Uma viagem pelo Rio Mekong em um catamarã de luxo

9 de maio de 2015

FORBES

Nuvens escuras — a última monção do ano — se acumulam no céu, enquanto nosso bote corta a rua principal aquática de Chong Kneas, no norte do Camboja. É um vilarejo flutuante pintado de maneira exuberante, com casas improvisadas, mercados em barcaças e pelo menos uma igreja católica a balançar, de um formal azul pálido em meio aos laranjas e carmins. Quando passamos pela última curva e entramos no Tonle Sap, lago que, com as chuvas de outono, fica do tamanho do estado de Delaware, o Aqua Mekong surge no horizonte: uma parede de luzes cintilantes e surreal no pôr do sol.

“Este não é um barco de cruzeiros”, proclama o fundador e CEO da Aqua Expeditions, Francesco Galli Zugaro, assim que subimos a bordo. “É um hotel butique de categoria internacional com cenários que mudam todo dia.” E eles não economizam nas boas-vindas. Fomos recebidos, nesse primeiro dia, como seremos toda vez que voltarmos a bordo, por uma multidão de membros uniformizados da tripulação oferecendo bandejas com sucos de fruta e toalhas geladas para combater o calor tropical. Viajam no máximo 40 hóspedes nesta pequena embarcação, com suas paredes envidraçadas do chão ao teto, leves tons terrosos e comodidades que não fazem concessões ao ambiente em volta.

Quer um banho quente logo após uma torrencial chuva tropical em um remoto estuário do Rio Mekong? Ou que tal um cardápio preparado por David Thompson, cujo Nahm, de Bangcoc, foi eleito o melhor restaurante da Ásia nos prêmios San Pellegrino de 2014? Ou, talvez, uma conexão wifi de alta velocidade bem longe da rede? (É bem verdade que Galli Zugaro ainda está experimentando este último item.) Mas nossa viagem no fim de outubro passado foi, afinal de contas, a primeira semana do Aqua Mekong no rio — um percurso de quatro noites de Siem Reap a Phnom Penh — com clientes pagantes. (Tarifas para uma viagem de quatro noites a partir de US$ 4.420 por pessoa em quarto duplo, com tudo incluído.)

Seis anos antes, eu tinha visto o carismático e cosmopolita Zugaro em um ambiente muito diferente, quando ele lançou o primeiro dos revolucionários barcos da Aqua Expeditions no Peru. Havia sido um processo exaustivo e extremamente dispendioso colocar aquele primeiro barco de luxo no Rio Amazonas com tripulação e itinerário adequados. Dá para imaginar a conversa durante o jantar na casa da família Zugaro quando ele mencionou seu próximo sonho: deslocar todos de Lima para Cingapura, partir ele mesmo para vasculhar os estaleiros do Vietnã e reiniciar o processo do zero.

Aos 40 anos de idade, Galli Zugaro é, mais do qualquer outra coisa, ambicioso. Embora construído segundo as mesmas linhas essenciais dos hotéis flutuantes, o Aqua Mekong é maior do que os barcos do Amazonas — 20 suítes em vez de seis ou oito — e ainda mais luxuoso, com o acréscimo de uma piscina funda mais spa, academia de ginástica e sala de projeção. A fórmula das viagens também é semelhante: os botes com cobertura de lona do barco vêm até a prancha de embarque e desembarque pela manhã para levar você em um passeio, trazem-no de volta para um almoço sofisticado e uma sesta, e depois o levam de novo na parte da tarde. (O Aqua Mekong também faz um dos mais valorizados truques dos barcos amazônicos: quando você está voltando no bote, suado e cansado enquanto cai a noite tropical, o barco terá se movido para encontrá-lo, materializando-se de repente depois de uma curva, as luzes acesas, como uma hospedaria aconchegante no meio do nada.)

A grande diferença aqui, é claro, é que o Rio Mekong não é o Amazonas. E, ao contrário das viagens da Aqua Expeditions no Peru, o propósito desta não é ver a vida selvagem. (Nas palavras de Galli Zungaro: “Aqui, quando as pessoas veem qualquer coisa se mover, elas comem”.) Os trunfos são o começo e o fim do itinerário no Mekong: o enorme complexo de templos e palácios de Angkor (que Zugaro chama de “Machu Picchu da Ásia”), em uma extremidade, e a adorável e ainda sossegada Phnom Penh — ou Saigon no próximo percurso —, na outra. A lenta flutuação, correnteza abaixo, da capital medieval de Angkor, nas proximidades de Siem Reap, à capital moderna pode ser vista como uma sequência figurativa da própria história do Camboja. Foi um passado longo e — assim parece a quem é de fora — em grande parte trágico que gerou um povo tão acolhedor e aberto. Nas ruínas de Angkor, você mergulha no vasto florescer da cultura Khmer, ocorrido entre os séculos 9 e 15.

Aquele império imenso e próspero desmoronou de maneira um tanto repentina em uma sequência de desastres naturais e políticos e foi saqueado, em 1431, por um grupo vindo do que é atualmente a Tailândia. Mas a catástrofe decisiva da história do Khmer foi autoinfligida. Pol Pot e o Khmer Vermelho controlaram o país por quatro anos no fim da década de 1970 e, nesse período tão curto, dizimaram cerca de um quarto da população do Camboja, desalojaram um número incalculável de outras pessoas e se refugiaram na selva para travar, por quase 20 anos, um combate de guerrilha que — junto com uma década de ocupação pelos vietnamitas — deixou uma nação traumatizada.

Uma geração depois, o grande charme e a beleza do Camboja de hoje ainda são obscurecidos por esses eventos. E, à medida que os botes do Aqua Mekong levam você a vilarejos distantes nas terras inundadas do interior, dá para sentir as extensas repercussões econômicas em uma sociedade que praticamente não chegou ao século 21.

Para os passageiros do barco chique, isso cria uma dicotomia. Dentro do barco, você é mimado em uma experiência flutuante de luxo de 205 pés e três andares. Por acaso, o chefe de cozinha Thompson estava a bordo na noite que passei lá. Um australiano sardônico e desgrenhado em sintonia com a moda, ele levou sua maestria culinária a uma variedade incrível de pratos, desde pizzas finas e crocantes até as preparações tailandesas que são sua marca registrada — caranguejos apimentados, lula doce e salgada, macarrão bang chok — e outras mais simples, como um pudim de arroz para o café da manhã que, graças aos ingredientes e temperos, é de uma leveza ímpar.

Depois do jantar, você pode se dirigir ao salão do convés superior, com seus panoramas através dos vidros envolventes e seu bar com estoque de bebidas artesanais e mixologistas da Proof & Co. de Cingapura. Pode haver até um show no escuro, do lado de fora — relâmpagos tropicais espocando por detrás das nuvens —, enquanto você beberica uma drinque noturno escolhido no menu de coquetéis alquímicos. Talvez um Kentucky Cha Chuck, que mistura bourbon Rowan’s Creek com chá tailandês preparado “à moda dos vendedores de rua”.

Três andares abaixo, eu me sentei uma tarde para uma massagem no spa, que é todo revestido de madeira clara natural e seda cinza. Minha massagista, uma mulher baixinha chamada Ath, com um sorriso angelical e uma pegada que parecia uma mordida de pit bull, me espancou durante uma hora, grande parte do tempo engatinhando sobre as minhas costas. Não sou um grande conhecedor de massagens, mas foi a melhor que já recebi. Saí de lá um homem mais humilde, sim, mas também transcendentalmente esticado, com passos mais leves e talvez mais alto e com membros mais longos. Fora da embarcação, em contraste, o Aqua Mekong serve uma dieta calma e constante de alma. E a tripulação é hábil e sutil ao preparar você para isso. Uma palestra pré-jantar no salão consistiu quase totalmente em uma aula de etiqueta, incluindo os vários níveis do sampeah, cumprimento com reverência e palma que é o equivalente cambojano do wai tailandês (mãos no meio do peito para amigos, subindo até a testa, caso você encontre o próprio Buda).

Quando você deixa para trás o espetáculo de Angkor Wat e segue pelas vias navegáveis, não há nenhuma atração de parar o trânsito no percurso cambojano da viagem. Em vez disso, o Aqua Mekong oferece camadas sobre camadas de momentos, pessoas, texturas da vida. Passamos uma manhã circulando por uma extensa região alagada no Tonle Sap, refúgio de pássaros cuja população de mergulhões-serpentes — com seu pescoço que parece uma cobra — de águias-pescadoras e de corvos-marinhos-indianos vem voltando a crescer graças ao recente aumento da fiscalização pelos guardas como aqueles que visitamos e que vivem bem acima da água, em uma plataforma nos ramos do manguezal. De barco, bicicleta e tuk-tuk, também visitamos tecelões de seda que operam teares manuais incrivelmente complexos, ceramistas para quem uma roda seria uma dose indesejável de ostentação moderna e um vilarejo de artesãos de prata que atiçam o fogo em fornos de barro. É possível ouvi-los martelar e martelar de bem longe, rio abaixo.

Parando os botes na cidade ribeirinha de Koh Oknha Tey, subimos pela margem de barro avermelhado para participar de uma aula de inglês na escola de ensino fundamental local. Cada um de nós escolhe uma criança para ler em conjunto — ou melhor, as crianças nos escolhem — e percorremos atentamente livros e cartilhas que esses estudantes destacados ganharam como prêmio. No fim, eles cantam “Twinkle, Twinkle Little Star” e “If You’re Happy and You Know It”. Nós cantamos e dançamos “The Hokey Pokey”. Depois, desembarcamos em um templo flutuante e recebemos a bênção dos monges para a continuação da nossa jornada. Passamos por vilarejos sobre palafitas que parecem prósperos — as largas ruas principais com menos de 6 metros de água nesta estação (e totalmente secas na primavera), o ar pesado com o aroma penetrante de carvão queimado e camadas flutuantes do mau cheiro primário e fumarento da pasta de peixe em fermentação que cada família guarda em vidros para os meses de estiagem.

Ao sul do Tonle Sap, a vista pela janela da sua cabine passa das margens verdes e florestais para cidades movimentadas, com torres de templos e eventuais mesquitas com cúpula dourada surgindo em meio à enormidade de casas improvisadas que parecem apoiar-se umas nas outras. Ao norte da capital, o rio fica repleto de sampanas e barcaças, além de estreitos e coloridos barcos de pesca de madeira com proa e popa elevadas. A cidade de Phnom Penh pode não ser, como anunciado, “a Paris do Oriente”, mas é cheia de charme, com museus encantadores, áreas comerciais labirínticas e um tipo de vida nas ruas que, em grande parte, desapareceu de outras capitais asiáticas. Voar de lá para Seul, cidade encantadora por si mesma, foi um contraste maior do que voar de Nova York para Siem Reap. A Phnom Penh de singulares repartições públicas da escala de Vermont (“Ministério da Indústria e do Artesanato”) e de ruas estreitas apinhadas de motocicletas, tuk-tuks e táxis de três rodas não era apenas uma face diferente da Ásia em relação a Seul, com seus cintilantes prédios altos e imponentes avenidas de seis faixas, e sim uma página de um outro livro de histórias, um conto sobre perspectivas completamente diferentes.

A jornada habilmente guiada do Aqua Mekong pelo coração do Camboja transporta você, por uns poucos dias, às páginas dessa história menos acessível, mais desconhecida. E, no fim, o maior privilégio é ser levado um mundo totalmente diferente do seu: uma profusão de forjas e pasta de peixe, de sons e cheiros de vidas que, em uma época de interconexão, ainda estão profundamente enraizadas no local.