Bíblia de 1000 anos que pode chegar a US$ 50 milhões vai a leilão

27 de março de 2023

Codex Sassoon pode se tornar o livro mais caro já vendido em leilão quando chegar ao mercado

“É um dos maiores tesouros do mundo”, diz Sharon Liberman Mintz, especialista sênior em história judaica da Sotheby’s, sobre o Codex Sassoon, que vai a leilão em maio. Enquanto isso, a Bíblia hebraica de 1000 anos está guardada no que parece ser uma enorme caixa de sapatos cheia de papel, em uma mesa lotada na sede da casa de leilões em Nova York. Dificilmente um cenário glamouroso para um dos livros mais valiosos do mundo.

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Quando Mintz e um colega conseguem levantá-la – tão cuidadosamente quanto se pode levantar uma pilha de 11 quilos e 15 centímetros de espessura de pergaminho centenário – o verdadeiro peso do Codex fica evidente.

Já ostentando a maior estimativa pré-leilão de um livro ou manuscrito (de US$ 30 a US$ 50 milhões, entre R$ 158 e R$ 264 millhões), o Codex Sassoon pode se tornar o livro mais caro já vendido em leilão quando chegar ao mercado nesta primavera norte-americana. Atualmente, esse título pertence a uma primeira edição da Constituição dos Estados Unidos, vendida por US$ 43,2 milhões (R$ 228 milhões) em 2021 ao bilionário Ken Griffin.

Acredita-se que o Codex Sassoon tenha sido escrito no final do século 9 ou início do século 10 e é especialmente valioso porque é a Bíblia hebraica mais antiga e completa que existe, contendo cada um dos 24 livros, incluindo a Torá (ou Pentateuco), os Nevi’im (ou Profetas) e Ketuvim (ou Escritos). Ele também contém marcas cruciais de vogais e cantilação que outros manuscritos judaicos, como os Manuscritos do Mar Morto, não possuem – o que significa que os leitores hebraicos modernos podem entendê-lo.

“Analisamos outros semelhantes ​​e percebemos que não há comparação”, diz Mintz. “É um livro que tem tanta ressonância para tantos milhões de pessoas ao redor do mundo, então sentimos que o preço era equivalente ao seu poder.”

Para o Codex Sassoon, o leilão de maio é a última parada em sua extraordinária jornada de mil anos, que começou com um patrono rico, cerca de 200 peças de pele de carneiro e mais de um ano de trabalho para um único escriba. Embora a pessoa que encomendou a Bíblia esteja perdida na história, os registros inscritos em suas páginas ao longo dos séculos permitem que os estudiosos rastreiem definitivamente os proprietários posteriores.

A primeira venda conhecida do Codex ocorreu no início do século 11, quando o empresário Khalaf ben Abraham o vendeu para Isaac ben Ezekiel al-Attar por cerca de 37 dinares de ouro, ou dinheiro suficiente para alimentar uma família de quatro pessoas por dois anos. Ele então deixou o manuscrito a seus filhos com a condição de que nunca o vendessem.

A Bíblia acabou se tornando parte de uma sinagoga em Makisin, na atual Síria, mas a pequena vila foi destruída entre os séculos 13 e 15. O livro foi confiado a um membro da comunidade para protegê-la até que a sinagoga fosse reconstruída – o que nunca aconteceu.

“Toda esta história adicional torna o livro emocionante, não apenas como um objeto fundamental da civilização judaica e mundial, mas também como algo profundamente pessoal. Vimos como ele foi transmitido através das gerações, e acho isso realmente emocionante”, diz Mintz sobre sua origem.

O primeiro colecionador comprou pelo equivalente a R$ 111 mil

A Bíblia sobreviveu os próximos cinco séculos até que David Solomon Sassoon, um estudioso e bibliófilo britânico nascido em Bombaim a comprou em 1929. Já um renomado colecionador de manuscritos hebraicos, livros e outros textos judaicos, Sassoon pagou 350 libras esterlinas por ela (cerca de R$ 111 mil hoje), tornando-a o quinto texto mais caro de sua coleção de 1.274 peças – o mais caro foi Moreh Nevuchim (ou Guia para os Perplexos, de Maimônides), no qual ele gastou o equivalente a R$ 480 mil e agora pertence à Biblioteca Britânica.

Desde que Sassoon (que morreu em 1942) comprou o Codex, ele apareceu em leilão apenas duas vezes, ambas na Sotheby’s: em 1978, quando seus herdeiros o venderam para o British Rail Pension Fund por cerca de US$ 320.000 (R$ 8 milhões hoje), e em 1989, quando arrecadou US$ 3,2 milhões ( ou quase R$ 42 milhões atuais). O lance vencedor obteve lucro quase imediatamente: o Codex Sassoon foi vendido para o financista suíço Jacqui Safra, da família de banqueiros Safra, por um adicional de US$ 1 milhão no mesmo ano, e está na coleção particular de Safra de 83 anos desde então.

Dada a sua proveniência e raridade, a estimativa de pré-venda recorde de US$ 30 milhões a US$ 50 milhões do Codex Sassoon também foi alimentada por vendas de grande sucesso de outros textos históricos, incluindo o manuscrito de Leonardo da Vinci, o Codex Leicester, que Bill Gates comprou por US$ 30,8 milhões em 1994, e o Cópia da Constituição de e US$ 43,2 milhões vendida em 2021. Mas mesmo quando comparada a outras obras sagradas antigas, esta Bíblia está em um patamar próprio.

Embora 15 de seus 929 capítulos estejam faltando, principalmente do Gênesis, isso é mínimo em comparação com outra famosa Bíblia do século 10, o Aleppo Codex, que perdeu 40% de suas páginas no final dos anos 1940 em circunstâncias misteriosas. A próxima melhor comparação é o Códice de Leningrado, a Bíblia hebraica antiga mais completa – mas que foi escrita quase um século depois.

A construção do Codex Sassoon deve-se em grande parte à sua notável história de sobrevivência. Suas páginas de pergaminho durarão para sempre, diz Mintz, e como o manuscrito está em forma de livro – em vez de pergaminhos – ajuda a preservá-lo. Embora a encadernação de couro seja relativamente moderna (Sassoon a adicionou há quase cem anos) e algumas páginas tenham sido corrigidas, o livro é praticamente o mesmo do século 10.

Sua excelente condição – combinada com suas marcas de vogal e cantilação – significa que o Codex Sassoon é tão legível quanto uma Bíblia moderna, uma boa notícia para os milhares de visitantes que a Sotheby’s espera em sua turnê internacional, já em andamento. Em Londres, onde foi exibido de 22 a 28 de fevereiro – sua primeira exibição pública em mais de quarenta anos – cerca de 800 visitantes por dia disputavam uma vista.

As próximas paradas do Codex são Tel Aviv, Dallas, Los Angeles e, finalmente, Nova York, onde passará as últimas semanas antes de sua venda. Quanto a quem pode ser o próximo proprietário do Codex Sassoon, Mintz diz que a casa de leilões recebeu igual interesse de instituições particulares e públicas em todo o mundo. “A propriedade privada não impede o acesso público”, ressalta Mintz, já que as instituições costumam cortejar investidores privados para comprar itens caros e doá-los (um benefício óbvio: a redução de impostos).

“Acho que tudo é possível neste momento”, diz o profissional sobre a histórica venda de maio. “Este livro é profundamente poderoso. Ser capaz de segurar algo em suas mãos que é um pedaço da história, não apenas da história judaica, mas é um texto fundamental da civilização mundial, é eletrizante.”

Os livros, manuscritos ou textos impressos mais valiosos já vendidos em leilão:

1. Primeira Impressão Da Constituição Dos EUA: US$ 43,2 milhões
(Sotheby’s, 2021)

2. Codex Leicester: US$ 30,8 milhões
(Christie’s, 1994)

3. Carta Magna: US$ 21,3 milhões
(Sotheby’s, 2007)

4. Bay Psalm Book: US$ 14,2 milhões
(Sotheby’s, 2013)

5. O Livro De Oração De Rothschild: US$ 13,6 milhões
(Christie’s, 2014)