Tratar bem funcionário melhora desempenho da empresa

2 de junho de 2018
Tim Pannell

Após receber feedback dos trabalhadores, Spencer Rascoff, da Zillow, ampliou os períodos sabáticos e as licenças por luto

Quase dois anos atrás, o CEO da Intel, Brian Krzanich, fez o tipo de manchete que nenhuma empresa quer: ao reestruturar a célebre fabricante de chips, ele estava eliminando 11% de sua força de trabalho, ou 12 mil empregos. Porém, de maneira muito mais discreta, Krzanich estava concentrado em algo aparentemente contraditório: dar início a um programa destinado a evitar a saída dos trabalhadores que a empresa desejava manter. A iniciativa de retenção foi lançada dentro de um projeto voltado à diversidade. Em 2015, Krzanich tinha prometido cerca de US$ 60 milhões por ano para reforçar a presença de grupos sub-representados na Intel, mas, naquele ano, a empresa não avançou: 548 afro-americanos, hispânicos e indígenas americanos foram contratados, enquanto 580 pessoas desses grupos saíram. Ed Zabasajja, engenheiro nascido em Uganda, formado pela Universidade de Auburn e responsável por supervisionar a análise interna de diversidade, estava ávido por obter dados para descobrir por que os funcionários saíam – antes de eles saírem.

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Assim nasceu o WarmLine (algo como “Linha Cordial”, em tradução livre), que, apesar do nome sentimentalista, foi procurado por mais de 10 mil trabalhadores. Mais do que uma mera operação de coleta de dados, o WarmLine logo evoluiu para uma maneira de tratar questões como a busca de colegas que pudessem fazer amizade com trabalhadores isolados, a mediação de discussões no nível gerencial, a organização de transferências e até o pedido de aumentos. O programa passou a atrair a empresa como um todo – metade dos usuários do WarmLine, aproximadamente, é constituída por homens brancos e asiáticos.

“Há um número restrito de pessoas capazes de trabalhar com muitas dessas tecnologias”, diz Krzanich. Em última análise, o produto dele depende de talentos. O mercado imobiliário online Zillow foi ainda mais longe para manter seus funcionários mais importantes. O CEO, Spencer Rascoff, vê a contratação e a retenção como as maiores prioridades da empresa e conta com uma nova equipe de “mobilidade interna” específica para as pessoas que apresentam o melhor desempenho. Quando uma dessas estrelas decidiu recentemente, durante um período sabático de seis semanas (sim, a Zillow oferece um sabático a cada seis anos), que precisava sair em busca de uma grande mudança, a Zillow manteve contato. Dentro de dois meses, o desertor estava de volta, agora num novo cargo. “Manter as pessoas motivadas e envolvidas por um longo período é muito mais econômico do que a rotatividade, do que queimar pessoas”, diz Rascoff.

O pensamento convencional diz que os funcionários estão com menos poder do que estiveram em décadas, levando-se em conta a parcela crescente dos empregos vulneráveis à automação ou à migração para o exterior e a presença de apenas 6,4% dos trabalhadores do setor privado dos Estados Unidos em sindicatos. O maior exemplo é a recuperação da Grande Recessão: enquanto os lucros das empresas batiam novos recordes, a mediana dos salários mal saiu do lugar até o ano passado. Essa angústia se reflete na lista The Just 100 – As 100 Empresas Cidadãs, primeiríssimo ranking baseado no que os norte-americanos esperam de uma boa cidadã corporativa. Cerca de 80% dos 72 mil norte-americanos sondados nos últimos três anos pela Just Capital dizem que as empresas não estão dividindo uma parte suficiente de seu sucesso com os empregados. Indagados sobre qual deveria ser a maior prioridade de uma empresa, 33% mencionaram trabalhadores ou empregos, em comparação com somente 6% que citaram acionistas ou a administração.

Em mercados de trabalho flexíveis, tratar melhor os trabalhadores gera retornos sistematicamente maiores

No entanto, o mercado de trabalho livre é uma faca de dois gumes. Como o desemprego já se aproxima de 4% e as recompensas tradicionais de uma longa permanência no emprego (pensões e proteção contra demissão) são apenas uma lembrança, os funcionários têm poucos motivos para serem fiéis. Prevê-se que a “taxa de abandono” referente a 2017 será a mais alta em mais de uma década, com 26% dos trabalhadores dando adeus voluntariamente. Assim, as empresas que estão se saindo bem na lista vêm tentando recuperar a fidelidade dos trabalhadores ao estilo do século 21: não com garantias de não demissão, mas com pagamento justo, bônus, opções de compra de ações e novos benefícios (por exemplo, licença familiar paga, períodos sabáticos e reembolso de crédito educativo), além de programas concebidos para atender à geração do milênio em sua demanda de equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, ambientes de trabalho inclusivos e crescimento profissional. A concorrência é o novo sindicato. “A transparência, combinada a um mercado de trabalho retraído, está atuando efetivamente em defesa das melhorias para o funcionário”, diz Andrew Chamberlain, economista-chefe da plataforma de pesquisa Glassdoor.

Não, nós não estamos tentando dourar a pílula. É muito mais provável que os novos benefícios sejam oferecidos de forma generosa a trabalhadores muito capacitados e em alta demanda, e ainda há uma quantidade excessiva de empregos e empregadores péssimos nos EUA. Mas há um aspecto desse fenômeno que pode surpreender alguns CEOs e investidores menos esclarecidos: no fim das contas, tratar bem os trabalhadores beneficia os acionistas, e não só em mercados de trabalho retraídos. As empresas da lista As 100 Empresas Cidadãs deram um retorno três pontos percentuais superior ao índice S&P 500 nos últimos cinco anos.

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Enfim, será que um desempenho ótimo permite que as empresas tratem melhor os trabalhadores ou será que o tratamento do trabalhador promove um desempenho ótimo? Embora as duas coisas aconteçam em certa medida, a última parece ser a dinâmica principal. Em 2012, Alex Edmans, que era professor de finanças na Wharton School da Universidade da Pensilvânia e hoje está na London Business School, analisou 27 anos de retorno, no mercado de ações, de empresas norte-americanas escolhidas como os melhores lugares para trabalhar. Elas apresentaram desempenho superior ao mercado em 2,3 a 3,8 pontos por ano durante todo o período, independentemente da situação econômica mais ampla. Mais recentemente, ele estudou a relação entre a satisfação dos funcionários e os retornos das ações em 14 países. Em mercados de trabalho rígidos, como o da Alemanha, onde os regulamentos ou os contratos com os sindicatos definem um piso de benefícios e limitam a flexibilidade da administração, gastar mais com os trabalhadores proporciona um retorno pequeno. Contudo, em mercados de trabalho flexíveis, como o dos EUA e o do Reino Unido, tratar melhor os trabalhadores gera retornos sistematicamente maiores.

Ethan Pines

Brian Krzanich, CEO da Intel: “[Os analistas] nunca me perguntaram: ‘Como você trata os empregados

As 100 Cidadãs entendem isso, mesmo que Wall Street não entenda. Os analistas de ações “olham para coisas como demissões e olham para o custo. Eles não pensam no moral dos funcionários no longo prazo”, diz Krzanich, da Intel, empresa que conquistou o primeiro lugar na lista. “Nunca me perguntaram: ‘Como você trata os empregados?’” Mark Costa, CEO da Eastman Chemical, que está na sétima posição na nossa lista em termos de tratamento de funcionários, concorda: “Os investidores só querem mais dólares. Acho que eles não passam muito tempo pensando nas consequências para o trabalhador”. Ironicamente, se fizessem isso, em muitos casos receberiam mais dólares.

A ideia de tratar bem os trabalhadores não é nova – é apenas instável. Em 1875, a American Express tornou-se o primeiro empregador privado a oferecer um plano de aposentadoria. No início dos anos 1900, quando a rotatividade de funcionários superava 100% ao ano, empresários visionários experimentavam novas maneiras de atrair e manter trabalhadores. Henry Ford lançou o pagamento de US$ 5 por dia; Milton Hershey e George Pullman construíram cidades e moradias para seus trabalhadores; uma empresa chamada Norton Grinding foi pioneira nas férias remuneradas. A Grande Depressão interrompeu temporariamente esse capitalismo voltado ao bem-estar social.

Mas aí o governo e os sindicatos entraram em cena. A Lei Nacional das Relações de Trabalho de 1935 garantia aos trabalhadores o direito de se organizarem e fazerem greve, e os sindicatos continuaram crescendo nas três décadas seguintes. As pensões privadas também continuaram a crescer nesse período – graças, em grande medida, aos novos sindicatos. O declínio dos sindicatos começou nos anos 1960, quando a Suprema Corte proferiu uma série de decisões pró-empregadores. Reformas no Conselho Nacional das Relações de Trabalho no governo Nixon e decisões da Suprema Corte e ações executivas contra os sindicatos nos anos Reagan enfraqueceram ainda mais o movimento sindical. Em 1983, 16,8% dos trabalhadores do setor privado eram sindicalizados, duas vezes e meia o índice atual.

Wall Street também desempenhou um papel nesse período, quando as compras alavancadas eram realizadas com base na busca de eficiência, mesmo que isso significasse tratar ativos da empresa como brinquedos e tratar trabalhadores como custos, e não como ativos. O livro Barbarians at the Gate (Bárbaros no Portão, sem tradução no Brasil) era um best-seller, o Predators’ Ball (Baile dos Predadores) era um grande evento e o emblemático filme Wall Street – Poder e Cobiça, de 1987, retratava os trabalhadores como peões nas mãos de executivos vestidos com ternos Armani.

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As empresas que estão no topo da nossa lista perceberam anos atrás que, se todo trabalhador é agora um agente livre, uma vantagem competitiva consiste em trazer e reter os melhores talentos.

Veja a Delta, que está na 60ª posição. Após escapar da falência em 2007, a companhia aérea começou a devolver a seus trabalhadores uma parte de seus lucros anuais – atualmente, pelo menos 10%. “Assumimos com as pessoas o compromisso de que, quando as coisas mudassem e melhorassem, elas veriam as primeiras recompensas dessas iniciativas”, diz o CEO da Delta, Ed Bastian. Além disso, ela deu a todos os trabalhadores – inclusive aos agentes de atendimento ao cliente, que têm de explicar atrasos nos voos a passageiros nervosos – envolvimento direto nos resultados. Nos últimos cinco anos, a Delta deu um retorno de quase US$ 5 bilhões aos funcionários – e de 170% a seus acionistas na última década, o dobro do índice S&P 500. Não coincidentemente, a força de trabalho dela é a menos sindicalizada entre todas as companhias aéreas tradicionais.

Se você quer saber como tratar um trabalhador em 2018, comece pelo topo. No caso, pela Nvidia, primeira colocada das 100 Cidadãs em tratamento do trabalhador. Ela compete com a Apple, o Google, o Facebook e demais gigantes do Vale do Silício pelas melhores cabeças da tecnologia. Isso significa que ela paga bem. Mas uma remuneração justa e competitiva – fator mais importante na lista 100 – é considerada praticamente um dado básico nas empresas mais bem colocadas. Quem é motivado só pelo salário tende a não permanecer, independentemente de qualquer outra coisa. Assim, para conseguir estrelas, a Nvidia trata essas pessoas como estrelas, com privilégios universais para os funcionários que nenhuma negociação de sindicato jamais conseguiu. As mães recentes têm 22 semanas de licença totalmente remunerada. A cada ano, são pagos US$ 6 mil de crédito educativo dos trabalhadores, até o máximo de US$ 30 mil. Recentemente, a Nvidia começou a oferecer o pagamento de fertilização in vitro, de adoção e, em breve, de congelamento de óvulos.

A empresa diz que, em virtude disso, a quantidade de funcionários que pedem demissão permanece em 5%, aproximadamente a metade do índice de empresas semelhantes. Em 2016, as ações dela foram as que apresentaram o melhor desempenho no S&P 500, dando um retorno de 224% a seus investidores. Em dezembro de 2017, a alta acumulava mais 75% – quatro vezes os ganhos do S&P.

Outro privilégio primordial para os funcionários: formação. A Accenture, sexta colocada, anunciou um plano de quatro anos e US$ 1,4 bilhão para dar um reforço aos funcionários atuais, enquanto a consultoria muda para serviços de nuvem e de segurança. Nesse mercado de trabalho, e considerando-se as rápidas mudanças na tecnologia, a simples contratação de novos especialistas com habilidades de ponta não é um enfoque viável para os empregadores. E o crescimento constante mobiliza o tipo de funcionário que vale a pena manter e promover.

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Enquanto isso, as empresas que estão em busca de atrair e manter trabalhadores mais jovens (ou seja, todas) entendem que a geração do milênio quer equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal maior do que os pais tiveram. Na Zillow (nº 51), Rascoff, de 42 anos, lidera pelo exemplo: quando não está viajando, procura estar em casa às 17h30 e deixa o telefone desligado até as 20h30 para passar um tempo com os três filhos, de 6, 9 e 12 anos de idade. Observe que essa explosão de benefícios familiares foi além das jovens empresas de tecnologia. Em 2016, a Johnson & Johnson (nº 35) aumentou os benefícios de fertilidade de US$ 25 mil para US$ 35 mil e começou a reembolsar os trabalhadores em até US$ 20 mil com relação a pagamentos de barriga de aluguel. “Nós também estamos competindo pelos talentos, ao trazermos pessoas da tecnologia e de outros setores”, diz Peter Fasolo, diretor de RH da J&J.

Jamel Toppin

Exemplo original de capitalismo voltado ao bem-estar social, a Hershey e sua CEO, Michele Buck, estão intensificando sua estratégia de competir por talentos

Outra tendência nova adotada pelos membros antigos e tradicionais da lista são os benefícios flexíveis. Na Procter & Gamble (nº 15), que emprega 95 mil pessoas no mundo todo, reserva-se para cada funcionário um valor equivalente a algo entre 1% e 2% de seu salário para um benefício de sua escolha – que pode ser qualquer coisa, desde seguro de invalidez até planejamento financeiro e férias prolongadas. Da mesma forma, a Hershey (nº 50), fundada há 123 anos, lançou um conjunto de políticas smart-flex para sua força de trabalho administrativa. Elas incluem uma série de opções de licença para pais e mães recentes (que podem pegar esse tempo em um único bloco ou de forma intermitente, conforme a necessidade) e oportunidades ampliadas de trabalhar em casa ou em horários flexíveis. Essa postura transcende o que pode ser padronizado ou colocado num manual do funcionário. Depois que o furacão Maria atingiu Porto Rico, em setembro, a Hershey gastou US$ 9 mil só para levar uma funcionária recém-contratada de lá até Nova York e acomodá-la num apartamento.

Em que medida o mundo mudou? A firma de private equity KKR, os “bárbaros” originais de Wall Street, está incrementando sua fórmula de aquisição de controle de empresas com vantagens para os trabalhadores braçais. Desde 2011, a KKR distribuiu mais de US$ 200 milhões em concessões de ações a 10 mil operários, em quatro transações industriais. “As empresas podem atingir resultados incríveis quando todos os funcionários têm a oportunidade de pensar, atuar e participar como donos da empresa”, diz Pete Stavros, líder da divisão industrial da KKR. Quando a KKR abriu o capital da fabricante de equipamentos industriais Gardner Denver, em maio, deu a 6 mil empregados US$ 100 milhões em concessões de ações – equivalente a 40% da remuneração anual de cada funcionário. As ações da empresa deram um salto de 50% desde a IPO, de modo que cada trabalhador detém agora ações que valem 60% de seu salário anual.

É claro que tratar bem os trabalhadores soa melhor como estratégia de lucro quando se está perto do pleno emprego. O que acontece na próxima recessão? Muitas empresas voltarão a seus hábitos antigos – e pagarão o preço disso no curto prazo. “As pessoas não se deixarão enganar por essa empresa, ela não será vista como autêntica”, diz o professor Edmans. “O motivo pelo qual você investe nos seus trabalhadores é o desejo de construir uma empresa na qual você acha que eles devem ser tratados de forma justa, e não em reação às condições do mercado.”

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Como mostra a lista As 100 Empresas Cidadãs, o público parece condicionado a recompensar quem age bem. E os mercados vão atrás. A Eastman Chemical proporciona um estudo de caso relacionado à crise financeira. Em vez de grandes demissões, a administração aceitou uma sugestão dos funcionários e reduziu em 5% o salário de todos. “Num contexto recessivo difícil, todo mundo estava fazendo cortes de custos expressivos. Nós fizemos um corte de salário, do conselho de administração aos funcionários de linha de frente, e continuamos a investir em inovação”, diz Costa, o CEO. Os salários integrais logo voltaram a vigorar, e as ações da Eastman dispararam, dando um retorno três vezes superior ao S&P 500 desde que o mercado chegou ao ponto mais baixo, em 2009.

“As empresas que não investem em gestão de talentos ficarão para trás”, prevê Rascoff, da Zillow. “Isso não é mero jargão de RH; trata-se de um trabalho essencial à missão.” Missão esta que define a nova realidade do trabalho.

Reportagem publicada na edição 58, lançada em abril de 2018