De pai para filho: a trajetória bilionária da maior operadora logística do Brasil

17 de dezembro de 2015

Fernando Simões (Letícia Moreira)

São muitos os grupos empresariais brasileiros fundados, várias décadas atrás, por imigrantes que chegaram ao país em condição de pobreza. Todos labutavam dia e noite durante os primeiros anos da empresa, e não raro viviam de forma tão austera que prejudicavam a própria saúde; a prioridade, afinal, era investir no negócio, não em si mesmos. Seus descendentes geralmente herdaram o apego ao trabalho, e bem cedo em suas vidas, já davam expediente na companhia familiar. Triunfaram: hoje, os filhos e netos de tais pioneiros lideram as grandes corporações surgidas assim, e mantêm a ênfase no esforço pessoal como motor do êxito. Não se trata de um relato hipotético: este é um resumo exato, embora genérico, de como foi construída a maior companhia de logística do Brasil e de toda a América Latina — a JSL, anteriormente chamada Julio Simões Logística e, ainda antes, Transportadora Julio Simões.

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“Meu pai, nos primórdios do grupo, trabalhava de forma incansável e se alimentava pouco; por isso, contraiu tuberculose. Conseguiu se curar, casou-se, teve filhos, mas as privações que enfrentou deixaram marcas: veio uma segunda tuberculose.” É com essas palavras que Fernando Antonio Simões se lembra de Julio Simões, fundador da JSL. “Ele foi meu maior ídolo. Eu não comecei a trabalhar aqui, aos 14 anos, porque gostava da empresa. Eu comecei a trabalhar porque gostava do meu pai. Estar na empresa era uma maneira de estar perto dele. Só algum tempo depois é que a satisfação em fazer o que faço surgiu — e permanece até hoje.” Fernando preside o grupo. Ele é o caçula dos seis filhos biológicos de Julio. Tem 48 anos.

O pai desembarcou em Santos (SP) em 1952 vindo de uma pequena aldeia no centro-norte de Portugal, Ribeira de Alcalamouque, onde era agricultor. Sua intenção: ingressar na empresa de transporte coletivo que seu tio, Arthur, possuía no Brasil. Logo Julio Simões passou a trabalhar como mascate, vendendo roupas pelo interior de São Paulo e do Paraná e, aos poucos, foi comprando caminhões usados para a condução de cargas (no começo, principalmente hortifrutigranjeiros). Em 1956 abriu sua transportadora. Seu maior cliente então era Leon Feffer, proprietário da Suzano Papel e Celulose, que, por sinal, até hoje usa os serviços da JSL.

Durante a década de 1970, a companhia se voltou ao transporte de ferro e aço — hoje, a mineradora Vale é seu maior cliente individual. Por essa época Simões iniciou o preparo dos filhos para que o sucedessem. Em 1981, Fernando começou a trabalhar no grupo. Passou por diversos setores da empresa e, em 1986, tornou-se diretor operacional. Dois anos depois assumiu a área comercial, que na época abrigava cerca de 300 funcionários, 120 caminhões e 16 filiais. No início da década de 1990 já dividia com o pai a gestão da companhia e conduzia uma intensa diversificação de suas atividades. Em 2009 tornou-se presidente e, em 2010, Fernando liderou a abertura de capital e a mudança da marca para JSL S.A. Em 2012 Julio Simões faleceu em Mogi das Cruzes (SP), onde residia, aos 84 anos. Motivo: complicações cardiorrespiratórias. Até o fim, as sequelas deixadas pela vida dura que levou se fizeram presentes.

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Seu filho atualmente comanda uma companhia bem diferente da que ele fundou. “Temos grande orgulho em fazer transporte de cargas, surgimos atuando nisso, mas essa é uma atividade hoje minoritária de nosso portfólio. Corresponde a 8% da receita”, diz Fernando. E qual o principal negócio da JSL, então? “Serviços dedicados. Cerca de 80% de nosso faturamento vem deles.” Trata-se, explica, de operações customizadas segundo as necessidades de cada empresa e que raramente envolvem longas distâncias a serem percorridas. A companhia, por exemplo, é responsável por levar autopeças e matérias-primas para várias das maiores montadoras instaladas no Brasil. Também cuida de tudo que se refira à movimentação extramuros das fábricas de seus clientes. Transporta trabalhadores para canteiros de obras, e até mesmo conduz médicos e enfermeiras à casa de pacientes. Ações assim, muito mais complexas do que carregar volumes de um ponto A para um ponto B, são hoje o principal pilar da corporação.

Mas há mais. Adquirida no final de 2013 por R$ 65 milhões, a Movida Rent a Car, que faz locação de veículos, parece ser a atual menina dos olhos do CEO da JSL. “Quando a compramos, a Movida tinha 26 lojas e 2.350 veículos. Agora possui mais de 120 lojas e 28 mil automóveis. Colocamos ali a cultura JSL de servir, e o retorno foi extraordinário. Trata-se de uma unidade com enorme potencial de expansão”, diz ele. A Movida cresceu impressionantes 288% no primeiro semestre deste ano em relação ao mesmo período do ano passado. Fernando também ressalta que o grupo é o maior revendedor de caminhões da marca MAN no país e conta com um braço voltado à disputa de concessões públicas, a CS Brasil, dentre várias outras subsidiárias. A empresa atua em mais de 16 setores da economia e obteve, nos seis primeiros meses de 2015, um lucro líquido de R$ 37 milhões, o que representa uma alta de 10,8% na comparação anual, impulsionada por um maior faturamento e uma melhora em sua rentabilidade. “Prevemos que neste ano, mesmo com a crise, cresceremos entre 12 e 16%”, revela ele.

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Trata-se de um homem magro, bastante afável. O executivo recebeu FORBES Brasil no escritório que mantém na capital paulista, mas a sede da empresa fica em Mogi das Cruzes, onde a JSL surgiu. É católico: tem uma imagem de Nossa Senhora de Fátima em sua sala. Conta que seu maior prazer é estar junto da família e fala com carinho de sua mãe, Elvira Benedicta Simões. “Foi graças à harmonia que ela sempre manteve em nossa família que meu pai pôde se dedicar tanto aos negócios”, recordou-se. É também uma pessoa discreta, que prefere resguardar a vida pessoal.

A área de logística, nacional e internacional, é seu objeto de trabalho e estudo. “Já descobri coisas curiosas pesquisando”, diz ele. “Nos Estados Unidos existe uma grande transportadora, a Werner, cujo fundador abriu o negócio no mesmo ano em que meu pai criou sua empresa, e com um caminhão só um ano mais velho que nosso primeiro veículo! E eles também atuam hoje principalmente com serviços dedicados. Já
os visitei. Estou sempre atento à concorrência e, sobretudo, à satisfação dos usuários.” Por sinal, a carteira de clientes da empresa é fortemente pulverizada, uma tática de resistência a crises. “Hoje o setor automotivo não vai bem, mas o alimentício, por exemplo, vai. Atendemos ambos, a fraqueza de um é compensada pelo vigor de outro. No futuro essa correlação de forças pode ser inversa — e também estaremos preparados para isso.”

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Aliás, em se tratando de futuro, ele crava: “As empresas querem ficar cada vez mais leves, é o que percebo. Vejo companhias que nunca pensaram em ter uma frota terceirizada me chamarem para propor a venda de seus carros e caminhões. Depois, elas alugam esses mesmos veículos de nós. Com isso, ganham mais tempo para se dedicar ao centro de seu negócio, ao seu core business. A logística a gente faz”. A idade média dos caminhões da organização é de dois anos. Quando alguma unidade ultrapassa tal marca, é revendida para um caminhoneiro autônomo. A empresa é, enfim, um grande case de sucesso — embora Fernando não goste de tal palavra.

“Eu não acredito muito no conceito de sucesso. Quem se acha um empresário de sucesso corre o risco de acomodar-se, parar no tempo. Eu prefiro pensar em termos de momentos de felicidade”, explica ele. “Nós da JSL temos vivido vários desses momentos. Este ano será o primeiro em que enfrentaremos um perío­­do difícil na economia brasileira desde que abrimos o capital, em abril de 2010. Mas tudo bem, também somos capazes de prosperar em épocas difíceis.”

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Por sinal, questionado acerca do futuro do país, ele se mostra realista — porém, esperançoso: “O desempenho econômico de 2015 já está dado, não há muito o que fazer a respeito. Se as reformas necessárias forem levadas adiante pelo governo, por outro lado, podemos ter um 2016 melhor e um 2017 ainda melhor. Seguin­­do neste ritmo, talvez cheguemos a 2018 em outras condições, bastante favoráveis. Vamos ver”. E ele arremata: “Uma coisa
é a política, outra é a vida real do país. O Brasil tem uma capacidade extraordinária de se recuperar de baques por meio do trabalho. Eu apostaria fortemente nisso”. O legado de Julio Simões ainda ecoa em seus descendentes. Cada vez mais forte.