Como dois bilionários brasileiros alcançaram bons resultados na crise

9 de julho de 2016

Os bilionários Ernesto Zarzur, da Eztec, e Rubens Menin,da MRV (Letícia Moreira)

Uma delas celebrou 2015 como o melhor ano de sua história — algo que, por sinal, lhe acontece pelo
segundo ano consecutivo. A outra somou uma receita líquida de 590 milhões de reais até setembro último. Ambas são empresas com negócios no mesmo segmento: o solapado mercado imobiliário brasileiro. E não parecem mirar 2016 com esperança menor.

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MRV e Eztec driblaram números de um mercado em crise. O desempenho do conjunto da construção civil em 2015 foi catastrófico. O setor cortou 483 mil vagas no período (14,56% do efetivo no ano anterior), o que fez a quantidade total de trabalhadores dessa indústria recuar ao nível de maio de 2010 segundo o SindusCon (Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo). Lançamentos e vendas amargaram os menores patamares em mais de uma década. E nos últimos dois anos surgiu um novo problema: os distratos. Indivíduos que compraram imóveis ainda na planta, ao perceberem que, quando ficarem prontos, estes valerão menos do que custaram, estão indo à Justiça e exigindo que a operação seja desfeita. De cada 100 unidades vendidas na planta em 2015, 41 foram devolvidas. Ao longo do período registrou-se uma queda de mais de 8% no preço real de casas e apartamentos.

“Os lançamentos de novos imóveis caíram de 43 bilhões de reais em 2012 para 20,7 bilhões de reais em 2014”, afirma o vice-presidente executivo da Abrainc (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias), Renato Ventura. Os números de 2015 ainda não foram apurados, mas devem ser ainda piores. A Abecip (Associação das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança) apontou retração de 33% no volume de crédito imobiliário com recursos da poupança no ano passado.

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Estas duas empresas, no entanto, guardam três segredos que as mantêm bem em tempos nos quais quase todos vão mal. Manter-se distante de escândalos (a Operação Lava Jato afetou duramente a maior parte dos gigantes da construção civil nacional no último ano e meio) e gerir de forma austera o próprio caixa, sem recorrer a dívidas, são dois deles. O terceiro pode ser resumido em uma palavra: foco. Embora semelhantes em resultados e no modo de operação, essas empresas são radicalmente diferentes em relação ao seu público-alvo: a MRV faz imóveis para pessoas de baixa renda; a Eztec também ergue imóveis — mas para indivíduos de alta ou altíssima renda. “Veja, 2015 foi o melhor ano para nossa empresa; 2014, o segundo melhor”, afirma o chairman do grupo MRV, Rubens Menin. “E queremos que [2016] supere 2015.”

As contas dão razão para tal entusiasmo. A MRV teve vendas contratadas no quarto trimestre do ano passado 5,2% maiores do que no trimestre anterior. Em 2015, a companhia vendeu 35.800 unidades. A geração de caixa, que se mantém positiva nos últimos 14 trimestres, atingiu um recorde (258 milhões de reais) no terceiro trimestre do ano. “A MRV há 36 anos faz prédios populares. Neste momento, por exemplo, estamos erguendo 6.000 apartamentos em Piracicaba e Americana, cidades paulistas. Quando estiverem todos prontos, servirão de lar para cerca de 3% da população somada desses municípios.”
A Eztec, liderada por Ernesto Zarzur, até setembro de 2015 somou receita líquida de 590 milhões de reais, lucro bruto de 311 milhões de reais e líquido de 340 milhões de reais — superior por contar com o rendimento financeiro da empresa. Isso em um ano no qual muitas concorrentes amargaram ganhos mínimos, ou mesmo prejuízos. São da incorporadora as EZ Towers, duas gigantescas e sofisticadas torres localizadas em um dos bairros mais caros da cidade de São Paulo, o Morumbi. “Os rendimentos de 2015 gerarão dividendos para nossos acionistas. Temos caixa para tanto. Nossa gestão financeira é sólida e garante que isso se dará”, afirma Zarzur.

As EZ Towers, levantadas pela Eztec no Morumbi, na capital paulista (Getty Images)

Distância de escândalos

Falar em construção civil hoje no Brasil remete à Operação Lava Jato. Embora entre as maiores do ramo no Brasil, MRV e Eztec optaram por ser incorporadoras, e não empreiteiras. Uma empreiteira, por exemplo, pode ter entre suas atividades a construção de plataformas de petróleo. Uma incorporadora não; ela ergue casas e prédios residenciais ou comerciais. A Eztec, por exemplo, nem sequer se relaciona com governos. “Uma de minhas regras é jamais entrar em concorrências públicas. Respeito os colegas que pensam diferente, mas prefiro não colocar a Eztec nesse meio”, diz Zarzur. Com isso, automaticamente sua empresa está fora do radar quando o assunto é corrupção e preserva seu bom nome no mercado.

A MRV lida com verbas estatais, mas trata-se de dinheiro carimbado e severamente auditado. São recursos do programa Minha Casa Minha Vida, destinados a erguer imóveis para famílias pobres e de classe média-baixa. É um mercado de demanda certa. “Precisamos construir 35 milhões de moradias nos próximos 23 anos para sanar o déficit habitacional brasileiro”, afirma Menin. “São poucos os países com esse potencial. A China, certamente. Os EUA, talvez, por causa da imigração. A Índia. E pronto, acabou. E imóvel é um bem que só pode ser feito localmente; não há como importar um apartamento da Coreia do Sul.” A MRV, tal como a Eztec, não se aventura em qualquer campo afora a construção civil. O governo federal prevê destinar neste ano 6,9 bilhões de reais ao Minha Casa Minha Vida, que, por ser um programa social, continuará recebendo aportes apesar das dificuldades enfrentadas pela economia brasileira.

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Outro segredo da empresa de Menin e da de Zarzur é não lançar empreendimentos se, para tanto, tiverem de se descapitalizar. “Temos hoje perto de 400 milhões de reais em caixa. Isso nos permite jamais recorrer a bancos. Pelo contrário, muitas vezes nós é que financiamos os compradores de nossos imóveis”, diz Zarzur. Atualmente, acrescenta o empresário, a Eztec tem mais de 600 unidades vendidas por meio de financiamento da própria empresa. São 200 milhões de reais vindos de seu caixa para esse tipo de operação. “Eu me porto um pouco como um banquinho. Fujo feito louco dos juros cobrados pelas grandes instituições. Por isso minha companhia é tão sólida.”

A MRV de Menin deve muito pouco ao setor financeiro. “Hoje a empresa tem uma dívida líquida que está entre as menores de nosso setor. Nossa alavancagem é baixíssima”, diz. A robustez do caixa de MRV e Eztec e as conservadoras políticas de gestão de recursos que a produzem traz à mente uma frase de um nome emblemático do capitalismo brasileiro, o banqueiro Amador Aguiar, o homem que transformou o Bradesco em uma das maiores instituições do gênero do mundo. Para espanto de seus pares, mais de uma vez ele afirmou: “Nunca tomei empréstimo em banco. É um péssimo negócio”. Ernesto Zarzur é tão assertivo quanto Aguiar a respeito: “Banco é como hospital — se você entrar nele e não sair logo, vai acabar morrendo”, disse no início de 2012 em um discurso na Câmara de Comércio Brasil-Líbano.

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Já a estreita política de confiança entre empresa e comprador que caracteriza ambas faz lembrar outro ícone de nossa história econômica: Samuel Klein, o fundador da rede de varejo Casas Bahia. “O crédito é uma ciência humana, não exata. Não importa se o cliente é um faxineiro ou um pedreiro; se ele for bom pagador, a Casas Bahia dará crédito para que ele resgate a cidadania e realize seus sonhos”, afirmou Klein, morto em novembro de 2014. A proximidade que as organizações de Menin e Zarzur mantêm com aqueles que adquirem as unidades que erguem permite a ambos — empresas e compradores — passarem ao largo do clima de desconfiança e animosidade generalizadas causado pela crise econômica.

É assim, garantindo que haja lastro nos porões, que um navio se mantém estável na tormenta. “Essa indústria tem forte componente cíclico. As condições básicas para vendas — demografia e crédito — continuam presentes. O menor número de lançamentos hoje gerará uma demanda não atendida em um futuro próximo. Assim, chegará o momento em que essa situação será revertida. O que não se pode prever é exatamente quando isso ocorrerá, mas, de acordo com nossas projeções, será em algum ponto dos próximos meses”, afirma Ventura, da Abrainc.

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Um dos principais executivos da Eztec, o diretor financeiro e de relações com investidores, Emilio Fugazza, mostra-se realista acerca das perspectivas do setor. “O desempenho do ramo imobiliário brasileiro, como o de qualquer país desenvolvido ou em desenvolvimento, está conectado essencialmente a três fatores: confiança do consumidor, disponibilidade de crédito e transparência e segurança na regulação. Neste momento, infelizmente, não dispomos de nenhum deles.” Mas realismo não significa necessariamente pessimismo: Fugazza informa que, caso consiga reduzir seus estoques, a Eztec tem projetos em vista superiores aos de 2015.

O ponto central aqui é que uma empresa pode sim prosperar mesmo em meio a dificuldades generalizadas dentro da economia na qual está inserida. MRV e Eztec são bons exemplos disso. E bons exemplos, todos sabem, existem para serem seguidos.