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Uma, por exemplo, talvez não tenha sido suficientemente repercutida e destacada pela mídia internacional. Em 2012, Roth já era um homem idoso, cansado, um ícone norte-americano que, em algumas semanas, anunciaria a decisão de parar de escrever por ser incapaz de reunir a “força física necessária para sustentar um ataque criativo”.
“Segundo o que dizem”, reportava o artigo que havia causado a ira de Roth em 2012, “o romance da sua chamada ‘trilogia americana’ se inspirava na vida do grande escritor e crítico do jornal ‘New York Times’ Anatole Broyard”. “A informação alegada não é de maneira nenhuma comprovada por fatos”, lamentava então Roth, explicando ter conhecido Broyard apenas depois de ter começado a escrever “A Mancha Humana”, no fim da década de 1990. Broyard – assim como Coleman Silk, protagonista do romance de Roth – era de origem negra, mas escolheu se passar por branco, como muitos no curso da história norte-americana, para não sofrer as consequências da segregação racial. Mas Roth explicou que, na verdade, inspirou-se na vida de um amigo, professor de Princeton por três décadas, Mel Turmin.
A defesa de Roth da verdadeira origem do material de seu livro faz soar um alarme em uma fase histórica na qual “fake news” se tornou a expressão do ano em 2017 do Collins Dictionary. Em tempos de bots que cultivam mentiras online para influenciar os resultados das eleições em países estrangeiros, a reivindicação de Philip Roth é mais do que um excesso de capricho de um autor indiferente às fofocas literárias: a sua lição é, em sentido mais amplo, advertir a não dar por óbvia a autoridade das fontes (aliás, ele mesmo não era suficientemente autoridade) e a buscar sempre a verdade “definitiva”, aquela que esclarece de uma vez por todas onde está o verdadeiro e onde está o falso.
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Mais do que isso, no caso de Roth poderíamos refletir sobre a própria natureza da Wikipedia: Luca Martinelli, um dos administradores da Wikimedia (órgão que administra a Wikipedia), dedicou ao assunto um longo aprofundamento que explica o escopo da enciclopédia online “não de ‘buscar a verdade’, mas de garantir a verificação do que está escrito” (e que, se o que é reportado pelas fontes oficiais não corresponde à verdade, não se trata de “um problema que a Wikipedia pode resolver”).
Por uma curiosa, mas eloquente, coincidência, quem pega em mãos “A Mancha Humana” hoje, dois dias depois do falecimento do maior escritor norte-americano do nosso tempo, encontra-se diante de uma frase que diz: “Há a verdade e depois há, ainda, outra verdade. Enquanto o mundo for cheio de pessoas que caminham convencidas de ter entendido tudo de si e do seu próximo, na realidade não há um limite a aquilo que não se conhece. As verdades são infinitas. Assim como as mentiras”.