Portinari volta a colorir Nova York na primavera

17 de fevereiro de 2015

Os olhos azuis de João Cândido Portinari parecem continuar com o mesmo brilho de três décadas atrás quando ele decidiu largar a carreira acadêmica para divulgar o trabalho do pai, o pintor Cândido Portinari (1903-1962). Aos 75 anos, o herdeiro de um dos artistas brasileiros mais geniais de todos os tempos prepara-se para encerrar o Projeto Guerra e Paz, que retirou os dois enormes painéis de mesmo nome da sede da Organização das Nações Unidas (ONU) para trazê-los ao Brasil. Depois de ficarem expostas no Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Paris, as duas telas de 14 x 10 metros (cada) retornaram a Nova York e serão novamente apresentadas ao público em maio de 2015.

Trazer os painéis Guerra e Paz de volta ao Brasil era um sonho alimentado por João desde a adolescência, quando eles foram mostrados ao público pela primeira vez no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, em 1956. A manchete do dia seguinte no jornal carioca Correio da Manhã ficou gravada na mente do garoto. “Agora eles irão, irremediavelmente, para a ONU. Quem quiser vê-los que vá a Nova York.” Muitos anos mais tarde, mais precisamente em 2007, João acompanhava o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva na cerimônia do cinquentenário de chegada das obras a ONU, quando soube que o edifício projetado por Le Corbusier e Oscar Niemeyer passaria por uma reforma. Sentiu que aquela seria sua grande chance.

“Era um injustiça com o povo brasileiro, que nunca mais havia tido a oportunidade de apreciar as duas obras”, afirma. Mas na reapresentação de Guerra e Paz, agora restaurados, João deseja mais do que um simples abrir de cortinas para burocratas ligados a ONU. Ele quer as obras pelas ruas de Nova York. Enquanto os originais estão sob proteção máxima, o filho de Portinari pretende parar a Times Square. “A ideia é que os telões fiquem em branco por alguns minutos, simbolizando a paz”, afirma. O Grand Central Terminal e o Central Park também devem abrigar algumas ações. Para viabilizar o projeto, ele tem se reunido frequentemente com as organizações responsáveis por cada um dos espaços. “Antigamente, era mais difícil conseguir verbas. As pessoas achavam que eu não passava de mais um herdeiro tentando ganhar dinheiro com o legado do pai. O projeto Guerra e Paz teve muita visibilidade e ajudou acabar de vez com essa ideia”, diz.

Durante a infância e adolescência, João sentiu o peso de ser filho de alguém tão genial. Os amigos sempre costumavam ser apresentados pelo nome, mas ele não. “Este é o Fernando, esta é a Maria e este é o filho do Portinari”, era a maneira natural de alguém introduzi-lo. Aos 17 anos, mudou-se para a casa de um tio em Paris com o objetivo de estudar engenharia de telecomunicações. Depois fez doutorado no Massachusetts Institute of Technology ( MIT), nos Estados Unidos. Permaneceu por dez anos no exterior. E relembra o momento em que viu Portinari pela última vez. “Meus pais foram me visitar em Paris e eu os levei ao planetário.

Foi um momento especial entre a gente.” O artista, que já havia recebido o diagnóstico de envenenamento por tintas, morreu algum tempo depois. Durante 13 anos João se dedicou à vida acadêmica. Montou o departamento de matemática da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), do qual virou diretor aos 28 anos. Em abril de 1979, quando decidiu fundar o Projeto Portinari e dedicar-se integralmente a divulgação do trabalho do artista, foi chamado de louco pelos colegas de profissão.

Mesmo após tanto tempo de estrada, João ainda se surpreende com o trabalho do pai. Em maio deste ano, o Museu Casa de Portinari, em Brodowski (SP), onde o pintor morou com a família, passou por uma reforma. Durante as obras, um afresco foi encontrado debaixo de 15 camadas de tinta. João estava em Paris quando recebeu a notícia.

“Minha vontade era pegar o primeiro voo para São Paulo”, diz. A imagem pode ter sido pintada por Portinari e revela uma Madona com o Menino Jesus. Quando era bebê, João servia de modelo para o pai. Um exemplo: o Menino Jesus pintado por Portinari na capela Mayrink, no Parque Nacional da Tijuca, tem seu rosto. “E a criança do afresco em Brodowski é igualzinha, mesmo olhar, cabelo e postura”, diz. Mas o palpite do filho de Portinari é que o afresco seja um trabalho a várias mãos. Afinal, a casa de Brodowski tinha obras de alunos, amigos e até parentes de Portinari. O resultado da avaliação dos peritos deve ser divulgado até o final de 2014.
Enquanto isso, João segue com planos para novas exposições.

Agora, sua ideia é fazer uma retrospectiva do trabalho de Portinari com foco em obras de grandes dimensões como o Painel Tiradentes (18 x 3 metros), pertencente ao acervo do Memorial da América Latina, em São Paulo. O desafio, como sempre, será captar recursos. Mas ele não esmorece. Nem mesmo uma das maiores tristezas de sua vida, a perda da filha Maria Cândida, de 16 anos, o fez abandonar sua missão. Durante o encontro com FORBES Brasil, ele fez questão de exibir a tatuagem que tem no peito, do lado do coração: “Maria Cândida mora aqui”. Na noite anterior à entrevista haviam completado 20 meses do dia em que ela se foi, vítima de um vazamento de gás no banheiro de sua casa. João, que ainda tem dois filhos de seu primeiro casamento, enxergava na caçula o talento para as artes. “Ela adorava pintar.”

O Projeto Portinari atualmente vive de patrocínios e royalties provenientes do licenciamento da marca. Uma das parcerias é com a rede O Boticário, a qual rendeu um perfume com o nome do pintor. Mas nem todas as iniciativas foram bem-sucedidas. A linha de cerâmica Portinari, da Cecrisa, é uma delas. “Eu não tinha experiência na época e vendi a marca para a empresa usar no ramo de cerâmicas, mas eles mudaram a assinatura de Portinari e estamos em um embate judicial”, afirma. Para João, seria interessante ter uma tinta com o nome de Portinari e uma marca de café. “Ele era de uma família de imigrantes e cresceu entre plantações”, diz. Mas confessa não se dedicar o suficiente para o tema licenciamento. “Se eu tenho uma reunião sobre a organização de uma exposição e outra para tentar um licenciamento, admito que prefiro a primeira opção”, sorri.