Família da Sicília luta para manter vivo o legado de vinhedos vulcânicos

22 de julho de 2021
Reprodução/Forbes

As gerações da família Rallo, donos da vinícola siciliana Donnafugata, cultivam suas uvas nas extremas condições de ilhas inóspitas com vulcões na Itália, como o ativo Etna

Quando sonhamos em escapar para uma ilha remota, cenas de praias de areia branca e natureza tropical exuberante muitas vezes vêm à mente, mas nem sempre para todas as pessoas. É o caso de Giacomo Rallo, fundador da famosa produtora de vinhos sicilianos Donnafugata, que sonhou com Pantelleria, a maior ilha satélite vulcânica da Sicília – um lugar desértico, onde pouquíssimas coisas poderiam crescer.

No final da década de 1980, a família Rallo construiu uma vinícola nesta região única, coberta por rochas acidentadas e antigas paredes de pedra em ruínas que apenas impedem ligeiramente o vento forte e implacável, e, portanto, um lugar inóspito que impossibilita tudo de crescer – a não ser as vinhas, que crescem rasteiras como arbustos minúsculos, e as famosas alcaparras Pantelleria, que brotam selvagens entre as rochas. No mundo do vinho é notório o compromisso de mais de 20 anos da Donnafugata com a viticultura extrema da ilha, que resulta em um vinho extraordinariamente doce, o Ben Ryé – árabe para “Filho do Vento”.

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Na década de 1970, Giacomo Rallo, um enólogo da quarta geração da família, pensava em comprar terras de vinhedos no Monte Etna. Mas quando ele e sua esposa Gabriella, uma viticultora pioneira por mérito próprio, começaram sua própria vinícola, a Donnafugata, em 1983, ficaram frente a uma escolha: investir em Pantelleria ou Etna, já que fazer ambos seria suicídio financeiro. Os dois, então, optaram pela Pantelleria – e esses investimentos continuam até hoje com a manutenção dos antigos muros de pedra, o sistema tradicional de treinamento de alberello pantesco altamente intensivo em mão de obra e um vinhedo experimental com 33 biótipos da uva Zibibbo (ou Moscatel de Alexandria) – a variedade que faz seu precioso Ben Ryé.

Embora a Donnafugata tenha se tornado, sem dúvidas, uma das vinícolas de maior sucesso na Sicília, reunindo várias áreas vinícolas e uvas nativas dentro da região italiana, sempre houve o sonho não realizado de Giacomo Rallo: fazer vinho dos vinhedos localizados no vulcão do Monte Etna. Desde o seu falecimento em 2016, esse desejo não realizado se tornou o mais importante para sua esposa, seu filho Antonio e sua filha José, que dirigem a Donnafugata atualmente.

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O Monte Etna, um dos vulcões mais ativos do mundo

MONTE ETNA

Os vinhos do Monte Etna certamente conquistaram os corações de muitos sommeliers norte-americanos e dos amantes de vinhos italianos, igualmente atraídos pelos aromas atraentes e elegância geral de muitos deles e pela ideia de que vêm de um dos vulcões mais ativos do mundo. Existem muitas áreas de vinhedos que podem justificar o cultivo de uvas para vinho em condições extremas, e Pantelleria está no topo da lista. Mas considerando que o Etna teve uma série de episódios eruptivos apenas neste ano, ele leva o conceito de condições extremas para um outro patamar.

Os dois têm algumas semelhanças entre si: muitas paredes de lava seca do Monte Etna são reconhecidos pela Unesco, assim como Pantelleria, com suas paredes de pedra seca e sistema de treliça único; em Pantelleria havia vinhas velhas, algumas com mais de 100 anos, que a Donnafugata não só protegeu como resgatou as práticas tradicionais de cultivá-las, semelhante a outro projeto da vinícola com as vinhas velhas no Etna, convertidas à sua forma original de cultivo – o “alberello”, sistema de treino de arbustos para videiras específico do monte, que leva de dois a três anos para remodelar cada seção do um vinhedo.

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As paredes de lava seca do Monte Etna

A Donnafugata comprou vinhedos no lado norte do Etna, a mais de 700 metros de altitude, no município de Castiglione di Sicilia, na comuna de Randazzo, na área designada Etna DOC para vinhos de qualidade. Quando se trata do medo desses vinhedos serem destruídos por futuros fluxos de lava, Antonio Rallo, que supervisiona o cultivo e a produção da vinícola, afirma que as mais recentes erupções com lava não aconteceram onde a maioria das vinhas estão plantadas no Etna. Os últimos incidentes que ele se lembra foram na década de 1980, em que vinhedos foram destruídos – mas a seção do vulcão onde a Donnafugata instalou seus vinhedos não teve problemas nos tempos modernos.

Se cultivar antigas vinhas com técnicas tradicionais em um vulcão constantemente ativo já não era um enorme desafio para a família Rallo, tentar entender e estudar os vários tipos de videiras reconhecidas no Etna, chamadas de contrada (‘subdivisão’ em italiano) oferece um novo desafio emocionante. A contrada não só reúne microclimas variados, pois muitos vinhedos podem estar em níveis muito diferentes de altitude, mas o mesmo produtor pode estar lidando com solos de estilos diferentes, com até 30 mil anos de diferença entre eles quando se trata de determinar quando foram formados. Cada uma dessas vinhas únicas foram formadas por um fluxo de lava específico, que dão uma sensação distinta de lugar a cada uma e as torna muito especiais entre si, diferente de muitas outras distinções feitas entre vinhedos dentro da mesma denominação.

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REALIZAÇÃO DE UM SONHO

Antonio conta que, quando um amigo soube que eles estavam investindo no Etna depois de todo o dinheiro colocado no projeto Pantelleria, ele disse que a vinícola deveria ser comprada por uma empresa maior, já que a família Rallo poderia estar se expandindo muito. O diretor da Donnafugata entende completamente o ponto de vista, mas, para ele, algumas coisas na vida não podem ser explicadas racionalmente – só podem ser expressadas pelo coração.

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Antonio Rallo, diretor da Donnafugata, em um dos seus vinhedos no Etna

Seu pai, Giacomo Rallo, era um homem pouco convencional para sua época, acreditando primeiro em sua esposa como viticultora (quando outros na Sicília pensaram que era loucura permitir que uma mulher dirigisse os vinhedos) e depois incentivando a sua jovem filha José a trabalhar em marketing para empresas maiores, já que tinha o dom de contar histórias como o pai, para poder voltar e ensiná-los a comercializar melhor seus vinhos fora da Sicília. Giacomo parecia um verdadeiro visionário que foi além do que as convenções ditavam.

Ao falar sobre a realidade de assumir tal projeto (especialmente considerando sua já existente viticultura extrema em Pantelleria), Antonio tinha um brilho em seus olhos e um sorriso que transmitia que, às vezes, basta dar aquele salto irracional. E um dos homens responsáveis por colocar os vinhos sicilianos em evidência mundial, ao acreditar em sua esposa e filhos, está sendo honrado por eles agora com a concretização do seu sonho de dominar o Etna e preservar sua tradição histórica na produção de vinhos.

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