Com memória afro-brasileira, pintor Elian Almeida faz 1ª individual em SP

15 de junho de 2023
Flavio Freire/Cortesia Galeria Nara Roesler

O pintor carioca e Under 30 Elian Almeida estará em exposição individual até 23 de julho na galeria Nara Roesler São Paulo

“Nasci duas vezes no mesmo lugar”. Assim diz o artista carioca Elian Almeida, de 29 anos, ao se referir ao Cais do Valongo, seu local de nascimento. Incrustado no cais do porto do Rio e conhecido como “Pequena África”, o Valongo foi um dos principais pontos de desembarque e comercialização de africanos entre 1811 e 1831. Durante o regime escravagista, o Brasil recebeu cerca de quatro a cinco milhões de africanos, só pelo Valongo entrou um milhão de futuros escravos. Triste realidade, nosso país foi o que mais recebeu escravos africanos no mundo. 

O duplo nascimento de Elian se dá pois o Valongo, onde nasceu em 1994, foi por onde chegaram há duzentos anos seus ancestrais rotulados de forma desumana como “mercadoria/coisa”, e não “pessoa/ser humano”. Fincado na formação da identidade brasileira, o legalizado desrespeito, que nossa história oficial tentou apagar, é o ponto de partida da missão que move a bela pintura de Elian que vê no apagamento a maior forma de violência. 

Exposição de Elian Almeida na galeria Nara Roesler começou nesta terça (13); veja fotos

Vista da individual de Elian Almeida na Galeria Nara Roesler, São Paulo
Vista da individual de Elian Almeida na Galeria Nara Roesler, São Paulo
Vista da individual de Elian Almeida na Galeria Nara Roesler, São Paulo

Em alusão à histórica cicatriz, “Pessoas que eram coisas que eram pessoas”, é o sugestivo título da primeira individual que o artista apresenta na galeria Nara Roesler em São Paulo, em exibição até 23 de julho. Desta vez sua pesquisa sobre a cultura e memória afro-brasileira o leva a se debruçar sobre as manifestações culturais do Recôncavo Baiano. O fio condutor das telas é a religiosidade, com seus rituais sincréticos, irmandades, cenas de danças e ritmos consagrados aos orixás, além da Umbanda e do Candomblé. 

Tudo remete fielmente à atmosfera colonial-barroca do recôncavo com oratórios trabalhados, esculturas de santos, mobiliário de jacarandá, fachadas de casarios e igrejas com volutas, e interiores forrados do azul e branco dos azulejos portugueses. Dando vida à cenografia estão as tradicionais baianas com seus balangandãs de ouro, suas rendas e saias engomadas, a roda de capoeiristas com seus atabaques e o birimbau. Estão também retratados alguns personagens, como Tia Carmem do Xibuca, uma baiana de origem que viveu no Rio onde se tornou uma das líderes da “Pequena África”.

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Ali também viveu outro grande das nossas artes, Heitor dos Prazeres (1898-1966), primeiro pintor afrodescendente a retratar as manifestações afro-brasileiras nas telas. Prazeres fincou seu nome na história da arte brasileira ao romper a barreira do mercado de arte de então, ainda hoje dominado por marchands e pintores brancos.  

Um dos destaques da exposição é “Ventre Livre II”.  Na tela, uma mulher negra, deitada ao chão de um sobrado colonial, está prestes a dar à luz, assistida por sua parteira, uma rezadeira. A partir de sua promulgação em 1871, a Lei do Ventre Livre, uma das precursoras da Lei Áurea, atribuía liberdade aos filhos de mulheres escravizadas. Munido de sua ancestralidade africana e das nossas cores, a obra de Elian fortalece a historiografia afro-brasileira, vital para a nossa identidade como nação. Sem dúvida, uma grande missão.

Com colaboração de Cynthia Garcia, historiadora de arte, premiada pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) – cynthigarciabr@gmail.com.

Nara Roesler fundou a Galeria Nara Roesler em 1989. Com a sociedade de seus filhos Alexandre e Daniel, a galeria em São Paulo, uma das mais expressivas do mercado, ampliou a atuação, inaugurando no Rio de Janeiro, em 2014, e no ano seguinte em Nova York.

info@nararoesler.art
Instagram galerianararoesler
http://www.nararoesler.com.br/