Elizabeth me recebeu em sua casa, em agosto, em um jantar que contou com a presença de Gilberto Gil, dos ministros do STF Luís Roberto Barroso e Cristiano Zanin, do presidente do TCU, Bruno Dantas, e da primeira-dama Janja, entre outros convidados ilustres. Foi o primeiro evento social que a embaixadora realizou em sua casa, em Brasília, no qual homenageou a cultura brasileira – tanto na figura de Gil, representando todos os nossos ritmos (incluindo a bossa nova de Tom Jobim, que ela “ama” e que inspirou o título desta reportagem), quanto no cardápio, composto por pratos típicos de várias regiões do país.
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No dia seguinte, na sede da embaixada americana na capital federal, ela me concedeu a entrevista (tão saborosa quanto o jantar) que você lê a seguir.
Forbes – Apesar do tempo relativamente curto desde sua posse, você já teve a oportunidade de mergulhar na cultura do nosso país. Que aspectos da cultura brasileira mais ressoaram em você até agora?
Você já mencionou o impacto da música e do Carnaval de Salvador e do Rio sobre você. Mas, no jantar de que tive a honra de participar em sua casa, percebi que outros aspectos de nossa cultura, como a culinária, também chamaram a sua atenção.
Quando estive em Salvador, fui a um lugar (não me lembro o nome, era fora da cidade) e provei uma moqueca incrível. Sem falar do pão de queijo, que como todos os dias, e o cuscuz – no jantar, pedi para meu chef prepará-lo, porque a Flora [Gil, empresária, diretora e esposa de Gilberto Gil] me disse que esse era o prato preferido dele.
Agora você atua como ponte entre os EUA e o Brasil. Já se envolveu em alguma iniciativa entre os dois países?
Meu mandato tem apenas seis meses, mas já temos várias iniciativas. Uma delas é o Japer, um plano de ação conjunta para eliminar o racismo e a discriminação e promover a equidade racial. No plano cultural, certamente a noite passada diz muito sobre o que me importa. Temos muitos eventos culturais chegando, inclusive para celebrar o bicentenário das relações Brasil-EUA. Vamos trazer Lonnie Bunch – ele foi o responsável por projetar e arrecadar todo o dinheiro para a criação do fabuloso Museu da História e Cultura Afro-Americana no National Mall [em Washington, DC] e agora é presidente de todo o [complexo de museus e instituição educacional] Smithsonian. Eles têm um projeto sobre a escravidão em parceria com o Brasil, a inauguração deve ocorrer no Cais do Valongo, no Rio de Janeiro (que foi restaurado com a nossa ajuda). É algo em que Joe [Biden] está muito interessado e com o qual Anielle Franco [ministra da Igualdade Racial] está bastante envolvida. Também já entrei em contato com Herbie Hancock: esse grande músico me disse que seu melhor amigo é Milton Nascimento, então espero que eles possam fazer algo juntos. Hancock mantém um instituto [Herbie Hancock Institute of Jazz] onde trabalha com alunos afro-americanos, e eles virão para cá.
De fato, são muitos projetos mesmo…
Sim, queremos fazer tudo isso e muito mais. Queremos fazer diplomacia esportiva, como trazer a equipe de futebol feminino dos EUA para trabalhar com as equipes de futebol do Brasil. Temos muitas ideias com a Disney, que é muito popular aqui. Liguei para o chefe da Disney, que é meu amigo, e eles estão muito animados em fazer coisas incríveis – como “ressuscitar” o Zé Carioca. No começo da Segunda Guerra Mundial, o presidente Franklin Delano Roosevelt iniciou uma política de boa vizinhança porque estava preocupado com as informações de que o Brasil e outros países da América Latina estariam se alinhando com Mussolini e Hitler. Então, para promover os Estados Unidos por aqui, ele pediu a vários escritores criativos que viessem ao Rio pensar em um personagem que pudesse levar o Brasil para o âmbito americano, e vice-versa. Foi assim que nasceu o Zé Carioca, criado em 1941 por Walt Disney: um papagaio com chapéu de palha na cabeça, um guarda-chuva em uma mão e um charuto na outra. Agora temos que torná-lo mais atual. Conversei com o secretário de Cultura do Rio [Marcelo Calero] e disse que o personagem é estereotipado: um cara da favela que bebe cachaça, fuma, não trabalha e canta o tempo todo, tentando convencer o Pato Donald a viver a “boa vida”. Argumentei que precisamos torná-lo mais politicamente correto, esquecer o charuto e talvez torná-lo secretário de Cultura ou até mesmo prefeito do Rio. É possível que façamos uma série de shows e filmes da Disney.
Você acredita que este é o melhor momento para fortalecer a relação entre os dois países?
Como você visualiza o futuro das relações entre EUA e Brasil em termos de parcerias econômicas e acordos comerciais?
Estamos revitalizando e relançando o fórum CEO EUA-Brasil, que começou na administração do Lula e foi interrompido durante o governo Bolsonaro. Já foram selecionados 12 CEOs dos EUA e 12 do lado brasileiro. O vice-presidente Alckmin é o copresidente junto com Gina Raimondo, nossa secretária de Comércio e também uma grande amiga. Ela me escreveu dizendo que vem ao Brasil em meados de dezembro. Será uma maravilhosa maneira de promover negócios. Temos um investimento direto estrangeiro que está próximo de R$ 1 trilhão, perto de US$ 200 bilhões, gerando mais de 550 mil empregos. Em uma reunião em São Paulo com alguns CEOs, perguntei a cada um quantos empregos eles geraram aqui. Um disse 20 mil, outro disse 8 mil, a GE disse que está aqui há 102 anos… Existem empregos por toda parte gerados pelos EUA. Nosso investimento no ano passado no Brasil foi 28% maior que no ano anterior, enquanto o da China foi 78% menor. Eles não geram empregos, nós geramos. Vamos tentar expandir esses números.
Qual é o potencial de cooperação bilateral entre o setor privado e as iniciativas governamentais em campos como tecnologia e infraestrutura?
Isso faz parte do fórum CEO. Recebemos a visita do chefe da Nasa, Bill Nelson, que se encontrou com Lula por uma hora e meia. Temos programas de satélite que serão usados na Amazônia e em outros biomas. A ministra [da Ciência, Tecnologia e Inovação] Luciana Santos nos acompanhou na visita à Embraer. Vamos trabalhar mais com eles. Bill Nelson ficou animado sobre o que podemos fazer juntos. Estamos reenergizando uma comissão bilateral entre o seu Ministério da Ciência e nossa National Science Foundation, que é incrível. Estamos discutindo o que podemos fazer juntos.
Uma última mensagem…
Sinto que estou no lugar certo no momento certo. Eu sabia o que estava assumindo: queria algo que fosse importante, que fizesse diferença, que fosse significativo e que crescesse. O Brasil tem tantos recursos naturais e tantas pessoas interessadas em trabalhar conosco… Precisamos aproveitar essa janela, e acho que estamos fazendo isso. A Iniciativa Global [parceria inédita entre EUA e Brasil para “estimular empregos de qualidade e proteger trabalhadores que atuam nas plataformas digitais”, lançada em 20 de setembro de 2023] é emblemática. Eu imagino aonde podemos chegar com nosso relacionamento. Já estamos fazendo muitas coisas, mas, sem dúvida, faremos muito mais.