Jorge Paulo Lemann, um homem discreto

25 de outubro de 2014

O mundo dos bilionários abriga as pessoas mais discretas do planeta. Tirando uma exceção aqui e outra ali, aqueles com fortunas que ultrapassam os nove dígitos detestam aparecer. Isso geralmente aflora nas personalidades após a conquista do primeiro bilhão. A exposição pública de uma grande fortuna – especialmente num país como o Brasil – pode criar uma série de problemas, que vão desde atrair aproveitadores como ser alvo inclemente da Receita Federal.

O número 1 da lista de FORBES Brasil, o empresário Jorge Paulo Lemann, 74 anos, poderia ocupar tranquilamente o pódio desses endinheirados mais discretos. Ele raramente comparece a eventos públicos. Mudou-se para o exterior há 15 anos para garantir sua privacidade, especialmente quando sua riqueza passou a crescer exponencialmente e seus negócios ganharam o cenário internacional, com aquisições que levaram ícones do capitalismo americano como Budweiser, Burger King e Heinz. Lemann concede pouquíssimas entrevistas, embora mantenha relações amistosas com jornalistas (poucos).

Ele está no topo da lista de FORBES Brasil desde que ela foi criada, dois anos atrás. No primeiro ano, chegou a R$ 29,30 bilhões. No ano passado, sua riqueza foi avaliada em R$ 38,24 bilhões. Em 2014, com quase R$ 50 bilhões, ele tem todos os motivos e mais um pouco para se manter discreto. Mas, muitos anos atrás, quando era um dos sócios do grupo Garantia, já rico e reconhecido por sua capacidade no círculo empresarial, também fazia questão de ficar abaixo do radar. Em meados dos anos 1980, por exemplo, circulava pelo Rio de Janeiro num modesto Passat. Obsessão pelo anonimato? Sim. Mas não só isso. Lemann é, no fundo, uma pessoa de hábitos simples, que não se deslumbra facilmente com o que o dinheiro possa comprar.

Certa vez, voltando de uma viagem, entrou num posto de gasolina à beira da estrada. Quando parou em frente à bomba, com aquele Passat meia-boca, deu de cara com um assaltante no lugar do frentista. O bandido, ao olhar para o automóvel que o então banqueiro dirigia, balançou a cabeça e disse: “Meu amigo, vai embora que você é peixe pequeno”. Mais que depressa, Lemann se mandou. Até hoje, o assaltante não tem ideia do que fez e de como as aparências podem enganar profundamente.

JP, como é conhecido no mercado de capitais, construiu um império com base na meritocracia e contratando pessoas nas quais enxergasse semelhanças com seu estilo empresarial. Isso não quer dizer que todos executivos da Inbev tenham a personalidade parecida ou sejam clones comportamentais de seu chairman. Mas todos compartilham a mesma visão de negócios de Jorge Paulo Lemann. Basicamente, sua receita consiste em maximizar a geração de valor em cada um de seus negócios e reduzir todas as despesas inúteis.

Além disso, quem quiser ser contratado por Lemann precisa ter uma capacidade de trabalho desmedida. Seu círculo profissional não é para quem queira enriquecer em dez anos, comprar um barco e viajar pelo mundo. É para quem tem uma visão empreendedora e queira construir algo novo do zero. Isso vale para um reles estagiário até ao posto de CEO de suas empresas. Não é à toa que, pouco tempo atrás, ele ainda fazia questão de entrevistar vários dos candidatos a um estágio em suas empresas. Sua visão: ao controlar o sangue novo que entra em seu grupo, ele igualmente domina o caminho para o futuro e a sustentabilidade dos negócios.

Lemann é o tipo de pessoa que nunca teve muitos ídolos. Prático e direto, gosta de gente como ele. Ele admira, por exemplo, a figura da já falecida baronesa Margaret Thatcher, a quem conheceu no início dos anos 90, quando o então Banco Garantia realizou um seminário com a ex-primeira-ministra da Inglaterra em São Paulo. A firmeza e a simplicidade de Thatcher encantaram Lemann, o que serviu apenas para reforçar sua admiração pela chamada “Dama de Ferro”.

O Grupo AB Inbev, hoje, congrega mais de 200 marcas de cerveja e começou com a aquisição das Lojas Americanas. O impulso, porém, foi dado com a compra da Brahma, que deu início ao grupo cervejeiro Ambev, que controla marcas como a própria Brahma e as ex-concorrentes Antarctica e Skol. Somadas, as marcas de Lemann vendem, só no Brasil, 82,9 milhões de hectolitros de cerveja. No exterior, suas marcas mais conhecidas são Stella Artois e a Budweiser. As recentes aquisições, Burger King e Heinz, marcaram o início de uma leve diversificação de ativos.

Para Luiz Marcatti, sócio-diretor da consultoria Mesa Corporate Governance, as perspectivas em relação à Inbev são bastante promissoras. “A fabricante de bebidas controlada por Lemann e seus sócios é um modelo de sucesso. O grupo vem conseguindo lidar com o enorme porte que atingiu. Não perdeu agilidade ao ganhar tamanho.” Já o Burger King é, na visão de Marcatti, uma obra em progresso. “A empresa foi comprada há relativamente pouco tempo. A cultura empresarial concebida por Lemann para seus negócios segue sendo implantada ali. No Brasil, a Burger King precisa ter uma postura mais agressiva para que consiga competir com outras marcas e ganhe posições em seu mercado. Mas não tenho dúvidas, é uma questão de tempo para que isso ocorra.”

Impossível falar das empresas de Lemann sem lembrar de suas atividades como filantropo. A Endeavor, uma das entidades que mais apoiam o empreendedorismo no mundo, recebeu ajuda substancial do empresário anos atrás, quando se viu em apuros. Universidades do Brasil e dos Estados Unidos recebem doações do grupo AB Inbev há tempos. É possível, por exemplo, ver homenagens ao nome de Lemann nos campi de instituições de ensino de sangue azul, como Stanford e Harvard, em contrapartida a generosas contribuições.

Apesar da seriedade, Lemann é capaz de tiradas que misturam inteligência, senso de oportunidade e sarcasmo. Anos atrás, saindo de um aeroporto, ele e um casal se viram numa situação embaraçosa. O empresário e o homem abriram ao mesmo tempo a porta do último táxi na fila. Para piorar, chovia a cântaros. Depois de uma conversa rápida, Lemann propôs ao sujeito que dividissem o táxi, pois estavam indo na mesma direção e ele saltaria antes.

O homem, no banco de trás, começou a falar em inglês com a mulher, achincalhando Lemann, que estava quieto ao lado do motorista. O indivíduo, nervoso, dizia que aquela circunstância era um absurdo, que Lemann deveria ter deixado o táxi para o casal, além de outros impropérios. O futuro bilionário olhou para trás e avisou: “Eu sei falar inglês”. O outro passageiro imediatamente trocou de idioma e passou a florear o francês com sua acompanhante, retomando a ladainha. Finalmente, chegou a hora de Lemann desembarcar. Ele pagou a corrida e disse à pessoa do banco de trás: “Só para que fique registrado: seu francês é tão ruim quanto o seu inglês”.