Quarta-feira é dia de degustação na sede da Jimmy John’s, e o fundador, Jimmy John Liautaud, é o degustador-chefe. Ele entra na cozinha de testes vestindo jeans e camisa para fora da calça, pronto para inspecionar a comida: dez tipos de sanduíches, seis tipos de frios, batatas fritas e biscoitos. O primeiro é o pão. Liautaud pressiona o nariz contra uma baguete de trigo e inala. Ela passa no teste do cheiro. Ele dá uma mordida, mastiga o pão até formar uma pasta e depois cospe no lixo. “Não quero todas essas calorias”, diz. “Olhe para mim – eu trabalho duro e já estou com 130 quilos.” A baguete também passa no teste de sabor, e Liautaud passa a um novo chocolate branco em lascas que talvez possa ser usado em seus biscoitos. O veredito? “Esse chocolate é uma droga.” E também o cospe.
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Liautaud, de 54 anos, abriu sua primeira lanchonete Jimmy John’s há 35. Hoje, a empresa fatura mais de US$ 2 bilhões em 2.802 estabelecimentos, mas não é mais ele quem dirige o espetáculo: a Jimmy John’s cresceu mais do que Jimmy John Liautaud. Agora, ele responde à Roark Capital, empresa de private equity sediada em Atlanta que comprou a maior parte da rede em 2016, em uma transação que a avaliou em, aproximadamente, US$ 3 bilhões. Liautaud detém 35% da empresa, segundo estimativas, e tem um patrimônio de US$ 1,7 bilhão graças a esse negócio e a outros investimentos, como terras agrícolas em Illinois e uma participação na fabricante de cigarros eletrônicos Juul.
O empreendedor costumava tomar todas as decisões, mas agora é responsável pelos alimentos e pela cultura. Manteve o título de presidente do conselho, mas admite que “a Roark pode optar por me ouvir ou por não me ouvir. Eles podem fazer o que quiserem”. Ao vender para o fundo, que também tem participação majoritária na Arby’s e na Buffalo Wild Wings, entre outras redes de restaurantes, ele entregou o poder a uma empresa que parece, em muitos aspectos, o seu oposto. “Eu ponho os meus sentimentos para fora”, diz ele, que, na transação, teve de assinar um acordo de confidencialidade, mas que está acostumado a falar o que pensa. Ele solta palavrões a torto e a direito e gosta de atribuir a si mesmo títulos inventados, como “Erudito dos Sanduíches”.
A Roark, por sua vez, recebeu esse nome em homenagem ao protagonista do livro “A Nascente”, de Ayn Rand, tipo de referência normalmente feita por pessoas que exigem ser levadas a sério. E, embora Liautaud goste dos holofotes, a empresa de private equity é notoriamente reservada, raramente falando com a mídia. Seu fundador, Neal Aronson, respondeu a uma pergunta por e-mail sobre sua experiência de trabalho com Liautaud. A resposta foi: “Divertido… empolgante”.
O tempo mostrará como Liautaud vai lidar com seu papel reduzido e se será capaz de atuar em harmonia com a conduta conservadora da Roark. Não há dúvida de que essa parceria será testada, especialmente levando-se em conta a personalidade confrontadora do fundador. As vendas na categoria mesmas lojas (“same-store sales”) da Jimmy John’s caíram nos últimos três anos, sinalizando a necessidade de mudanças. Por enquanto, Liautaud parece tranquilo. “Eu me sinto muito abençoado. Acho que não há palavras para descrever isso”, diz ele.
Liautaud enfrentou turbulências durante grande parte de sua vida. Quando criança, o dinheiro era escasso. A mãe, Gina, que emigrou da Lituânia aos 12 anos, era professora de ensino fundamental em Illinois. O pai, James, era um veterano do exército que virou empresário batalhador e pediu falência duas vezes, quando Liautaud tinha 8 e 12 anos de idade. “Eu me lembro de beber leite em pó. Leite em pó é uma droga”, diz ele quase gritando, como diz praticamente tudo.
“Meus primeiros anos de vida foram um fracasso total”, conta. “Eu me formei em penúltimo lugar na minha turma do ensino médio e era um menino gordo.” Na época em que Liautaud se formou, o pai tinha alcançado o sucesso com uma empresa de moldagem de plásticos. Deu ao filho um capital inicial de US$ 25 mil para abrir uma empresa, com a condição de se alistar no Exército se o negócio não decolasse dentro de um ano. De início, Liautaud pensou em uma barraca de cachorro-quente, mas o equipamento era caro demais, por isso optou por montar uma loja de sanduíches em uma garagem reformada. A primeira loja Jimmy John’s foi aberta em uma região de bares perto da Universidade Eastern Illinois em 1983, um dia depois do aniversário de 19 anos de Liautaud. Ele e o pai eram donos de 52% e 48%, respectivamente.
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Para aumentar sua base de clientes, Liautaud passou a ter como alvo os estudantes universitários e fazia as entregas pessoalmente nos dormitórios deles, cobrando uma taxa de US$ 0,25 por sanduíche. (Praticamente todas as lojas Jimmy John’s ainda fazem entregas, em geral por uma taxa fixa de US$ 2.) Ele trabalhava 18 horas por dia e aprendeu às pressas o básico de finanças. “Observei o que fazia o saldo bancário subir e o que o fazia cair”, diz ele. “Bem, quando eu preenchia os cheques da folha de pagamento, o saldo bancário caía.” Meses depois de sua grandiosa inauguração, ele começou a escalonar os horários de chegada dos funcionários em incrementos de 15 minutos, em vez de fazer com que todos chegassem ao mesmo tempo; assim, economizava alguns dólares a cada turno. Nos primeiros 12 meses, Liautaud faturou US$ 154 mil e apurou um lucro líquido de US$ 40 mil, que dividiu com o pai. Conseguiu cifras um pouco mais altas no ano seguinte, depois comprou a parte do pai pelo valor do empréstimo inicial de US$ 25 mil mais juros.
Liautaud abriu sua segunda loja, perto da Universidade Western Illinois, em 1986, e depois expandiu para Champaign, em Illinois, onde fica a sede da Jimmy John’s. Para criar burburinho, ele publicava anúncios com títulos como “FESTA” e, estranhamente, “SEM ESPINHAS”. Em 1994, as dez lojas de Liautaud estavam obtendo um lucro bruto anual de US$ 1 milhão, ele recorda, sobre receitas de aproximadamente US$ 4 milhões. A Jimmy John’s começou a vender franquias naquele ano, principalmente nos estados do interior, a fim de se expandir com rapidez ainda maior.
À medida que o negócio crescia, o cardápio continuava simples – o atual inclui seis carnes, três pães e queijo provolone –, o que diferenciava a Jimmy John’s da concorrência e reduzia os custos dos alimentos. Enquanto isso, Liautaud implementava sistemas que garantiam a uniformidade em todos os restaurantes. O layout das lojas foi rigorosamente padronizado, desde o tamanho dos refrigeradores até a localização das pias. “Os pilotos que usam listas de controle costumam viver mais do que os pilotos que não usam”, explica ele.
Em 2005, decidiu diversificar sua fortuna vendendo uma parte da empresa. “Eu sabia que, se pudesse ganhar US$ 2 milhões por ano, poderia viver minha vida toda, independentemente do que acontecesse com a Jimmy John’s”, diz ele. Ele escolheu a Weston Presidio, uma empresa de private equity de Boston, depois que um dos sócios dela foi visitá-lo em sua casa em Champaign. Sem advogados, eles elaboraram um contrato inicial e, em 2007, Liautaud vendeu 28% da empresa, auferindo US$ 130 milhões líquidos de impostos. Ele preencheu cheques de US$ 250 mil para seus três primeiros funcionários e investiu grande parte do dinheiro restante em títulos agrícolas e municipais, planejando viver dos juros.
Nos seis anos seguintes, os negócios prosperaram, mas, em certo momento, as coisas ficaram menos divertidas. Liautaud tinha dificuldades para acompanhar o crescimento de sua empresa. Em 2014, a Jimmy John’s passou de 2 mil estabelecimentos, e ele já não conseguia controlar tudo. “Eu sentia como se estivesse ficando sem combustível”, diz ele. “Aquilo estava ficando muito grande e complexo. No departamento de marketing, eu tinha um fundo de publicidade de US$ 100 milhões e me perguntava: ‘Como executar de maneira eficaz um fundo de publicidade desse tamanho?’” Liautaud designou como presidente James North, um antigo funcionário que ele tinha conhecido em uma viagem de caça no Alasca em 1998, o primeiro CEO da rede.
Por volta da mesma época, a Weston Presidio estava pretendendo se desfazer de sua participação na Jimmy John’s. Liautaud cogitou uma oferta pública, mas depois voltou atrás. “Desisti do IPO porque eu não queria ser uma empresa de capital aberto”, diz ele. “Eu simplesmente não conseguiria servir Wall Street.”
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Em vez disso, Liautaud buscou um investimento de outra empresa de private equity, o que não apenas permitiria que a Weston saísse, como também proporcionaria a ele um sócio experiente. Contratou um banqueiro de investimentos para atrair ofertas das principais empresas do tipo no mercado norte-americano, entre as quais a TPG, a KKR e a Roark Capital. Todas queriam entrar, conta Liautaud, mas Aronson, o fundador da Roark, destacou-se ao fazer perguntas sobre sua família, em vez de se concentrar apenas nos números. “Eu sabia que precisava de um irmão mais velho”, diz Liautaud.
Em meados de 2016, o empreendedor convidou seu novo amigo para passar uma noite em sua “casa de fazenda caindo aos pedaços”, a 30 quilômetros de Champaign. Enquanto comiam hambúrgueres com queijo e bebiam “uma garrafa incrível de Borgonha branco”, os dois e as respectivas esposas papearam sobre a vida, as crianças, os cachorros. “[Aronson] é uma alma grande, desajeitada, gentil e bonita.”
O pernoite foi compensador para os dois. Naquele mês de outubro, a Roark comprou a participação da Weston e viu seu investimento inicial ser multiplicado por 16, pelo que consta. Liautaud vendeu mais da metade de sua participação. Graças a um pool de opções, a transação transformou 14 funcionários da Jimmy John’s em milionários, inclusive a secretária de Liautaud.
A Roark Capital é sediada em um arranha-céu de 41 andares no centro de Atlanta, em frente ao hotel Four Seasons. Lá, Aronson administra um império que inclui não apenas Arby’s e Buffalo Wild Wings, mas também Carvel Ice Cream, Cinnabon, Carl’s Jr., Hardee’s, Jamba Juice e muito mais. A companhia tem mais de US$ 10 bilhões em ativos sob gestão.
A Jimmy John’s está entre os maiores investimentos da Roark e, provavelmente, exige uma atenção fora do comum. Os negócios têm estado difíceis, ultimamente; as vendas na categoria mesmas lojas vêm caindo a cada ano desde 2014, incluindo um declínio de 3% em 2017, segundo Liautaud. Uma das causas: antigamente, o serviço de entrega era uma exclusividade da Jimmy John’s. Hoje, serviços online de entrega como Seamless, Postmates e Grubhub permitem que os clientes recebam sanduíches de muitos dos concorrentes da Jimmy John’s. Além disso, o setor de sanduíches está ficando cada vez mais concentrado e competitivo, com redes como Subway (24.812 estabelecimentos nos EUA), Jersey Mike’s (1.482), Firehouse Subs (1.115) e outras.
“Nos últimos dois anos, acho que eles desaceleraram, enquanto essas dificuldades relacionadas à saturação continuaram a crescer”, comenta David Henkes, diretor sênior da Technomic, uma empresa de pesquisas em serviços de alimentação. Mesmo assim, ele espera que a equipe executiva da Roark inicie uma recuperação. Assim como ela fez com a Arby’s: desde que investiu na rede de sanduíches de rosbife em 2011, ela passou de um dos piores desempenhos do setor a um dos melhores, registrando sete anos seguidos de crescimento das vendas nas mesmas lojas.
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Já existem mudanças em andamento na Jimmy John’s. Em outubro de 2017, a Roark contratou o primeiro diretor de marketing da empresa, John Shea, ex-executivo da Gatorade. A Roark também está ajudando a empresa a usar dados para monitorar tudo, desde a satisfação do cliente até a popularidade dos itens do cardápio e o tráfego dentro dos restaurantes. É uma grande mudança. “Eu não sei nem como soletrar ‘dados’”, diz Liautaud.
Os franqueados, que são donos de 98% dos estabelecimentos Jimmy John’s, também estão otimistas. Cento e quarenta e oito novos restaurantes foram abertos no ano passado, principalmente por pessoas que já são franqueadas, e há outros 737 a caminho. Algo que ajuda é o fato de o custo de abrir um Jimmy John’s – entre US$ 300 mil e US$ 500 mil – ser muito menor do que o de muitos outros restaurantes de fast food, sobretudo os de redes de hambúrgueres, que podem custar três vezes mais. A experiência da Roark também é um argumento de venda. “O Jimmy se concentra apenas na arte do restaurante, que é a cultura e a marca”, diz Jeffrey Fort, dono de várias franquias no Meio Oeste. “A Roark traz a análise e os dados.”
As estradas estão escorregadias devido à chuva em Champaign, Illinois, e Liautaud está guiando sua McLaren de US$ 300 mil em alta velocidade. “Vou lhe dar uma pequena amostra do que estas máquinas são capazes de fazer”, diz. Ele pisa fundo, e o velocímetro salta para 222 quilômetros por hora.
A McLaren é o carro do dia de Liautaud. Ele alterna entre os 50 veículos de sua coleção, que começou a montar em 2005, pouco antes de a Weston comprar a participação. E continua a se dar esses luxos: em novembro de 2017, comprou uma Ferrari LaFerrari Aperta preta de US$ 2,2 milhões – modelo do qual só existem 209 exemplares. Liautaud estava na lista de espera há três anos. Ele guarda a Ferrari e o restante de sua coleção em um depósito na sede da Jimmy John’s. “Quando aparece um carro superraro, eu sempre tento comprar dois”, afirma ele.
No momento, essa é a vida de Liautaud. Acabou-se o estresse de administrar um fundo de publicidade de US$ 100 milhões e de esmiuçar dados dos consumidores. Quando não está na cozinha de testes ou voando para participar de inaugurações de lojas, ele pode estar em seu iate de 200 pés, o Rock.It, que recentemente navegou até Ibiza e Mônaco, ou em uma de suas várias casas. Em outubro, estava no Canadá, caçando veados com o lutador profissional Brock Lesnar, que é patrocinado pela Jimmy John’s. E, em dezembro, mandou uma mensagem de texto para a FORBES dizendo que estava voando para a Itália para um “tour de salame em busca do maior salame do mundo!”.
Resta saber se o estilo de vida a todo vapor de Liautaud o distrairá dos negócios, e o que acontecerá quando acabar a lua-de-mel entre ele e a Roark. Mas, pelo menos por enquanto, ele parece contente em ter um chefe. “Estou em uma posição incrível”, diz Liautaud. “Construí isto até não conseguir mais, e trouxe um parceiro que senti que poderia me ajudar. Essa é a história da Jimmy John’s, e aqui estou. Eu trouxe muita gente ao longo do caminho.”