“Estamos décadas na frente e precisamos aproveitar essa oportunidade”, diz a CEO da SPIC Brasil

6 de outubro de 2023
Divulgação

Para Adriana Waltrick, o que conta são os resultados na geração de valor e transparência em toda a cadeia de geração de energia

A administradora Adriana Waltrick, CEO da SPIC Brasil (State Power Investment Corporation), empresa global de geração de energia e que no Brasil comanda seis ativos na área, além de projetos que envolvem as smart energies, como o hidrogênio verde. Ela era uma das personalidades esperadas para o SDGs in Brazil (Sustainable Development Goals), evento realizado no dia 15 de setembro, em Nova York, na sede da ONU (Organização das Nações Unidas), e que antecedeu a sua assembleia geral, entre os dias 18 e 22 do mês. O tema da mesa de Waltrick foi a “Governança do Pacto Global da ONU”.

Waltrick é uma das poucas mulheres a ocupar uma posição c-level no segmento de energia no país. Está à frente da SPIC Brasil desde 2017 e no comando da Usina Hidrelétrica de São Simão, na divisa de Minas Gerais e Goiás – um dos ativos da empresa – desde 2012. Mas não é somente isso. Ela também integra o board de conselheiros da Localiza, do Grupo CBO e da SLC Agrícola.

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Com passagem pelo MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), entre as principais instituições de ensino dos EUA, a executiva se tornou referência em gestão. Não por acaso, ela é embaixadora da ONU para uma de suas 17 ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), a de número 16, que trata de “paz, justiça e instituições eficazes”. Na entrevista exclusiva, concedida à Forbes, Waltrick fala sobre os desafios e os avanços na mobilização da cadeia de valor do segmento de energia e do fundamental papel da governança corporativa nesse processo. Confira:

Forbes: Como as empresas podem desempenhar um papel significativo na implementação da Agenda 2030 da ONU?
Adriana Waltrick: Nesse evento das ODS reunimos algumas lideranças empresariais que participam do movimento de estratégia e ambição para as metas de 2030, inclusive, na edição deste ano do evento foi lançado o programa ‘Impacto Amazônia’. Então, a gente abordou muito os desafios para atingir as metas do movimento e sobre a cadeia de valor de alto risco, treinadas e mapeadas, sob o ponto de vista de compliance e do movimento de anticorrupção. O nosso foco é ter 100% das cadeias de valor de energia, pelo menos em primeiro nível, mapeadas e certificadas sob o ponto de vista do compliance, da lei da sustentabilidade e da não corrupção.

Nessas cadeias, que envolvem uma série de itens que vão desde questões de trabalho, tanto de menores operações fora dos padrões, até a mercadorias não certificadas ou evasão de impostos, etc, queremos que a cadeia de valor do setor elétrico seja certificada e considerada 100% transparente. Sou embaixadora de uma das ODS, a de número 16, que trata dos avanços em relação a empresas e instituições eficazes, além de paz e justiça.

F: Falando das ODS, quais são os programas internos da Spic Brasil relacionados à ODS?
AW: Estamos avançados no ‘movimento transparência 100%’ e com isso a gente já certificou toda a cadeia de valor de nível um, que é o primeiro passo, e os maiores fornecedores, que corresponde a 60 empresas. Realizamos diligências e certificamos.Essa é a transformação na cadeia de valor que estou construindo. É uma conscientização de que os parceiros de negócios e os parceiros desses fornecedores admitem apenas relações éticas, sustentáveis e transparentes. Agora, os próximos passos serão certificar os níveis dois e três, em que envolvem os médios e pequenos fornecedores. Mas, mais importante do que olhar só a nossa cadeia de valor, é imaginar o efeito multiplicador da conscientização de cada um desses agentes.

F: Muitas empresas têm corrido para cumprir metas de ESG para não perder mercado, mas como e quando será feito um filtro separando as empresas realmente comprometidas com o ESG, das que praticam o greenwashing?
AW: Não tenho dúvida de que isso vai acontecer. O que vai fazer essa separação é que o compromisso tem que ser perene. Precisa ter veracidade nas diligências que são feitas e as demonstrações e comprovações que são trazidas e certificadas no dia a dia. Na prática, isso é colocado e controlado ao longo do tempo. No nosso caso, existem várias consequências quando um dos fornecedores não segue. Portanto, precisamos fazer trabalhos de amostragem para identificar se a certificação ainda se mantém e deixar toda a cadeia mobilizada. Mas isso não pode ser só em relatório. Precisa ter diligências práticas e continuadas ao longo do tempo e não programadas. E quando houve qualquer descontinuidade um fornecedor até por ser desligado.

F: Nessa hora de decisões importantes, como deve ser a atuação dos líderes para um futuro mais sustentável?
AW: O papel fundamental do CEO e dos líderes é estabelecer a cultura e a ética na empresa. Ele representa um valor fundamental e inegociável. Não existe mais ou menos. É a criação do ambiente de comprometimento, de cooperação na cadeia de valor. É muito mais do que chegar lá e dizer “vamos fazer um treinamento’’. Não, isso não funciona. É dizer ‘a partir de agora nós temos um pacto onde certos valores são divididos e a gente só trabalha sob certas condições. Um confia no outro e um cuida do outro e da sua cadeia’. Acredito que isso pode transformar o mundo, mas começa com a liderança de valores.

F: Confiança e ética somente podem ser medidas na prática?
AW: Com certeza. Caminhe de acordo com os valores que você prega. Se não, você não consegue colocar essas práticas como verdadeiras. E aí acaba no discurso de fachada.

F: Quanto tempo é necessário para implantar uma nova cultura em uma empresa?
AW: Eu acho que não existe uma média ou um tempo adequado, mas o que não pode haver é meio termo. Você tem que ser muito claro para o entendimento da mensagem, não se pode admitir desvios. Então é o tempo da comunicação, da clareza e da internalização dos valores pelas pessoas, desde o primeiro momento. Dito isso, quanto mais rápido você comunica e é compreendido, mais a empresa está pronta para praticar os valores.

O que observo, e é curioso, é que aqueles que não praticam são automaticamente excluídos pelo próprio grupo. É muito interessante porque o ser humano é gregário. Se ele valoriza certos pilares de organização e comportamento, eles mesmo rejeitam atitudes que destoam daquilo que acreditam. Uma vez um professor meu, lá nos Estados Unidos, me disse “se a empresa que você trabalha não estiver alinhada com seus valores, saia da empresa, porque isso não tem conserto”.

F: Existe uma preocupação real por parte das empresas em perder mercado por não cumprir, ou não conseguir demonstrar corretamente, a implantação do ESG?
AW: Esse é um movimento irreversível. Nem mais os clientes, nem a sociedade e nem os investidores aceitam empresas que não pratiquem, de fato, a sustentabilidade ou o ESG como um todo. É um movimento sem volta. Se estão preocupados com a sobrevivência ou não, não sabemos, mas a questão é que não tem outra forma de continuar trabalhando, crescendo e expandindo, sem que, antes de tudo, venham os princípios éticos, sociais, de governança e meio ambiente.

É um movimento que pega em todas as pontas e todos os stakeholders, termo utilizado para os ‘pares’ de uma instituição que tenha interesse na atuação e resultado de uma determinada empresa. Quem não cumpre isso, não consegue sequer atrair colaboradores, pois hoje eles têm propósito, não querem trabalhar onde não estejam promovendo e praticando essas agendas. Então é um ciclo virtuoso que parece estar ocorrendo e que une o mundo empresarial e privado ao mundo público. E o legal é que no Brasil a gente observa uma objetividade e uma continuidade de planos, o que é muito interessante.

F: O ESG parece ganhar forma no Brasil, mas é uma discussão muito mais antiga em outros países. Qual o grau de amadurecimento da onda ESG no país?
AW: A consciência está aumentando cada vez mais e quando temos fóruns como esse da ONU, que busca movimento, transparência, isso tudo vai ampliando a consciência, a consideração e o planejamento das empresas. Temos um mundo de conscientização em construção, mas é uma construção acelerada e as empresas acordaram e estão tentando, na grande maioria, acertar. É um caminho crescente e ele tem andado a passos largos para um amadurecimento, porém é um trabalho de muitos anos. Estamos nos aprimorando através desses ambientes em que a gente pode trocar ideias para entender onde é que estão as prioridades e os desafios.

F: A matriz energética brasileira é uma das mais renováveis do mundo. Em eventos internacionais como esse em que você participou na sede da ONU, o Brasil é destaque nesse tema e em que grau?
AW: Sem dúvida, o país já tem um destaque. O Brasil está em um patamar onde os países do hemisfério norte queriam estar. Eles se planejam para chegar neste nível, até 2050, mas nós já estamos nele, hoje. Temos as matrizes das mais limpas do mundo, com cerca de 85% renovável. Então, sim, há uma consciência muito clara de que o Brasil é uma potência verde.

Agora, cabe a nós fazermos planos e políticas industriais que fomentem, de fato, essa exposição em determinadas cadeias de valor, como a possibilidade de trazermos o hidrogênio verde e potencializar essa vocação. Estamos décadas na frente em relação ao mundo e precisamos aproveitar essa oportunidade. Acho que o mundo já nos enxerga assim.

A incógnita agora é o que a gente faz com esse potencial todo que temos em mãos. O Brasil está na pequena área do gol, tem que fazer o chute, mas esse chute precisa ser certeiro. Essa preocupação de como direcionar esse potencial é o que discutimos nesse momento. Temos que fazer esse gol.

F: Quais energias verdes de maior potencial e que podem ganhar mercado mais rapidamente?
AW: Há uma possibilidade de expansão para as hidrelétricas que é impressionante. A eólica e solar já estão consolidadas e devem continuar crescendo. Depois temos o hidrogênio verde, que é gigante no mercado, e ainda as eólicas offshore, que são fontes obtidas através da força do vento em alto mar, essas devem se intensificar em cinco ou seis anos, talvez mais a médio prazo.

F: Há estimativa de aumento da demanda de energia para os próximos anos. Como deve ser esse chute a gol no Brasil?
AW: Contamos com um grande parque de produção de energia renovável pronto para fornecer. Já há uma estrutura de oferta, regras e setor muito organizados. O que a gente precisa agora é de políticas industriais e de cadeias de valor estratégicas. Voltando a falar do hidrogênio verde, por exemplo, só precisamos da regulação e trabalhar no desenvolvimento dos fundamentos para essa indústria avançar.

O alumínio verde é outra fonte que também tem chamado a atenção de muitos governos, no sentido de como produzir certos compostos importantes para muitas empresas. O alumínio já leva o selo verde e é um produto com potencial de exportação. Há toda uma produção de painéis fotovoltaicos que pode se instalar no Brasil, e aliás, já temos estudos para isso. O que precisamos fazer é definir as estratégias, porque a energia para o fornecimento a essas indústrias está disponível, é renovável e é reconhecida. Também é preciso trabalhar na regulação, nas regras e em todas as questões para que sejam, de fato, economicamente viáveis.

F: Em relação às hidrelétricas, qual o principal desafio para a manutenção dos parques?
AW: O Brasil tem um dos maiores parques hidrelétricos do mundo. As hidrelétricas
são, de fato, o pilar fundamental do setor, a possibilidade que já temos em mãos. É preciso investir. Estamos trabalhando, por exemplo, na barragem da hidrelétrica de São Simão, gerenciada pela Spic Brasil, localizada na divisa de Minas Gerais e Goiás, com um reservatório que abrange 13 municípios. Estamos modernizando as hidrelétricas, que, na sua maioria, têm de 30 a 40 anos de construção. Iniciamos, em 2019, a reestruturação e digitalização da UHE de São Simão e para os próximos nove anos é previsto investimento de mais de R$ 1 bilhão. O objetivo é produzir energia de forma mais confiável e muito mais precisa. E a partir disso, também podemos expandir a potência da usina, assim que tivermos liberação regulatória.

F: Como está hoje o processo de expansão dessas hidrelétricas?
AW: A expansão das hidrelétricas ainda não está regulamentada e essa é uma discussão que tem chamado a atenção dos órgãos de governo, do Ministério, da Aneel, enfim, dos formadores de opinião e das associações. Esse é um ativo que o Brasil pode explorar e ter energia boa, abundante, barata e renovável à disposição da sociedade.

F: Existem planos para a construção de novas hidrelétricas?
AW: No nosso caso, estamos aguardando o plano do governo para verificar se vão fazer a autorização e licenciamento de novas hidrelétricas. É algo que me parece estar em estudo pelo Ministério de Minas e Energia. O que sabemos é que as hidrelétricas estão cada vez mais longes dos centros de carga, em áreas cada vez mais remotas.