Fabricante de drones fundada por ex-engenheiros do Google fatura milhões em contratos com governo dos EUA

5 de junho de 2020
GettyImages/ Kypros

Agências de segurança dos EUA fizeram diversos acordos com desenvolvedores e fabricantes de drones nos últimos anos

Com a agitação civil em erupção nos EUA, manifestantes que apoiam a comunidade negra estão sendo ameaçados com força militar. As ruas e os céus estão sendo inundados com oficiais de várias agências federais (Exército, FBI, ICE, CBP e DEA, para citar alguns) chamados para ajudar a “dominar” as vozes contrárias a Donald Trump.

Esses agentes vêm armados com tecnologias de vigilância de última geração, muitas delas conectadas a drones discretos que podem rastrear pessoas de forma autônoma. Esses dispositivos custaram ao governo dos EUA dezenas de milhões de dólares apenas no último ano, de acordo com uma análise da Forbes dos registros de contratos.

O “drone de selfies”

A Skydio, uma startup de drones financiada pelo jogador de basquete e investidor Kevin Durant, é talvez a mais recente adição surpreendente ao arsenal de vigilância aérea do governo. Fundada por dois ex-engenheiros de software do Google e ex-alunos do MIT, o CEO Adam Bry e o CTO Abraham Bachrach, a empresa ganhou notoriedade por oferecer um sistema aéreo não tripulado divertido, com inteligência artificial e com foco no consumidor.

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Alguns o apelidaram de “selfie drone” por causa de sua capacidade de rastrear e filmar autonomamente uma pessoa, além da facilidade de uso por meio de um smartphone iPhone ou Android. O primeiro drone da empresa, lançado em fevereiro de 2018, esgotou-se rapidamente após ótimas críticas, uma delas o classificando como “claramente o drone mais inteligente do planeta”. O Skydio 2, no valor de US$ 999, foi lançado em 2019, prometendo “voar sozinho enquanto acompanha de maneira inteligente o movimento de um alvo”. Esse alvo poderia ser uma pessoa “fazendo alguma atividade” ou um carro.

Contratos governamentais multimilionários

A empresa sediada no Vale do Silício é muito bem paga pelo sucesso, recebendo US$ 70 milhões em financiamento total até o momento, incluindo apoio financeiro de Durant, NVIDIA GPU Ventures e Andreessen Horowitz, de acordo com dados do serviço de rastreamento de investimentos Pitchbook, que avalia a empresa em mais de US$ 220 milhões .

Mas a Forbes descobriu que a empresa tem mudado silenciosamente seu trabalho e ajudado o governo norte-americano desde o ano passado. Em maio, o DEA (órgão encarregado da repressão e do controle de narcóticos) concedeu um contrato de US$ 190 mil à Skydio, e depois outra contribuição de US$ 16 mil em agosto de 2019. Nesse mesmo ano, a empresa também assinou um contrato de US$ 3 milhões com o Exército dos EUA e um acordo de US$ 1,5 milhão com a Força Aérea, à medida que aumenta os trabalhos para o governo. Esses prêmios foram construídos com o trabalho com os departamentos de polícia locais, sobre os quais a Skydio tem falado com mais clareza. Em dezembro, a fabricante anunciou que estava fornecendo drones ao Departamento de Polícia de Chula Vista, mas a agência de polícia disse aos repórteres locais que os drones estavam sendo usados apenas para situações de emergência. A Forbes também descobriu que o governo do estado de Ohio e o Departamento de Planejamento Regional do condado de Los Angeles eram clientes.

Um relatório da mídia local sobre o uso da tecnologia em Ohio sugeriu que o drone tinha recursos de detecção facial e é capaz de desviar dos objetos ao rastrear autonomamente uma pessoa. “Como você pode ver, ele continuará me seguindo. Se eu estou andando em uma ciclovia, e acho que ele também tentará me contornar aqui, se vir meu rosto”, disse David Gallagher, chefe de equipe do Centro de Sistemas Aéreos Não Tripulados de Ohio. Como um ex-funcionário explicou, isso não é reconhecimento facial, mas reconhecimento pessoal: a tecnologia da Skydio pode detectar pessoas em uma cena, o usuário escolhe quem rastrear.

Lobby com Washington

A mudança da empresa para a parceria com o governo também é evidente nos esforços da Skydio para conquistar as principais figuras do Capitoll Hill (sede do governo dos EUA, em Washington). A Forbes encontrou registros dos recentes esforços de lobby da Skydio, depois de entregar US$ 30 mil neste ano à empresa de lobby Brownstein Hyatt Farber Schreck. Em troca, a compnhia tem conversado com senadores e representantes, bem como com o Escritório Executivo do Presidente, sobre “questões não especificadas relacionadas à cadeia de suprimentos/segurança nacional”.

A tecnologia da Skydio agora pode ser usada em manifestantes, dada a base de clientes do governo. (Porém, não há evidências de que as agências tenham usado drones para lidar com as manifestações). Conforme revelado pelo Buzzfeed na segunda-feira (1), o DEA recebeu permissão para realizar a vigilância dos manifestantes e agora poderia aplicar essa tecnologia à espionagem de multidões nas cidades dos EUA. O presidente Trump já convocou a Força Aérea e ameaçou o destacamento das forças armadas dos EUA para reprimir os protestos.

Nem a Skydio nem o DEA haviam respondido aos pedidos de comentários no momento da publicação.

Os Estados Unidos amam drones

Não é como se a Skydio fosse a única fornecedora de drones do governo que pudesse ser usada para vigilância de manifestantes. Longe disso. Milhões foram gastos em uma mistura de avulsos e fornecedores conhecidos nos últimos 12 meses.

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Na semana passada, o CBP (órgão que controla as fronteiras dos EUA) foi flagrado pilotando um avião Predator sobre o local de protesto em Minneapolis, onde George Floyd foi morto depois que um policial se ajoelhou em seu pescoço. Um funcionário do CBP também tuitou que a agência estava usando drones para rastrear suspeitos que derrubaram policiais com um SUV em Buffalo. Somente no último ano, a agência de fronteiras gastou US$ 47 milhões em serviços da fabricante do Predator, a General Atomics, uma empresa construída por dois irmãos bilionários, conforme detalhado em um perfil da Forbes no início deste ano. A agência irmã, ICE, também gosta muito de drones: em junho do ano passado, fez uma compra de US$ 146.663 em drones da Darley, com sede em Illinois, que revende sistemas aéreos não tripulados de vários fabricantes, incluindo a famosa empresa chinesa DJI.

Enquanto isso, o FBI gastou US$ 76 mil em aeronaves não tripuladas em setembro de 2019 através da Autonodyne, uma empresa da Flórida que oferece operação automatizada de drones. Um pedido de US$ 113 mil em agosto de 2019 feito à fornecedora de tecnologia de consumo Adorama, sediada em Nova York, mostrou que a Unidade de Dispositivos Explosivos Contra-Improvisados ​​do FBI comprou um drone “compatível com todas as condições climáticas” e que poderia transmitir eventos ao vivo. A agência também está atualizando sua frota de drones da Riegl, que usa scanners a laser para adquirir dados em áreas “perigosas” e “de difícil acesso”. A agência se recusou a comentar se estava realizando vigilância aérea sobre locais de protesto, embora aeronaves que já haviam sido ligadas à agência tenham sido vistas nos céus de Washington D.C.

A U.S. Marshalls, outra agência do Departamento de Justiça que foi solicitada a ajudar a conter os protestos, gastou US$ 52 mil em julho de 2019 em aeronaves não tripuladas de uma empresa pouco conhecida, chamada Physical Sciences. Ela fornece drones pequenos e de baixo custo, que se parecem mais com Veículos Aéreos Não-Tripulados (VANTs) de consumo e geralmente são usados ​​para captura de imagens de alto nível e “rastreamento de alvos não cooperativos”. A ICE também é cliente da Physical Sciences, tendo realizado um pedido de US$ 43 mil em maio do ano passado.

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Diversos métodos de vigilância

No total, as agências que Trump pediu para monitorar os manifestantes têm ferramentas extraordinárias de espionagem além dessas máquinas voadoras. A Forbes já havia detalhado os milhões de dólares que a ICE e a CBP gastaram na tecnologia de hackers de smartphones de empresas como Grayshift e Cellebrite. As agências federais também mostraram poder de convencer empresas como o Google a fornecer informações sobre smartphones usando os serviços da gigante de tecnologia em uma zona protegida. E eles forçaram repetidamente os suspeitos a desbloquear seus telefones com rostos e impressões digitais por meio de tecnologia de reconhecimento como o Face ID da Apple. Se Trump cumprir sua promessa de usar o poder militar para combater protestos, espere que uma tecnologia de vigilância ainda mais poderosa esteja monitorando os americanos expressando seus direitos de primeira emenda.

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