Não é preciso ser cientista nem médico para sentir os benefícios da corrida no corpo, na cabeça e na vida. Se você já corre, deve ter sentido uma sensação boa, de quase euforia, e ao mesmo tempo de relaxamento depois de um treino ou de uma prova. Já se sabe há um bom tempo que esse estado, conhecido como o “barato do corredor”, se deve em parte à explosão de endocanabinoides liberados durante o exercício. Endocanabioides são moléculas produzidas pelo corpo semelhantes aos canabinoides encontrados na maconha. Não por acaso nos sentimos felizes, relaxados.
Mas o que eu quero falar aqui é sobre os benefícios da corrida para a nossa saúde mental. A primeira delas é bem óbvia, mas muito importante especialmente em grandes centros urbanos, em que existe mais dificuldade de conhecermos pessoas e onde as taxas de solidão são altas: a sociabilidade. Quase sempre, vemos pessoas correndo em grupos, inclusive “batendo um papo” (se o treino for leve, lógico). O esporte possibilita estarmos em contato com desconhecidos que têm algo em comum conosco. Eles rapidamente se tornam companheiros de treino e até amigos.
A segunda diz respeito à construção de resiliência mental, algo que pode nos trazer boas repercussões no nosso dia a dia, especialmente para profissionais que passam longas horas fazendo trabalhos repetitivos, horas na frente de telas ou dedicam-se a funções que exigem foco por extensos períodos.
A corrida feita de forma consistente não só ajuda a termos menor resposta ao estresse (sinal de resiliência), mostrou um estudo, como contribui para que domemos os demônios que costumam povoar os nossos pensamentos quando estamos fazendo uma atividade monótona.
As passadas também nos ajudam a construir disciplina. Como especialista em saúde mental, posso dizer que poucas coisas são tão difíceis como construir e manter uma disciplina, porque esta não é uma competência inata, ou seja, não nascemos com ela.
Com os treinos regulares, vamos aprendendo que há dias melhores do que outros, que às vezes nosso desempenho pode ser frustrante, mas que, se queremos seguir em frente, temos de nos manter consistentes. Ninguém corre a sua primeira prova de 5 ou 10 k, ou a sua primeira maratona, sem ter se mantido disciplinado. Assim também é na vida.
Por fim, a corrida é uma ótima ferramenta para tratar problemas de saúde mental como depressão, dependências, TDAH, ansiedade, transtorno bipolar e até transtornos alimentares. Algo que vinha usando há mais de 20 anos com meus pacientes de forma empírica, e reunindo ótimos resultados, agora tem ganhado a comprovação da ciência. Nos últimos anos, cada vez mais estudos vêm comprovando isso: correr é um ótimo complemento para as terapias que buscam tratar essas condições, além de trazer a pessoas que convivem com esses transtornos e que muitas vezes são estigmatizadas algo essencial: autoestima e confiança.
E você? Que tal calçar um tênis e iniciar neste esporte?
Dr. Arthur Guerra é professor da Faculdade de Medicina da USP, da Faculdade de Medicina do ABC e cofundador da Caliandra Saúde Mental.
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