Mobilidade. Esta é a tendência, aparentemente irresistível, do e-commerce no Brasil e no mundo. Comprar produtos e serviços na internet cada vez mais será algo feito com toques no visor de um smartphone, e não por meio do teclado de algum computador. Em resposta, o próprio comércio eletrônico mudará. Sites serão redesenhados para que tenham a melhor aparência possível em telas de 5, 6 ou 7 polegadas e não nas grandes telas de PCs e Macs. É claro, precisarão funcionar bem em ambas, mas a prioridade deixará de ser os desktops e passará a ser os celulares. Não haverá exclusão de meios, mas redirecionamento dos melhores esforços de programadores e estrategistas de vendas para estes últimos. Tal movimento, aliado a outros rumos inéditos que o comércio eletrônico vem tomando, transformará de forma radical o setor, ainda tão jovem.
“Mobile first” — é assim que um dos maiores especialistas em comércio eletrônico do Brasil, Gabriel Lima, define esse novo paradigma. Sócio e diretor do Enextgroup, que presta consultoria ao mercado digital brasileiro, ele crava: “Não haverá mais um negócio de e-commerce voltado primordialmente para computadores de mesa. Você vai pensar primeiro no dispositivo móvel e depois no desktop. Isso já é uma orientação forte no exterior e também no Brasil. Tudo migrará para os celulares”. Lima garante não recear ser enfático demais em suas palavras. “Veja: as
telas dos smartphones estão cada vez maiores; sua capacidade de processamento e memória, idem; seus preços vêm, aos poucos, diminuindo… Tudo configura um quadro de alteração estrutural na forma como as pessoas se relacionam com a web e, por extensão, com o comércio eletrônico. Trata-se de algo já em marcha, não um cenário para o futuro distante.”
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Com ele faz coro a executiva responsável por essa área no país de uma das principais empresas de tecnologia do mundo — Claudia Sciama, diretora de negócios para varejo do Google Brasil. “Hoje, um a cada dois brasileiros entre 16 e 34 anos tem um smartphone, e quase 15% das transações no e-commerce do país ocorrem via celular. Em 2019, esse número vai mais do que dobrar, atingindo a marca de 197 milhões de aparelhos. Isso mostra a grande oportunidade que esse mercado representa para o e-commerce”, diz ela. “Ainda no segundo semestre, vamos lançar os anúncios no Google Play. Isso será essencial para qualquer e-commerce, pois a grande maioria dos usuários descobre e instala aplicativos por meio dessas lojas.”
Nesse ponto surge a outra grande força que atravessa esse mercado: os APPs, como são conhecidos os aplicativos.
“As novas gerações usam muito menos os browsers, como Chrome ou Firefox, e muito mais as chamadas lojas de aplicativos, como Google Play ou Apple Store. Quanto mais jovem o consumidor, maior é a adoção de aplicativos”, afirma Lima, do Enextgroup. Mas qual o reflexo disso para as empresas? “Quanto mais alguém usar um APP, maior a quantidade e a qualidade das informações que você terá sobre esse indivíduo. Isso porque, a partir do momento em que um aplicativo é baixado em um celular, a empresa literalmente instala-se dentro do aparelho, com acesso a um oceano de dados sobre seu dono — em especial, sobre seus hábitos de consumo. Aliás, eis aí mais um fator que reforça a importância dos smartphones para o e-commerce de nossos dias”, responde ele.
E, a respeito disso, vale a pena conhecer a opinião de uma companhia que traz em seu nome a ideia de união do comércio eletrônico com o mobile, como é chamado o acesso móvel à internet. A Pontomobi foi criada em 2007 para oferecer soluções de SMS a empresas interessadas em interagir com seus clientes. Em pouco tempo viu a base de consumidores com um celular nas mãos crescer, enquanto o mercado apontava para novas oportunidades de uso desses dispositivos: acesso à internet, download de jogos e consumo de vídeos, por exemplo. Já atendeu a Smiles, que trabalha com programas de fidelização, e à fabricante de cosméticos L’Oréal Brasil. Seu CEO, Léo Xavier, pontua: “O mercado já não pergunta se deve fazer mobile, mas sim de que maneira. Entretanto, isso ocorre em níveis e ritmos diferentes. Para empresas que possuem uma área de mobile, realizamos análises das propriedades existentes e dos resultados obtidos, propondo melhorias. A ideia é também disseminar conhecimento sobre ferramentas móveis e suas aplicações em diferentes necessidades do negócio: marketing, recursos humanos, logística, trade etc.”.
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Muito bem. Mas quando falamos de e-commerce no Brasil, estamos falando de uma indústria de qual porte? Claudia, do Google, fornece dados: “O comércio eletrônico local responde por cerca de 4% do faturamento total do varejo. Mesmo assim, 25% do crescimento nas vendas em 2014 foram impulsionados pelo e-commerce. Espera-se que em 2015 o crescimento do varejo físico no país seja de 1,2%, enquanto o do e-commerce bata em 20%”. De onde vem tal previsão? “Somente 56% da população nacional está hoje on-line; existem 120 milhões de brasileiros conectados, contra apenas 45 milhões em 2010. Houve 61 milhões de compradores on-line por aqui em 2014. Ou seja, ainda há muitas pessoas no país que entrarão na internet nos próximos anos e, em algum momento, provavelmente também se tornarão usuárias do e-commerce”, responde ela.
É em tais números que a Print — uma fornecedora on-line de serviços gráficos criada há três anos em São Paulo pelo alemão Florian Hagenbuch e pelo húngaro Mate Pencz — se ancora. “A cultura local de e-commerce é peculiar”, conta Pencz, que, assim como Hagenbuch, entrou para a última lista 30 under 30 da edição americana de forbes que apresentou os nomes dos jovens mais promissores de todo o mundo com menos de 30 anos. “Pilares como valores, conveniência e canais de relacionamento são primordiais. O brasileiro coloca na balança o custo-benefício do quanto está pagando versus a comodidade que está usufruindo ao comprar on-line. Se for cobrado um valor acima do normal, mesmo que gere uma comodidade maior, isso não conquistará o cliente. Tem de haver um equilíbrio. Outro ponto que faz diferença para os brasileiros é o relacionamento e a quantidade de canais de comunicação que a empresa coloca à disposição do cliente. O calor no atendimento no Brasil é um contraponto à frieza americana, europeia e asiática”, finaliza ele.
Porém, um elemento que caracteriza hoje o Brasil é o fato de que nossa economia enfrenta dificuldades. Surge a pergunta: o comércio eletrônico nacional tem fôlego para atravessar 2015? “Sinto que o mercado digital local vem apresentando desempenho um pouco melhor que a média de outros setores, mas não dá para isolá-lo, sem considerar o panorama geral”, responde Marcelo Piccin, country manager da NetApp no Brasil, uma empresa de gerenciamento e armazenamento de dados. “Evidentemente, temos vários desafios. O mais importante, creio, é reconquistar a confiança do empresariado, que está abalada devido aos indicadores econômicos. Em relação ao mercado de trabalho, não percebo nenhum movimento em grande escala de admissões ou demissões no mundo da TI. Mas a NetApp do Brasil, por exemplo, está crescendo, e já fizemos algumas contratações este ano.”
Um indício de tal crescimento pode ser obtido nas palavras de Cristiano Nóbrega, CEO da Tail Target, que oferece soluções para marketing e lida com publicidade no e-commerce. “A respeito do investimento no comércio eletrônico, sobretudo em relação às despesas em marketing e publicidade, temos percebido a manutenção dos aportes em soluções que asseguram maior eficiência. Em tempos de escassez, alternativas que proporcionam melhor aproveitamento de cada real sempre despertam a atenção do profissional de comunicação, disposto a adotar medidas que o auxiliem a cumprir suas metas diante um budget mais restrito”, conta ele.
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Outra companhia que está se expandindo é a Locaweb, líder em hospedagem de sites no Brasil. Flávio Jansen, seu CEO, relata: “Nosso grupo tenciona se focar, nos próximos anos, em mercados nos quais já atua e consolidar iniciativas recentes. Nossas grandes apostas são serviços de internet, mobilidade e computação em nuvem. Nessas atividades estamos com soluções muito atrativas para o segmento de comércio eletrônico e para players de tecnologia”. E Jansen completa: “Aumentamos as funcionalidades de nossos itens voltadas para celulares e smartphones. A maior parte dos clientes da companhia atua em comércio eletrônico ou são prestadores de serviços de tecnologia. Nossa oferta nasce das necessidades de tais clientes”.
O vigor do e-commerce local pode ser expresso em números. O Brasil conta com mais de 450 mil estabelecimentos de vendas on-line, a grande maioria composta por empreendedores individuais ou pequenas e médias empresas, segundo dados da Invest Tech, gestora de investimentos que acompanha o comércio digital. Do total dos estabelecimentos virtuais no país, 66% estão no Sudeste, em função do maior acesso à tecnologia nessa região e maiores facilidades logísticas. No país, o e-commerce faturou R$ 36 bilhões em 2014, frente a R$ 19 bilhões em 2011. Estimativas projetam um crescimento de 20% em 2015, o que gerará um faturamento próximo a R$ 43 bilhões.
“De acordo com a E-bit, empresa que estuda o comportamento do mercado de e-commerce local, os investimentos na área aumentaram 127% nos últimos dez anos”, acrescenta Paulo Nico, gestor de portfólio da Invest Tech. “Já o número de e-consumidores saiu de um patamar de 23,4 milhões em 2010 para 61,3 milhões em 2014, e a quantidade de pedidos no e-commerce nacional saltou de 53,7 milhões em 2011 para 103,4 milhões em 2014.” Ainda segundo Nico, o aumento na competitividade entre empresas de e-commerce reflete diretamente nos produtos, com os preços do setor apresentando variação 9,1% inferior à variação dos preços médios do IPCA no período dez-13/dez-14. Por sinal, de acordo com levantamento efetuado pela Sieve Price Intelligence em parceria com a Keyscores e o E-Commerce Brasil, no último mês de maio o comércio eletrônico nacional chegou a remarcar seus preços cerca de 100 mil vezes — por dia.
Referências saudáveis assim trazem ao nosso comércio eletrônico boas perspectivas. Exemplo disso é a visão de Cristiano Mendes, diretor para o Desenvolvimento de Negócios para a América Latina da GoDaddy, uma registradora de domínios na web e hospedeira de sites: “Estamos muito otimistas em relação ao Brasil. Em momentos de crise, novos e atuais empreendedores irão buscar formas criativas de superar dificuldades.
A internet tem se mostrado um eficiente canal de ajuda nessa transformação. Ter uma presença on-line, via e-commerce, oferece ao pequeno empresário a possibilidade de explorar diversos nichos, expandindo os horizontes do negócio sem a necessidade de investimento na abertura de novas filiais”.
Mas tanta vitalidade significa, porventura, que uma velha profecia segundo a qual o e-commerce acabará com as lojas físicas irá se concretizar entre nós? Esqueça isso, rebate Gabriel Lima, do Enextgroup. “O varejo físico nunca vai deixar de existir. Nem lá fora, nem no Brasil. O que vai acontecer é uma interação cada vez maior entre as vendas virtuais e as presenciais. As lojas físicas vão se tornar centros de distribuição para as transações realizadas no e-commerce, por exemplo. Além de continuarem fazendo suas próprias vendas. Na verdade, em um bom modelo de negócios, ambos os canais se complementam. Há espaço para todos”, finaliza ele. Avançar incluindo, e não excluindo, é pelo visto a senha do e-commerce brasileiro. Daí, provavelmente, seu êxito.