Foi em Recife, mina terra natal, através de tias minhas, que o conheci em 1977. O marchand Renato Magalhães Gouveia – como então chamávamos a profissão de galerista – representava sua obra em São Paulo e buscava alguém para representar o artista. Eu, nem galeria tinha, abracei o desafio. Aos 22 anos, com meus filhos Alexandre e Daniel ainda pequenos – hoje parceiros de trabalho na galeria -, meu espaço expositivo funcionava na minha própria casa. Ali recebia os amigos do meu pai e mostrava as telas de José Claudio, entre elas o retrato que fez de mim (que tenho até hoje e está exposto na mostra). Meu amor por sua obra foi contagiando, em pouco tempo, não havia casa em Recife sem uma parede com suas pinceladas com quê picassiano. Certa vez, levei-o ao aeroporto, havia uma retrospectiva de Picasso no MoMA que ele desejava muito ver. Daquele jeito desleixado, embarcou para Nova York de havaianas.
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Sempre amei a arte. Meu avô foi diretor da Escola de Belas Artes da Universidade de Pernambuco, eu o acompanhava aos ateliês dos artistas, mas eram todos mais acadêmicos. José Claudio, ao contrário, era pura energia! Os fins de semana na casa de meus pais era open house de sexta a domingo, ali conviviam a direita e a esquerda de Recife, poetas, escritores, profissionais liberais. Eu, quietinha, sorvia aquela grande experiência cultural.
Em 1987, ao me mudar para São Paulo, constatei que seu nome era pouco conhecido no sul. Aqui predominava o gosto pelo concretismo. Ele havia iniciado a carreira como desenhista em São Paulo, tinha sido assistente de Di Cavalcanti, aprendido gravura com Lívio Abramo, participado de cinco bienais (1957, 1959, 1961, 1963 e 1985), ganhado bolsa da Fundação Boccherini de Lucca, na Itália, e trabalhado na Sudene, onde desenvolveu a série Carimbos na década de 1960. Considero o grande José Claudio, o pintor, com base em sua habilidade natural para o desenho. Mas há também o escultor em pedra, o poeta, o escritor, o gravurista. Em Pernambuco ele fazia ilustração para vários jornais. Faz pouco recebi de Paulo Bruscky, outro grande nome da arte de Pernambuco, um calhamaço de diagramações originais do José Claudio que Bruscky recolhia na redação e guardou esse tempo todo.
José Claudio foi um dos fundadores do Ateliê Coletivo da Sociedade de Arte Moderna do Recife (SAMR), uma experiência comunitária de vanguarda criada por artistas autodidatas. Nos anos 50, não havia internet, tevê, revista, nada, quem não queria fazer arte acadêmica tinha que aprender na marra. O grupo reunia nomes como Abelardo da Hora, Virgulino, Samico, e cada qual transmitia sua experiência. A parte técnica era descoberta no peito e na raça, passada um para o outro entre eles. Com muito orgulho, realizei em Recife na minha primeira galeria, a Artespaço, uma mostra do Atelier Coletivo.
Vive tão mergulhado em seu mundo que nem sabia que o MoMA de Nova York possui um desenho seu, Apocalipse III, obra em nanquim sobre papel de 1956. Da mesma série estamos expondo Apocalipse IV, da coleção do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo. O que ele gosta mesmo é de pintar, de apreciar suas telas nas casas dos amigos colecionadores bebericando uma cachacinha.
José Claudio é um grande artista. Como se diz no Nordeste, é um forte.
José Cláudio: uma trajetória
Curadoria de Aracy Amaral
Galeria Nara Roesler, São Paulo
Até 5 de novembro, 2022
Com colaboração de Cynthia Garcia, historiadora de arte cynthigarciabr@gmail.com
Nara Roesler fundou a Galeria Nara Roesler em 1989. Com a sociedade de seus filhos Alexandre e Daniel, a galeria em São Paulo, uma das mais expressivas do mercado, ampliou a atuação inaugurando no Rio de Janeiro, em 2014, e no ano seguinte em Nova York.
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