Há 4 anos, na Olimpíada de Tóquio, vimos uma das maiores atletas da ginástica artística da atualidade, a americana Simone Biles, tomar a difícil decisão de não continuar na disputa porque queria um tempo só para ela, para cuidar de sua saúde mental.
De lá para cá muita coisa parece ter mudado. Temos testemunhado um grande número de profissionais do esporte – inclusive técnicos – vindo a público para falar de suas questões de saúde mental, que vão de depressões e ansiedades mais ou menos graves a síndromes do pânico.
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Agora, às vésperas do início de mais uma Olimpíada, a de Paris, no próximo dia 26, o Comitê Olímpico anunciou algumas semanas atrás que a vila olímpica vai incluir instalações para as famílias dos atletas. Em Tóquio, familiares, amigos e até patrocinadores estavam proibidos de entrar na vila. Sozinhos com seus demônios mentais, eles não podiam contar com as redes de apoio mais importantes que há no caso de algo não ir bem: a família e os amigos.
Ao contrário do que o próprio Comitê pregava, comprovou-se que, por exemplo, separar atletas mães de seus filhos (e eles delas) durante o período de competição não é a melhor solução para a saúde mental, assim como separar esses profissionais de seus pais, mães e parceiros/parceiras.
A questão da saúde mental entre atletas não é nenhuma novidade, mas, assim como boa parte de nós faz – inclusive no ambiente corporativo -, o problema sempre foi jogado (me desculpem o trocadilho) para debaixo do tapete. Existia – e ainda existe (porque a questão não foi sanada com essas novas decisões) – estigma em relação ao tema saúde mental.
Por que profissionais do esporte, que sofrem tremenda pressão por resultados de seus patrocinadores e deles mesmos, não se sentiriam iguais a um profissional qualquer que se dedicou a vida toda e hoje é pressionado pela empresa na qual trabalha a entregar metas muitas vezes difíceis de serem alcançadas? Por que eles não teriam burnout, ansiedades diversas e depressão, abusariam do álcool como os demais trabalhadores?
Observando desde outra perspectiva, assim como os esportistas só chegam a uma Olimpíada se conseguirem o índice para a sua prova, altas lideranças só alcançam a posição porque, digamos assim, também conseguiram demonstrar terem alcançado um índice profissional, de competência e de resultados. Por que elas, ao assumirem o novo cargo, não carregariam o fardo da expectativa da obrigação de serem bem-sucedidas, algo que já se mostrou ser extremamente debilitante tanto quanto é para os atletas olímpicos?
Por que estilos de treinamento opressivos, que procuram enquadrar o atleta em regras que muitas vezes se assemelham ao bullying moral e vão minando a saúde mental desses profissionais não são parecidos com os que encontramos em algumas organizações, com o mesmo impacto negativo sobre os colaboradores que ali trabalham?
Se é algo que a Olimpíada de Tóquio nos ensinou é os atletas precisam falar mais, dar mais voz ao sofrimento deles, buscar ajuda. Pois só assim as mudanças começam a acontecer, como já estamos vendo em Paris. Por que não deveríamos fazer o mesmo?
Escolhas do editor
Dr. Arthur Guerra é professor da Faculdade de Medicina da USP, da Faculdade de Medicina do ABC e cofundador da Caliandra Saúde Mental.
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