Há uns 15-20 anos, tive muitas experiências em minha clínica de figuras famosas que marcavam consultas e, por vezes, até pediam para que a minha secretária fosse embora antes de elas chegarem. Algumas nem marcavam a consulta pessoalmente. Era a assistente delas quem fazia o agendamento.
O que eu quero dizer com isso é que, mesmo em um passado recente, pessoas famosas buscavam esconder o seu problema de saúde mental como se isso, de alguma forma, lhes fosse arranhar a imagem, prejudicando contratos e publicidade.
Nos últimos anos, no entanto, personalidades do Brasil e estrangeiras têm vindo a público relatar suas questões com álcool, drogas, depressão, ansiedade, TDAH (transtorno de déficit de atenção e hiperatividade), entre outras. Em minha clínica, testemunho isso diariamente: personalidades do mundo do esporte, da política, da música já não buscam esconder-se quando me procuram.
Por mudarem de postura, elas têm contribuído enormemente para reduzir o estigma que ainda circula em torno dos transtornos mentais, nos mostrando que dá para ser feliz mesmo convivendo com algum problema de saúde mental. Mais do que isso, esses famosos nos ensinam que ninguém está livre de sofrer algum problema de saúde mental; nem eu, que escrevo esta coluna.
Sabemos que existem fatores que chamamos de protetores, ou seja, que são capazes de reduzir as chances de alguém ter uma condição mental, entre elas contar com uma rede de apoio, praticar atividade física e se alimentar e dormir bem.
Isso não significa, entretanto, que essas práticas de bem-estar sejam suficientes para livrar uma pessoa de sofrer algum problema de saúde mental, até porque, muitas vezes, o ambiente em que vivemos ou trabalhamos, ou o tipo de relações que estabelecemos e a maneira como lidamos com isso podem ser disparadores de algumas condições como ansiedade e depressão.
Famosos mostram que a vida real vai além das redes sociais. Ninguém é perfeito, e está tudo bem
Quando os influenciadores nos contam sobre sua luta para combater a depressão ou se livrar da dependência e que, por vezes, essa luta é difícil, mas de maneira nenhuma impossível, eles nos ajudam a entender que qualquer pessoa, a qualquer momento, pode se beneficiar de tratamentos e de estratégias de enfrentamento.
O impacto positivo dessas falas é especialmente importante entre os adolescentes, para quem os ídolos têm enorme importante nessa fase da vida. Quando os famosos falam de suas falhas, ajudam os jovens a se aproximarem da vida real, mostrando que o que vemos nas redes sociais é só um recorte e não a fotografia toda.
Mas vai um alerta: não basta só falar sobre saúde mental. Também é importante como essas histórias são contadas. Diariamente, vejo nas redes sociais pessoas com milhares de seguidores tentando passar a ideia que é fácil você autodiagnosticar uma questão de saúde mental somente respondendo a algumas perguntas ou fazendo um teste, ou tentando dar o “caminho das pedras” para alguém se curar.
Cuidado! Essas dicas têm um potencial enorme de criar mais problemas e danos do que ajudar porque partem de pessoas sem o devido preparo para lidar com esse assunto. E nós sabemos que tratamentos para questões de saúde mental são singulares, ou seja, as abordagens e remédios variam de pessoa a pessoa.
O que boa parte dos influenciadores têm feito de forma positiva, no entanto, é nos inspirar com suas histórias de superação e que dá, sim, para dar a volta por cima, qualquer que seja a condição de saúde mental.
Dr. Arthur Guerra é professor da Faculdade de Medicina da USP, da Faculdade de Medicina do ABC e cofundador da Caliandra Saúde Mental.
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