês. Eu tenho meus tropeços, mas acho que cada mês é melhor que o outro. Não é todo dia que eu consigo ir para o escritório, muitas vezes eu faço home office, que às vezes sobrecarrega, mas por outro lado também é um privilégio. 

F: Qual o objetivo com o INW?

AW: Nossos pilares, educação e direito, estão no nosso DNA, tanto meu, que vi a vida dos meus pais ser transformada pelo acesso à educação, quanto do Nelson, que era um homem que trabalhava na roça, que tem pais semianalfabetos, e que viu na educação uma oportunidade de mudar de vida, e hoje tem um dos maiores escritórios de advocacia do país. Pensando nisso, a gente escolheu a educação como eixo central dos trabalhos no Instituto. O escritório de advocacia é o único financiador e investidor do Instituto, e a gente não podia deixar o direito de lado, até porque a gente entende que muitas das lacunas de cidadania no país estão ligadas ao desconhecimento nessa área, então a gente decidiu trabalhar com esses dois eixos. 

F: Como as suas formações se unem na sua atuação hoje? 

AW: Elas se complementam. Eu nunca deixei de ser uma administradora, só que agora eu sou uma administradora com noções jurídicas. Um dos nossos focos é trabalhar com a cidadania nas nossas organizações sociais, indo até as comunidades para falar sobre direitos. A gente tem 14 programas, e cinco deles são na área jurídica. E eu entendo que a minha formação não para nunca, estou em constante aprendizado.

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