Enriquecer para poder parar de trabalhar e dar a volta ao mundo é o sonho de muita gente. E poderia ser o passaporte para o embarque do curitibano (crescido em São Paulo) Guilherme Paulus rumo a uma nova vida, depois que ele vendeu, em 2009, o controle de sua empresa ao fundo americano Carlyle. O valor da transação foi de cerca de R$ 1 bilhão (US$ 420 milhões), o que o inseriu na lista dos bilionários de FORBES Brasil. Com uma fortuna hoje estimada em R$ 1,9 bilhão, ele poderia comprar o avião privado mais luxuoso do mundo ou simplesmente passar a voar apenas na primeira classe das rotas comerciais.
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Seria perfeito não fosse Paulus o homem que transformou a pequena e endividada CVC, de Santo André (SP), na maior operadora de viagens das Américas e na terceira maior do mundo, o que significa que mais do que um viajante nato, ele é um viajante calejado. De ônibus, de navio e de avião, ele conheceu cada canto do Brasil e incontáveis destinos no exterior. “Não dá para viajar e ficar meditando em Katmandu [capital do Nepal], né? Não tenho essa paciência. Sou doente pelo trabalho. Está no meu DNA. Não consigo ficar na cama nem no inverno. Gosto de acordar cedo, por volta das 6h30, para ver todos os hotéis, visitar obras, acompanhar a evolução, tomar decisões”, afirmou, em entrevista a FORBES Brasil, um Paulus mais enxuto e rejuvenescido que nos últimos tempos.
Na presidência do conselho de administração da CVC, companhia da qual ele ainda detém 25%, e único dono da GJP Hotels & Resorts (de Guilherme Jesus Paulus), o empresário de 66 anos tem um sonho: transformar-se no maior hoteleiro do Brasil. Isso significa, portanto, que a palavra aposentadoria não faz parte de seus planos. No seu vocabulário, o termo predileto é recomeço.
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“A minha vida de hoje continua com a mesma intensidade de trabalho e lutas que a do meu começo de CVC, aos 22 anos. Isso me dá prazer, me ativa. Semana passada, estava em Foz do Iguaçu, antes em Porto Alegre, depois Aracaju e por aí vai. Eu rodo bastante.”
Fundada em 2005, a GJP tornou-se sua grande aposta, até porque, mais cedo ou mais tarde, a participação que ele detém na CVC poderá ser vendida ao Carlyle. “É uma empresa de muitos resultados. Ao longo dos seus 43 anos, ela só teve resultado positivo. E eu acredito muito no turismo no Brasil. Dos 200 milhões de habitantes, a CVC transportou perto de 4 milhões de passageiros no ano passado — cerca de 60% para o exterior e os 40% para o mercado interno. Ainda há muito a ser feito”, diz.
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Com 934 lojas em operação, a empresa registrou um aumento de 14,3% no volume de passageiros no primeiro semestre de 2015. A meta é abrir 100 lojas neste ano. Para efeito de comparação, hoje, com o dólar supervalorizado, 65% das viagens vendidas pela CVC são internas e 35% externas.
Mesmo em tempos de crise, Paulus garante que o brasileiro não deixa de viajar. Ele pode mudar o destino, mas jamais cancela o passeio. E um dos impulsos vem da legislação brasileira, que torna o país o único do mundo a pagar o 14º salário para as férias. Ou seja, um incentivo para o funcionário viajar. “Ir para Bariloche com o dólar a R$ 3,50 assusta um pouco. E como turismo é moda, Gramado transformou-se no grande destino do momento. Gostaria de ter um hotel de borracha, já que todo mundo quer ir para lá em julho e agosto.” Vale lembrar que a GJP está indo para o seu quarto hotel na cidade gaúcha.
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O turismo brasileiro, observa, ainda tem muito a evoluir. Em cinco anos de governo Dilma, ele lembra que a pasta teve quatro ministros. Mas elogia o atual, Henrique Alves, que assumiu em abril e “é de uma dinâmica surpreendente”. O próprio Paulus já recebeu convite para assumir o ministério, mas não aceitou. “É muito complicado. É um cargo político que me obrigaria a me afastar de todas as empresas que possuo. Por menos que você queira, você acaba beneficiando sua cidade, seu grupo de amigos. Prefiro contribuir com o país gerando empregos e desenvolvendo o turismo.”
Enquanto o setor representa 9% do PIB mundial e movimenta 52 setores da economia, no Brasil ele responde por apenas 3,5% de todas as riquezas geradas pelo país. O número é baixo, mas apresenta bom potencial de crescimento. E é nessa expansão que a hotelaria tem chance de dar grandes saltos. Nem mesmo em tempos de Airbnb (viagens compartilhadas na internet), Paulus se mostra preocupado.
Pela primeira vez, suas iniciais marcam o nome do negócio voltado à hotelaria. “A responsabilidade de ter meu nome na empresa aumenta ainda mais. É um legado que vou deixar para o meu herdeiro e para as netas.” Sua aposta na área teve início em 1995, com a compra do hotel Serrano em Gramado (RS). A operação até então pertencente à CVC ficou de fora das negociações de venda da operadora para os americanos. O mesmo ocorreu com a aérea Webjet, mais tarde vendida para a Gol.
Pela lei brasileira, na aviação comercial só é permitido às companhias estrangeiras comprar 20% do negócio. “Trata-se de uma visão atrasada. Em telefonia, isso já foi liberado. Como a Carlyle não levou, porque só queria o controle, dei uma de menino birrento e não vendi os hotéis que tinha na época [em Gramado, Foz do Iguaçu e Porto de Galinhas]. Aí eu pensei: ficar com três hotéis ou com 30 dá no mesmo, então resolvi progredir”, revela.
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Foi assim que a GJP transformou-se na menina dos olhos do empresário, um negócio que, até o momento, já tem
R$ 500 milhões em ativos. Ao todo, a rede hoteleira administra 13 empreendimentos (seis deles próprios) localizados em Maceió (AL), Recife (PE), Porto de Galinhas (PE), Salvador (BA), Aracaju (SE), Foz do Iguaçu (PR), Gramado (RS), São Paulo (SP) e Rio de Janeiro (RJ). Outros empreendimentos encontram-se em obras e serão lançados em Minas Gerais (Belo Horizonte e Juiz de Fora), Pará (Belém e Paragominas), Distrito Federal (Brasília), Rio de Janeiro (capital) e Paraná (Londrina e Maringá).
Até 2016, a empresa que detém as bandeiras Wish (5 estrelas), Prodigy (4 estrelas) e Linx (3 estrelas) deverá ter sob sua gestão um total de 22 hotéis no país e um faturamento de R$ 250 milhões. No ano passado, a GJP gerou uma receita de R$ 150 milhões. A conta fechou no azul, até por causa do mix de hotéis: uns estão bem maturados e outros novos, dos mais diferentes modelos e margens. Desde o Saint Andrews, hotel com apenas 11 suítes membro do Relais & Châteaux (associação que reúne os melhores hotéis e restaurantes do mundo), até o Prodigy Hotel Santos Dumont Airport, que será inaugurado em setembro ao lado do aeroporto da capital fluminense, com 300 quartos e centro de convenções com capacidade para mil pessoas.
Dentre os hotéis próprios, Paulus destaca ainda o Sheraton da Bahia Hotel, um 5 estrelas localizado em Salvador. “Embora tenhamos a marca Wish para o alto padrão, lá optei por usar Sheraton e pagar royalties, já que a Bahia é o segundo maior destino brasileiro entre os estrangeiros e a bandeira Sheraton é muito conhecida. Bill Clinton e Elton John se hospedaram lá.”
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O empresário, vale lembrar, tinha um projeto de construção de 19 novos hotéis, padrão 3 estrelas, e aporte de R$ 1 bilhão. Por conta do cenário atual, porém, a ideia foi congelada. Os investidores que estão com ele no negócio preferem aguardar 2016, até por conta do valor dos imóveis. Essa mudança de rota não
o preocupa e seu sonho segue: ter hotéis em todo o país.
Quando esse dia chegar, a GJP poderá ser vendida, a exemplo do que aconteceu com a CVC? Paulus ri ao ouvir a pergunta — e diz que só não vende a mulher, o filho e as netas. Na sequência, explica que nunca planejou vender a CVC, mas abrir seu capital. “Cada hora surgia um problema, como a alta do dólar, por exemplo. Nesse ínterim, apareceu um e-mail da Carlyle interessada em comprar a empresa. Comentei com meu diretor financeiro, que falou se tratar do terceiro maior fundo de private equity do mundo”, lembra. As negociações duraram um ano e meio. Paulus garante ter fechado no valor desejado. A vida, afirma, não mudou após embolsar R$ 1 bilhão. “Dinheiro é bom e te dá conforto, mas não compra felicidade”, ensina o empresário, que é católico e tem Jesus no nome.