Quando, em 2009, a Johnson & Johnson recebeu reclamações sobre um odor de mofo proveniente de comprimidos de Tylenol para dor de artrite, ela vasculhou toda a sua cadeia de suprimentos para encontrar a causa. A culpa era dos paletes de transporte.
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Os pacotes de comprimidos provavelmente tinham sido contaminados por quantidades mínimas de um fungicida usado para tratar as plataformas de madeira de 15 centímetros de altura nas quais eram transportados da fábrica para o armazém, e de lá para o varejista. Custo da produção perdida e da retirada de Tylenol e Motrin das prateleiras das lojas: US$ 900 milhões.
O modesto palete de transporte – ferramenta onipresente no comércio moderno – tem o hábito de causar problemas. A madeira abriga bactérias que podem estragar uma remessa inteira de produtos. Um palete se quebra e derruba no chão uma pilha de televisores. Em um incêndio, um amontoado de paletes de madeira vira combustível.
Jeffrey Owen acredita que a Lightning Technologies, com sede em Oxford, Michigan, tem a solução: um palete praticamente indestrutível, leve, higiênico, resistente ao fogo e com um chip de rastreamento embutido. O palete Lightning é feito de madeira, mas é envolvido por um revestimento polimérico que torna o material durável e fácil de higienizar. O chip registra, em tempo real, todos os aspectos de sua jornada: temperatura, umidade, acidentes e, claro, o paradeiro.
Os especialistas em logística estão dando pulos de alegria com esses paletes de alta tecnologia. “Hoje, não há como medir como o produto é manuseado ou como sua temperatura é controlada”, diz Bob Spence, vice-presidente da Del Monte Fresh Produce. “E Deus me livre se houver um recall.” Segundo ele, com um palete inteligente, “você tem a capacidade de rastrear esse produto rapidamente e determinar qual área o vendeu. Assim, talvez você não tenha que voltar e fazer recall de tudo.”
“Vamos iluminar o que antes era escuro”, diz Rex Lowe, cuja empresa, a Gard, de Irving, Texas, vende e aluga os paletes montados pela Lightning. “Eu posso iluminar totalmente uma batata desde que ela sai do chão até entrar na sua boca como batata frita.”
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Os paletes inteligentes podem dizer aos transportadores onde e quando estão ocorrendo danos em suas cargas, explica Laszlo Horvath, professor da Virginia Tech que estuda o design de paletes desde 1976. Um fabricante de TV, por exemplo, pode decidir redirecionar os caminhões que transportam eletrônicos frágeis para evitar uma ponte que causa vibração na carga.
POUCAS MUDANÇAS
O palete de transporte padrão não mudou muito desde que foi inventado, juntamente com a empilhadeira, há quase um século. Os paletes de plástico surgiram em 1965, mas não abocanharam uma fatia significativa do mercado porque, ao preço de US$ 70, custam três vezes mais do que os similares de madeira, além de não poderem ser consertados se quebrarem. Dois bilhões de paletes circulam nos EUA, muitos deles locados de empresas de pooling que operam de forma semelhante às locadoras de carros.
Owen, de 67 anos, entrou no ramo de paletes em 2003, depois de passar anos no setor automotivo. Nascido em Cynthiana, Kentucky, ele teria seguido seu pai no cultivo de tabaco se não fosse a advertência dos órgãos de saúde pública sobre os cigarros. Ele acabou em Detroit, representando diversos fornecedores e, por fim, tocando sua própria empresa de plásticos. Foi Lowe, veterano do ramo de paletes, que convenceu Owen a começar a fabricar versões de plástico. Em 2009, Owen vendeu sua empresa, a Palm Plastics, por US$ 35 milhões.
Na época, o próprio Owen já era especialista no assunto e foi contratado, em 2013, por uma empresa financeira para avaliar uma inovadora tecnologia de paletes da Oria International, um laboratório de pesquisa de Auburn Hills, Michigan. Os investidores deixaram passar a oportunidade, mas Owen ficou fascinado. Pagou US$ 1 milhão para licenciar as patentes da Oria. Então, passou quatro anos aperfeiçoando o revestimento de spray de poliureia (com a ajuda da BASF, gigante dos produtos químicos).
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Criar um palete mais durável e com tecnologia de rastreamento não é uma ideia nova. A proposta de venda da Lightning está reunindo um monte de inovações em uma só: um palete leve, sustentável, higiênico, antiderrapante e fácil de consertar. Em vez de chips de identificação passivos, ele usa os do tipo ativo, capazes de transmitir informações entre o palete e a nuvem em qualquer lugar e a qualquer momento.
FÁBRICA INOVADORA E LIMPA
O processo de fabricação da companhia é tão inovador quanto o próprio palete. No lugar da tradicional madeira sólida, ele usa compensado feito de árvores de rápido crescimento colhidas em plantações na Rússia e na América do Sul. (Não há fornecedores nos EUA, de acordo com Owen.)
Dentro da movimentada fábrica da empresa, 45 quilômetros ao norte de Detroit, máquinas de usinagem computadorizadas cortam aberturas para drenagem e empunhaduras, além de um pequeno compartimento para o dispositivo eletrônico de rastreamento. Duas plataformas usinadas a partir de diferentes tipos de compensado envolvem, como em um sanduíche, sarrafos espessos de madeira laminada, deixando aberturas para o acesso da empilhadeira. O conjunto percorre uma linha automatizada, rodopiando e virando de ponta-cabeça enquanto robôs de alta velocidade aplicam nele o spray.
É um processo surpreendentemente limpo. Do outro lado da rua fica um aterro sanitário, mas nenhuma partícula de lixo entra na fábrica. A serragem é sugada e vendida para ser transformada em pelotas de madeira. A sobra de spray é captada em tanques gigantes e reutilizada.
Mesmo antes de atingir a produção em massa, a Lightning Technologies tem pedidos de paletes que somam US$ 87 milhões, principalmente dos fornecedores dos supermercados Costco. Outros varejistas de renome estão fazendo fila para alugar paletes de Lowe, que afirma ser capaz de reduzir em US$ 1,50 os típicos US$ 5 a US$ 6 por viagem que os concorrentes cobram por paletes de madeira. Lowe diz que, para um varejista que usa 100 milhões de paletes por ano, isso representa uma economia de US$ 150 milhões.
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Tom Walker, cofundador do Costco que se aposentou do cargo de vice-presidente executivo em 2013, continua bastante interessado no design de paletes. “O custo tem importância vital para nós”, comenta ele. “Se pudermos poupar US$ 1 por palete, poderemos reduzir o custo da nossa água em US$ 0,02 ou US$ 0,03 por garrafa.”
O desafio agora é produzir paletes com rapidez suficiente. Owen arrecadou US$ 20 milhões até o momento, o que inclui um montante não revelado do próprio bolso, e espera aumentar a produção a partir do meio do ano. A maioria dos primeiros investidores é da Suécia, entre eles Lars Wrebo, ex-diretor de operações da Volvo Cars que hoje é presidente do conselho da Lightning, e a família Bergengren, que fez fortuna com carrinhos de mão.
Owen tem grandes ambições: dez fábricas em nível mundial dentro de cinco anos, com receitas de US$ 1 bilhão, no total.
Isso não é difícil, explica Lowe, que fornece paletes para os maiores nomes do varejo há 30 anos. “Tudo no mundo se movimenta em um palete. Não importa o que você comprou para a sua casa. Aquilo chegou lá em um palete.”