Ele não gosta de falar do passado, da infância em uma família enorme vivendo espremida em uma casinha no recife. Diz apenas que preferia ficar na escola enquanto sonhava com um futuro melhor, viajando pelo mundo. E, enquanto viajava na imaginação, decorava os cadernos escolares com desenhos e cores vivas. Quando não havia mais caderno para pintar, transferia para jornais e papelões seu talento precoce. A inspiração vinha da televisão do vizinho, que ele assistia com fascínio sempre que podia. Com esse modesto background, já começava a ganhar seu dinheirinho.
“Um dia, na praia, conheci a família do cônsul geral e comecei a pensar em ser diplomata, imaginava que isso abriria as portas do mundo para mim”, lembra. Como parte do plano, iniciou o curso de direito na Universidade Católica de Pernambuco. Mas o entusiasmo pelas leis não durou. Logo trancou a matrícula, juntou suas economias e foi para a Europa, onde, durante um ano, contou com a acolhida de conhecidos.
Chegou a exibir alguns quadros em Londres, Madri e Berlim – e se deu conta de qual era sua verdadeira vocação: pintar, de preferência fora do Brasil. Não demorou para que novamente fizesse as malas, dessa vez rumo aos EUA. Lá, além de pintar, complementava a renda fazendo bicos em lanchonetes e lojas. Casou-se, teve um filho e estabeleceu-se em Miami, onde expunha seus quadros nas calçadas do agradável bairro de Coconut Grove.
Ao trabalho intenso somaram-se duas pitadas de sorte: primeiro, uma marchand gostou do que viu e convidou Romero para expor em sua galeria; depois, a vodca Absolut, que procurava um artista menos conhecido para se unir à sua campanha publicitária, que já contava com os consagrados Andy Warhol e Kenny Scharf, chamou o brasileiro para o time. Pronto: agora o céu era o limite.
Vieram outras campanhas milionárias e convites para expor em galerias pelo mundo. Em 2005, foi nomeado Embaixador das Artes do Estado da Flórida. Conheceu e retratou inúmeras celebridades: Leonardo DiCaprio, Michael Jackson, a princesa Diana, o ex-presidente Barack Obama, o papa Francisco… A lista é interminável – e cada um deles ajudou a “vender” a arte e o nome de Romero.
Tão grande quanto a capacidade de atrair gente famosa e olhares para as cores alegres e formas dinâmicas de suas obras é a capacidade que Romero Britto tem de atrair dinheiro, um talento desenvolvido com muito trabalho (o CEO do Grupo Britto, Lucas Vidal, revela que ele é capaz de discutir ideias e projetos a qualquer hora do dia, da noite e da madrugada) e uma visão aguçada de negócios.
Nesse ponto, ele parece ser imbatível: segundo Vidal, as marcas Britto e Romero Britto Fine Art movimentam anualmente US$ 250 milhões em obras e produtos licenciados – que estão à venda em mais de 30 mil pontos em 120 países. Suas obras originais são comercializadas por valores entre US$ 1 mil e US$ 1 milhão (como o quadro “A Primeira Ceia”, vendido por esse valor em 2020 para um colecionador americano).
Com o bolso saudável, em plena pandemia, o artista inaugurou há um ano a nova sede, próximo ao Design District, em Miami. O local recebeu o nome de Britto Palace, custou US$ 10 milhões e tem cerca de 5.600 metros quadrados – que abrigam cerca de 80 pinturas e esculturas, uma Ferrari, um Bentley e um Rolls-Royce.
No segundo andar ficam ateliê, departamentos de arte fina e de desenvolvimento de produtos e sala de fotografia, além da academia, um closet com “milhares” de roupas de Romero e uma suíte. No andar de baixo funcionam uma galeria privativa, os escritórios, uma fábrica de molduras, os setores de dados, logística e operações e uma loja-piloto que servirá de modelo para o sistema de franquias que está em fase de implantação.
“Estamos finalizando o desenvolvimento da linha de produtos – cama, mesa e banho, moda, linha pet e outros itens, todos de fabricação própria – e devemos abrir a primeira loja com esse novo conceito no fim de 2022”, revela o CEO. O valor de cada franquia ainda não foi definido, mas o objetivo da empresa é chegar a 300 lojas em cinco anos e pavimentar o caminho rumo à meta de faturamento anual de US$ 1 bilhão.
Reinvenção
Foi durante a pandemia, aliás, que eles iniciaram um intenso trabalho de rebranding, reposicionamento e reestruturação operacional, incluindo o desenvolvimento de uma plataforma de e-commerce, a criação de uma nova linha de produtos, o estabelecimento de novas parcerias – como as fechadas com Beto Carrero World e Polishop, que se unirão ao portfólio atual que inclui Puma, Citigroup, SpaceX (que levou um item de Romero Britto ao espaço), Bentley, NBC Universal e Disney, entre vários outros) –, além da ousada criação da rede de varejo com lojas próprias e as franqueadas já citadas.
São parte dessa estratégia a produção e o lançamento mundial do filme “Britto: The Art of Happiness”, que já tem o ator britânico Michael Caine, ganhador de dois Oscar, confirmado no elenco.
Romero Britto calcula ter doado mais de US$ 120 milhões para caridade, além de manter sua própria fundação e de ser membro do conselho da Prince’s Trust, entidade fundada pelo príncipe Charles. Sua relação com a realeza inclui sua nomeação, pela rainha Sílvia da Suécia, como embaixador da Mentor International e da Mentor Foundation USA e a visita ao palácio de Buckingham para um jantar a convite do príncipe. E, no dia anterior a esta entrevista, a princesa Madeleine da Suécia visitou o Britto Palace com os filhos pequenos – e todos se divertiram com os pincéis e tintas do ateliê, como mostram as fotos no Instagram de Romero.
Para alguém que saiu de onde ele saiu e chegou aonde ele chegou, que momentos considera marcantes na vida e na carreira?
“Um deles foi ser convidado pelo príncipe Charles para fazer parte da fundação dele – há vários verões participo de eventos filantrópicos com a família real. Outro é ter uma escultura minha no jardim da Casa Branca. Outro momento importante foi meu encontro com o papa… São vários.”
Comento que ele parece ser bem mais venerado no exterior que no Brasil. “Depende”, ele responde. “Já fui até homenageado por escola de samba. Se eu não tenho aí o mesmo reconhecimento que tenho aqui, deve ser porque eu estou há muito tempo morando fora. Mas não penso nisso. Tenho muitos planos para o futuro. Sigo em frente com minha arte e com meus negócios.