É comum passar na frente da filial paulistana do restaurante cearense Coco Bambu, especializado em frutos do mar, e ouvir a frase: “Mas cadê a crise?”. A pergunta se justifica: como é que um dos maiores restaurantes da capital paulista, com quatro andares, pode estar sempre lotado e com espera de até duas horas nos fins de semana? Na unidade de Brasília, no Dia das Mães, as filas tiveram início às 9h30. Por esse motivo, a casa com 760 lugares instalada no Lago Sul encontra-se em reforma para comportar, em breve, 1,1 mil pessoas. Criado em Fortaleza (CE), em 2008, pelo casal Afranio Barreira e sua mulher, Daniela, “que não encontrava um bom restaurante de frutos do mar no maior estado produtor de camarão do país”, o Coco Bambu é um fenômeno com capital e processos 100% brasileiros, 16 casas em operação, unidades já programadas para inaugurar – como a de Miami em 2015 e três unidades no Rio de Janeiro até 2016 – e um sonho ambicioso: atingir um faturamento anual de US$ 500 milhões em 2020.
Para chegar lá, os planos incluem a abertura de quatro restaurantes por ano no país e uma unidade a cada 12 meses nos Estados Unidos. Nova York é o segundo destino, se a operação de Miami der certo. Nem o baixo crescimento do PIB, a inflação alta e as incertezas em relação ao futuro econômico do país devem tirar os pés do empresário do acelerador. “Tenho duas alternativas: agarro-me a todos esses índices, fico pessimista e não abro mais nada. Ou, continuo investindo e empreendendo como sempre fiz”, diz Afranio, de 57 anos.
Loucura? Não para o homem que ficou conhecido por “democratizar o consumo de camarão” no país e que agora é procurado por grupos como o Iguatemi. A família Jereissati conseguiu e a marca servirá como âncora de três de seus shoppings: Ribeirão Preto (acaba de inaugurar), Campinas e Market Place. “Só a unidade da JK, que recebe por volta de 45 mil pessoas por mês, utiliza 7 toneladas mensais de camarões. Nossos pratos são servidos sem mesquinharia”, garante Ronald Aguiar, sócio de várias unidades da rede.
Segundo Marcos Hirai, sócio-diretor da BG&H Retail e Real Estate, o Coco Bambu vive uma fase bastante frutífera. “É uma das redes que mais crescem no país e o casual dining [com cardápio e ambientação fixos, diferentemente dos restaurantes autorais] é o grande centro de avanço do food service no Brasil, mais até que o fast food. É por isso que estamos recebendo praticamente todas as grandes redes de casual dining do mundo”, explica o executivo que há mais de 20 anos atua no segmento de soluções imobiliárias para redes de franquias e varejo.
Se o Coco Bambu transformou-se em um incontestável fenômeno brasileiro desse tipo de negócio, isso se deve, em parte, ao gordo e crescente mercado de food service brasileiro (alimentação fora de casa), um negócio que movimentou R$ 262,4 bilhões no país em 2013. Segundo Sergio Molinari, sócio-diretor da área de food service da GS&MD – Gouvêa de Souza, a alimentação fora de casa cresceu uma média de 12% ao ano nos últimos oito anos, embalada por duas variáveis que têm atingido os países emergentes: urbanização e renda do trabalhador. “Enquanto houver crescimento de um dos dois, esse mercado continuará avançando.”
Mesmo em anos como este de economia retraída, o food service deve crescer 3% ante os 0,3% do PIB brasileiro. “De tudo que é gasto com alimentação hoje, a alimentação fora de casa já representa 32%. Antigamente, esse número era de 20%. Já nos Estados Unidos, onde se come muito fora de casa, a taxa é de 49%”, observa.
Mas e daqui para frente, tendo em vista que a urbanização já cresce a uma taxa mais lenta e que a renda média do brasileiro anda perdendo o fôlego? “O meu número mágico para os próximos anos é de crescimento de 6% a 7% por ano, o que é muito e torna esse negócio um ótimo negócio”, diz Molinari. Atualmente, cerca de 70 milhões de refeições por dia acontecem fora de casa – dessas, apenas 20% nos refeitórios das empresas.
Curiosamente, embora as grandes redes sejam as mais visíveis do público, 93% dos estabelecimentos que servem desde um café até uma refeição completa são independentes. Ou seja: geralmente são negócios familiares com apenas um endereço, modelo completamente diferente dos Estados Unidos, composto primordialmente por redes. E com a crise do subprime em 2008, essas redes passaram a olhar para mercados em crescimento e se depararam, à época, com um Brasil bombando, com o desembarque de 40 milhões de pessoas à classe C e 16 milhões de novos consumidores nas camadas A e B. “E todos eles ávidos por novidades, com desejo de consumir em estabelecimentos mais qualificados”, observa Molinari.
Isso explica o barulho em torno do Coco Bambu, que não serve pratos individuais – embora tenha 50 opções de entradas para consumo de uma ou mais pessoas. Pelo contrário, seu cardápio com mais de 150 pratos oferece opções para duas, três, quatro pessoas. Dessa forma, é possível comer camarão com fartura a partir de R$ 25 por pessoa, o que torna a casa atrativa para os emergentes. Mas não só. Para os paladares mais apurados e bolsos mais recheados, o cardápio traz opções mais sofisticadas como lagosta e champanhe. “O que eu quero é que todos saiam daqui com a sensação de terem feito um bom negócio”, explica Barreira.
Esse conceito levou o empreendedor cearense a receber convites para palestrar em setembro no MBA de business da Universidade de Colúmbia, e também em Harvard e no MIT. O que atraiu centros de ensino de tamanho renome? O fato de o casal ter aberto, em 1985, uma pastelaria de 20 metros quadrados e tê-la transformado em um complexo gastronômico de 10 mil metros quadrados na capital cearense, empreendimento que, anos mais tarde, levaria à ideia de criar o Coco Bambu. “Era para eu falar por uma hora sobre o meu case, mas acabou durando 3h30 de tantas perguntas que me fizeram”, conta o simpático Barreira.
Mas não foram só os cearenses que enxergaram o tamanho do apetite dos brasileiros. A rede Giraffas, nascida no Distrito Federal em 1981, transformou- se em um negócio musculoso com grandes chances de gerar uma receita de R$ 1 bilhão em um futuro próximo. Sua arma? A aposta em pratos com preços acessíveis e que saciem os olhos e a barriga. Esse é o caso do churrasco, um de seus best-sellers. Composto por arroz, feijão, farofa, salada, uma coxa de frango, uma linguiça e um bife de maminha, esse prato substancioso é um dos mais de 30 que transformaram os sanduíches em coadjuvantes do faturamento – apenas 20% das vendas do Giraffas vêm deles.
O Giraffas atrai muitas mulheres das classes B e C+. Seus pratos são fruto de uma parceria com o Marfrig (no uso da carne) e a BRF (frango). Em dezembro, a companhia atingirá 400 unidades em operação – cerca de 70% delas instaladas em shoppings e 11 delas nos Estados Unidos – e uma receita de R$ 790 milhões. Para 2015, o plano é abrir 45 portas do Giraffas e mais 20 do Tostex, marca de sanduíches tostados que foi adquirida e hoje tem seis unidades abertas. A receita no ano que vem deve chegar a R$ 900 milhões – sendo R$ 20 milhões de Tostex. “Nosso mercado se expande a cada ano. A estagnação é um problema bem longe de acontecer”, garante Alexandre Guerra, CEO do Giraffas.
Os casos do Coco Bambu e do Giraffas não são isolados. A maior Pizza Hut do mundo, seja em faturamento, valor e clientes recebidos, fica no Aeroporto Internacional de Cumbica, em Guarulhos (SP). “No McDonald’s, a unidade do Shopping Itaquera (SP) é a terceira maior receita do mundo. Já no Outback, nove dentre as dez unidades que mais faturam no mundo são brasileiras”, conta Molinari.
O Outback e suas famosas filas deve fechar o ano com 64 unidades no país. Em entrevista recente à FORBES Brasil, Salim Maroum, presidente da rede, confidenciou seu desejo de trazer outra marca de casual dining ao país, a chamada Carrabba’s Italian Grill, de Houston (Texas). Nada foi decidido ainda. Se vier, será mais uma marca a unir-se ao rol de grandes entrantes no país.
Como o Eataly, que depois de Roma, Gênova, Turim, Milão, Florença, Nova York, Tóquio, Dubai e Istambul, deve desembarcar no Brasil no primeiro bimestre de 2015, em uma parceria com o grupo brasileiro St Marche. A primeira unidade do complexo gastronômico italiano com mercado gourmet, livraria, pizzaria, salumeria, confeitaria, Nutella bar, cursos, dentre tantas outras opções, será aberta em São Paulo – mais especificamente na Avenida Juscelino Kubitschek em um espaço de 4 mil metros quadrados.
O grupo mantém, desde 2014, uma casa em Itu, com a bandeira “Maccaroneria di Gragnano” – mas o empreendimento paulistano será o primeiro a usar a marca “Eataly”. Em breve, o famoso chef inglês Jaime Oliver também deve inaugurar o Jamie’s Italian no bairro do Itaim, em São Paulo, dando sequência à invasão de marcas estrangeiras que não param de se instalar no país, como o Red Lobster, o P.F. Chang’s, o Olive Garden, a Cheesecake Factory (sem data definida), a Johnny Rockets e Vapiano. Isso sem falar nos negócios locais ou estrangeiros que já atuam há mais tempo por aqui como Applebee’s, Hooters, Subway, Bob’s, Burger King, IMC (International Meal Company, que é dona de marcas conhecidas como Viena e Frango Assado), Habib’s e Companhia Tradicional de Comércio (dona de bares como o Pirajá), dentre tantos outros nomes.
Depois de tanto vivenciar as filas do Outback e de experimentar a costelinha do Tony Roma’s – rede que nasceu em 1972 no norte de Miami e se define como a pioneira nas tradicionais baby back ribs –, os empresários e amigos Carlos Passos (da área de manutenção de aeronaves comerciais) e Carlos Miranda (com negócios de alimentação no ABC paulista) resolveram trazer ao Brasil a marca de casual dining hoje presente em 150 países.
A primeira unidade foi inaugurada em Moema (São Paulo), em 25 de janeiro. Outras duas serão abertas até meados de 2015 – uma em São Paulo e outra no Rio de Janeiro. Vale constar que a rede já esteve presente no país há 15 anos, pelas mãos de um grupo corea- no. A única operação aberta foi no Parque D. Pedro, em Campinas (SP), que operou por apenas um ano.
Já fora do país, o Tony Roma’s virou um endereço assíduo dos brasileiros. “Em Orlando, em época de férias, 55% dos clientes do restaurante da International Drive são brasileiros. No Chile, os clientes brasileiros passam de 50%. Em Las Vegas, a casa recordista em vendas da marca no mundo, há um percentual enorme de brasileiros e cardápio em português”, conta Passos. A meta da dupla é ter 30 lojas no Brasil em um prazo de dez anos. Para tanto, será necessário alocar R$ 100 milhões no projeto. Para isso, Passos encontra-se em conversações com investidores em potencial. O apetite dos brasileiros é um dos motores que prometem movimentar a economia em 2015.