A nova onda dos gins brasileiros

14 de agosto de 2017

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Por mais que a fama atribuída ao gin seja de uma bebida tipicamente inglesa, o destilado foi criado na metade do século 17, na Holanda. Na época, ainda não se tratava de uma bebida, mas sim de um remédio – graças ao potencial medicinal do ingrediente principal da sua fórmula: o zimbro.

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No processo de fabricação, utiliza-se o óleo extraído dos frutos da planta, o que garante grande parte do aroma característico do destilado, e acrescentam-se outros botânicos – neste ponto, não há limites para a criatividade. Com a popularização e a globalização da bebida, novos países passaram a produzir seus próprios gins, o que nos leva ao momento atual: o surgimento de diversas marcas de gin 100% brasileiras e voltadas para o mercado interno.

A ideologia do gin Arapuru é inspirada na famosa obra “Abaporu”, de Tarsila do Amaral, de apresentar um Brasil de modo sofisticado: um gin antropofágico, com a tradição de fora

Assim como aconteceu com as cervejas artesanais há algum tempo, as prateleiras de mercados e bares, reservadas às principais marcas internacionais, como Tanqueray, Hendricks e Bombay, passaram a dividir espaço com concorrentes nacionais.

Mas essa não é uma exclusividade do gin, lembra o veterano barman Derivan Ferreira de Souza: “Nas décadas de 1970 e 1980, nós tínhamos mais ou menos 60 marcas de vodcas nacionais. Era o momento da bebida, impulsionado pelas similares internacionais. Depois veio a fase dos uísques brasileiros, quando a indústria viu uma oportunidade. Algumas delas existem até hoje, mas muitas fecharam”.

Atualmente, Derivan é o master bartender do bar Número, localizado no bairro dos Jardins, em São Paulo. Por lá, o único gin brasileiro da carta é o Seagers Silver, produzido de forma industrial.

Antonio Rodrigues

Derivan de Souza, barman do Bar Numero (Antonio Rodrigues)

Para acompanhar a tendência, as marcas Vitória Régia, Draco, Virga e Arapuru foram lançadas há menos de dois anos. Cada uma delas possui características peculiares, como explica o barman e proprietário do Bar Guarita Jean Ponce: “Você quase conhece o gin pelas marcas, pois eles têm ingredientes expressivos e características únicas”. Em seu bar, também localizado na capital paulista, são comercializados diversas marcas nacionais.

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O Virga já está presente na carta de bebidas de diversos restaurantes (Divulgação)

O Virga Gim, que tem como um de seus proprietários o empreendedor Felipe Jannuzzi, começou a tomar forma em uma conversa informal de bar, na qual teve o insight de fabricar um gin brasileiro de qualidade. O expertise de Januzzi é totalmente ligado a bebida: ele é especialista em cachaça nacional e idealizador do projeto cultural “Mapa da Cachaça”, no qual listou os alambiques brasileiros para promover a identidade e valorização cultural do produto.

“Durante as minhas pesquisas, descobri que os alambiques de cana ficam ociosos grande parte do tempo. Só funcionam durante a safra da cana de açúcar”, conta. Foi a partir daí que o empreendedor uniu o útil ao agradável: começou a produzir o Virga em um alambique de cachaça de cobre, o que modifica muito o resultado final da bebida.

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Além do processo de destilação diferenciado, a marca utiliza entre seus botânicos o Pacová, semente típica da Mata Atlântica, e também uma porcentagem pequena de cachaça em sua fórmula. Isso garante uma essência tipicamente brasileira, mas sem fazer da bebida algo “para gringo ver”, garante Fm garante o ser um “gin que fosse para gringo ver”, ressalta Januzzi.

Atualmente, o Virga já está presente na carta de bebidas de diversos restaurantes, como Dalva e Dito, Dom e Açougue Central. A produção atual é de 1000 garrafas por mês, e o valor de cada unidade está por volta de R$ 110.

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Mike Simko, dono da marca Arapuru (Divulgação)

Já o Arapuru é uma marca brasileira comandada por um eslovaco. Desde pequeno, Mike Simko tem familiaridade com o zimbro por ser natural de uma região produtora e já ter vivido em Londres. Quando veio ao Brasil, sentiu falta de um gin fabricado por aqui e foi aí que o produto nasceu, há cerca de um ano e meio.

Para criar a bebida, Simko convocou o inglês Rob Dorsett, um dos mais famosos destiladores de gin do mundo. O resultado é um London Dry Gin tradicional e artesanal, com o acréscimo de diversos ingredientes nacionais, entre eles pimentas, limão-cravo e o caju.

O preço médio da garrafa do Arapuru é de R$ 140 (Divulgação)

“A ideologia do nosso gin é inspirada na famosa obra ‘Abaporu’, de Tarsila do Amaral, de apresentar um Brasil de modo sofisticado. Um gin antropofágico, com a tradição de fora”, explica. O próprio símbolo na garrafa é a ave amazônica Arapuru – que empresta nome à bebida – sentada em uma semente de zimbro.

Os bares Sub Astor, Pirajá e Frank e os restaurantes DOM e Maní já incluíram a marca em suas cartas de bebida. O preço médio da garrafa é de R$ 140.

Em 2017, o grupo Carmosina, que produz a cachaça Yaguara, se lançou no mercado de gins com o Vitória Régia. Segundo um dos sócios, Thyrso de Camargo Neto, “faltava para o mercado um gin de qualidade, mas com preço competitivo, que o consumidor não precisasse desembolsar valores de três dígitos por uma garrafa”.

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O Vitória Régia é o único gin com nome feminino do mercado (Divulgação)

O resultado foi uma bebida orgânica que combina matéria-prima brasileira com infusão inspirada na tradição europeia, onde a aposta é no lema “menos é mais”. Ao todo são cinco botânicos: coentro, zimbro, cardamomo, limão e pimenta da Jamaica. O nome Vitória Régia também representa a combinação, pois a planta amazônica recebeu esse nome em homenagem à Rainha Vitória da Inglaterra. Outro fato curioso: é o único gin com nome feminino do mercado. Servida em estabelecimentos como o italiano Piu, o Tuju e o Ipo Bar, custa cerca de R$ 75 a garrafa quando comprado em lugares como o Empório Santa Luzia, a importadora Metapunto e o Instituto Chão.

A familiaridade com o mercado de bebidas e de eventos, além do amor pelo gin, fez o empresário Rodrigo Marcusso criar a marca Draco Gin, presente no mercado desde junho do ano passado. “Em 2015, fiz uma viagem pela Europa e conheci diversas destilarias handcrafted de gins. Visitei várias delas e gostei muito do modelo de negócio. Quando voltei ao Brasil, a bebida estava mais popular e comecei a querer produzir. No começo, era bem informal, apenas para mim e meus amigos, além de alguns eventos. Assim que percebi que a aprovação estava boa, comecei a fazer em maior quantidade para comercializar. Mas foi preciso um ano de testes antes de chegar até aí”, conta.

O Draco está começando a ser vendido na rede St. Marche – que também é proprietária do Eataly – por preços entre R$ 98 e 110 (Divulgação)

O Draco tem um modo de produção clássico, assim como o London Dry Gin, pois teve como base o paladar a que o brasileiro já está acostumado. O seu processo de destilação é lento, cerca de oito horas, e os botânicos usados são importados e misturados com alguns cítricos brasileiros.

Apesar de já estar à venda em alguns bares, como o Mr. Jerry, o lançamento oficial e a ativação da marca só será em setembro. Atualmente, está começando a ser vendido na rede St. Marche – que também é proprietária do Eataly – por preços entre R$ 98 e 110.

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Quando indagado se os gins brasileiros possuem uma vantagem competitiva de preço em relação aos já lideres de mercado, Marcusso explica: “Essa é uma discussão frequente, mas é impossível, já que estamos falando de um gin de qualidade, um produto construído para ser premium, no qual o álcool é mais puro, feito de cereais. Um produto artesanal é muito mais caro do que um de linha. A Tanqueray, por exemplo, produz 30 mil gins por dia”.

Para quem está do outro lado do balcão, caso de Derivan e Jean, o gin brasileiro veio, definitivamente, para ficar. Para o proprietário do Guarita, o crescimento do consumo da bebida no país já é um fato. “O gin brasileiro está buscando o lugar que sempre teve na coquetelaria internacional. Ele sempre foi a base de coquetéis clássicos, mas que teve sua supremacia derrubada pela vodca”, diz Derivan. “Agora, é preciso investir no processo logístico para que dê certo, já que o mercado de bebidas é altamente profissional. Eu apostaria até que, dentro de algum tempo, algumas dessas marcas podem até ser compradas por grandes players da indústria”, arrisca.

Lucas Terribili
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