Conheça os agentes que trabalham com startups

12 de agosto de 2017
Diego Nata e Ale Santos

Flávio Pripas, diretor do Cubo Coworking Itaú (Diego Nata e Ale Santos)

Há bem pouco tempo, o termo “startup” ultrapassou as fronteiras do nicho da tecnologia e chegou ao vocabulário público, principalmente após o surgimento e consolidação de aplicativos populares como Uber, Airbnb e iFood. Muita gente passou a associar a palavra às empresas de tecnologia que apresentam uma solução revolucionária para algum problema prático, instaladas em espaços pequenos e tocadas por meia dúzia de nerds recém-formados.

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Mas as startups não caminham sozinhas nesse processo. Elas funcionam dentro de um ecossistema que conta com a participação de vários outros agentes interessados em alavancar seu desenvolvimento e – por que não? – lucrar com ele.

O QUE É

O termo “startup” foi disseminado a partir do lançamento, em 2011, do livro Lean Startup (Startup Enxuta, em português), do americano Eric Ries. Pode-se afirmar, no entanto, que o movimento começou muito antes, com o surgimento de empresas como Microsoft, HP e Apple nos anos 1970. Até hoje não há consenso para a definição de startup, mas há similaridades na visão dos especialistas ouvidos por FORBES. É, basicamente, um modelo de negócio disruptivo, escalável, repetitivo, inserido em um contexto de incerteza, mas com possibilidade de obter elevado retorno financeiro. Além disso, a empresa precisa ter velocidade na execução do que está propondo. “É preciso resolver um problema real para o mundo real, e com escala”, afirma Flávio Pripas, diretor do Cubo Coworking Itaú, um edifício de 5 mil metros quadrados, em São Paulo, que hospeda dezenas de startups (escolhidas entre centenas) e que promove encontros regulares entre empreendedores.

A plataforma de comparação de preços Buscapé é considerada a primeira startup de sucesso no Brasil

Apesar de o negócio ter um arcabouço tecnológico (para ganhar escala, aquilo a que se propõe deve atingir um grande número de computadores e celulares), uma startup não se limita aos serviços de tecnologia. O fator disruptivo está, na verdade, relacionado ao modelo de negócios. “Hoje ninguém mais chama um táxi apontando o dedo para o carro”, diz Pripas, analisando a mudança no dia a dia de milhões de pessoas trazida pelo Uber.

Alan Leite, da aceleradora Startup Farm (Diego Nata e Ale Santos)

“Quando algo inovador é lançado, às vezes a legislação não está atualizada”, diz Alan Leite, da aceleradora Startup Farm. Para ele, o movimento de expansão das startups exige atenção e acompanhamento não apenas das grandes empresas, mas também do poder público em relação às regulamentações que se fizerem necessárias.

BOLHA

A estruturação atual das startups nasceu com o estouro da bolha financeira em torno das empresas tecnológicos no início do século 21. Nos anos 1990, a expectativa de retorno fácil e rápido das novas empresas ligadas à internet favoreceu grandes investimentos em infraestrutura para o desenvolvimento de negócios no mundo virtual. Com a crise das empresas tecnológicas, essa infraestrutura ficou ociosa até que a confiança no setor retornasse. Esse foi o momento da consolidação do Google e do surgimento do Facebook, que se transformaram em grandes empresas especialmente após seu IPO.

NO BRASIL

A chegada da internet ao Brasil, nos anos 1990, propiciou o desenvolvimento de empreendimentos digitais. A plataforma de comparação de preços Buscapé é considerada a primeira startup de sucesso no país. Já o primeiro unicórnio brasileiro – startup que atinge US$ 1 bilhão em valor de mercado – ainda está por nascer. O e-commerce de material esportivo Netshoes foi o que mais se aproximou, quando alcançou US$ 560 milhões no seu IPO na bolsa de valores de Nova York, em abril.

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Estima-se que haja no Brasil cerca de 10 mil startups, segundo dados da Associação Brasileira de Startups (ABS), entidade fundada em 2011. As 4 mil que fazem parte da ABS oferecem um panorama desse mercado no país: a maioria está localizada na Região Sudeste, com São Paulo concentrando 1.315 startups (31% do total); em seguida vêm Minas Gerais (9%), Rio de Janeiro (8%), Rio Grande do Sul (5%) e Paraná (5%).

O principal modelo de negócio, de acordo com a associação, é o B2B, termo em inglês para negócios cujos clientes são empresas (business to business), correspondendo a 21% do total. Em seguida vem o B2C (business to consumer, no qual os clientes são os consumidores finais), com 15%. Em terceiro lugar estão os serviços de assinatura (o consumidor paga uma taxa mensal para usufruir o serviço), com 11%.

O setor bancário e financeiro é onde há maior presença de startups promovendo inovações no Brasil – aqui elas são chamadas de fintechs. Também se destacam no país as de serviços – como entrega de refeição a domicílio e transporte individual de passageiros –, além de aplicativos ligados às áreas de educação e saúde.

O perfil dos fundadores difere um pouco daquela imagem de garotões de bermudas fanáticos por tecnologia, mencionado acima. Em geral, elas são criadas por pessoas entre 26 e 45 anos, que já estiveram em grandes empresas e que saíram para empreender após identificar uma demanda não atendida dentro da área em que atuavam.

O ECOSSISTEMA

Não há como falar de startups sem mencionar o ecossistema que gira ao seu redor. Sem a presença de outros agentes, dificilmente uma startup prospera. “Em algum momento de sua evolução, ela vai precisar se inserir nesse ambiente para buscar capital e auxílio na gestão”, afirma Amure Pinho, presidente da ABS. Para isso, existem as incubadoras e as aceleradoras. As primeiras fornecem estrutura para que pesquisadores acadêmicos possam desenvolver seus projetos, sem fixar prazos e metas para lançarem uma solução inovadora no mercado. As aceleradoras lançam um processo seletivo para escolher quais startups têm soluções capazes de criar valor a partir de uma demanda significativa. Após entrar em um programa de aceleração, elas devem desenvolver essa solução pesquisando seu futuro mercado, formulando o modelo de negócio, lançando essa solução no “mundo real” e apresentando os resultados aos investidores. Os programas de aceleração costumam durar de cinco semanas a seis meses.

Renato Wrobel

Amure Pinho, presidente da ABS (Renato Wrobel)

Os investidores são outros agentes vitais no processo, representados pelos fundos de venture capital e por investidores-anjos. Venture capital é o investimento de risco, muitas vezes administrado por um ex-empreendedor que ganhou notoriedade após sua startup decolar e apresentar grande retorno financeiro. Para participar de um fundo, os investidores costumam colocar, no mínimo, R$ 5 milhões. Com o fundo criado, o administrador faz aporte em algumas startups que, em troca, oferecem participação acionária ao fundo. Em média, de cada dez ou 15, apenas duas vão ter sucesso. Mesmo assim, os empreendimentos que geram valor pagam o fracasso das restantes, a ponto de o retorno girar em torno dos 20%. Em alguns fundos, como e.Bricks – pertencente à família Sirotsky, proprietária do grupo de comunicação RBS –, trabalha-se com a meta de 35% de retorno anual.

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Já o investidor-anjo é uma figura individual, uma espécie de mecenas, investindo nos empreendedores com recursos próprios, mas com valores menores – geralmente com aportes entre R$ 100 mil e R$ 700 mil. Em troca, também recebe participação da nova empresa. Como no caso do administrador do fundo de venture capital, o investidor-anjo pode ser um ex-empreendedor, mas também há forte presença de executivos de grandes companhias.

Outro agente importante é a grande empresa. “Elas podem fazer muito, mas não podem errar”, afirma Amure sobre as dificuldades do processo de inovação nas empresas de grande porte. Ao mesmo tempo, precisam estar atentas às rápidas mudanças no mercado e nos hábitos da sociedade. Por isso, nos últimos anos, elas têm se aproximado do universo das startups, de quem hoje são importantes parceiras e clientes.

EMPRESA X STARTUP

A aproximação das empresas com as startups se intensifica a cada dia. Na avaliação de Bruno Rondani, do movimento Open Startup, as grandes corporações podem exercer o papel dos fundos de venture capital no país, já que as condições macroeconômicas brasileiras, aliadas a um mercado de capitais ainda em desenvolvimento, dificultam a proliferação desse tipo de fundo.

Diego Nata e Ale Santos

Bruno Rondani, do movimento Open Startup (Diego Nata e Ale Santos)

Cada empresa adota estratégias diferentes de aproximação. O Itaú optou por lançar, junto com a Redpoint Eventures, o Cubo, que é “um centro de empreendedorismo com o intuito de conectar o ecossistema”, segundo Lineu Andrade, diretor de tecnologia do banco. O local não é destinado exclusivamente às fintechs – qualquer startup com uma proposta de solução inovadora pode se fixar no local, desde que passe por um rigoroso teste de seleção. O Bradesco optou pela criação do Inovabra, que funciona como programa de aceleração e fundo de venture capital. “O objetivo do Inovabra é entregar experiências mais inovadoras para nossos clientes”, afirma Roger Cerrati, gerente de pesquisa e inovação do banco. As startups participantes do programa do Bradesco também não precisam ser fintechs. Já a Bosch está mapeando startups que desenvolvam soluções ligadas a seu portfólio de produtos, especialmente no agronegócio, para apoiá-las em seu início, sem a prerrogativa de adquiri-las futuramente. Além disso, patrocina a aceleradora Weme, em Campinas (SP).

PROBLEMAS

“Há uma incompatibilidade de linguagem”, afirma Valter Pieracciane, dono de uma empresa de consultoria de inovação que leva seu nome, apontando a dificuldade de relacionamento entre empresas maiores e startups. Pieracciane aponta que as empresas não querem abrir seus dados para que as startups possam desenvolver soluções para elas; ao mesmo tempo, as startups têm dificuldade para administrar o empreendimento e para se comunicar com o mercado.

O consultor Valter Pieracciane: incompatibilidade de linguagem (Anna Carolina Negri)

As expectativas de uma em relação à outra também diferem, com as empresas achando que as startups vão resolver rapidamente seus problemas, ao passo que estas esperam que a grande empresa seja a solução de suas expectativas financeiras.

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São obstáculos temporários. As startups vieram para ficar e já são parte constitutiva do processo de inovação da economia global. Por isso, nas próximas edições, FORBES vai dedicar um espaço fixo para o tema, trazendo informações, novidades e curiosidades sobre as principais tendências do mercado de inovação.

GLOSSÁRIO

ACELERAÇÃO
Processo que aumenta a velocidade dos ciclos de desenvolvimento de produto de uma startup, especialmente a geração do modelo de negócio, desenvolvimento de clientes e produto mínimo viável (MVP)

DISRUPÇÃO
Inovação radical que transforma uma lógica de mercado, substituindo ou melhorando um modelo de produção ou serviço

INCUBAÇÃO
Tempo em que a startup permanece dentro de uma estrutura maior (acadêmica, privada ou governamental), da qual aproveita o espaço e auxílio na gestão, pesquisa e desenvolvimento de seu produto

PITCH
Explicação breve, objetiva e convincente sobre a natureza de um produto e de suas oportunidades de negócios

MODELO DE NEGÓCIO
O modo de funcionamento do negócio, mostrando o conjunto de relacionamentos entre fornecedores, clientes, funcionários, canais de distribuição, matériaprima, entre outras

VENTURE CAPITAL
Capital de risco ou capital empreendedor. Corresponde a uma injeção de dinheiro realizada por uma empresa de investimentos. Como contrapartida, elas recebem o direito a uma participação acionária na startup

MVP
Abreviação de “minimum viable product” (produto mínimo viável), que consiste em uma versão simplificada de um produto, capaz de ser testado/consumido de forma realista

ESCALÁVEL
Aquilo que pode ganhar escala, atingir um grande número de clientes ou de vendas em velocidade maior que o aumento da estrutura e dos recursos utilizados, ou seja, sem a necessidade de investimento para sustentar esse crescimento