5 dicas de profissionais da área para quem quer seguir carreira nos estúdios de animação
Beatriz Calais
23 de junho de 2021
Alex Simões, de apenas 29 anos, é animador da Dreamworks
Em um cinema exclusivo no parque Universal Studios Hollywood, nos Estados Unidos, o brasileiro Alex Simões, de apenas 29 anos, assiste aos lançamentos de animação da Dreamworks com um brilho diferente no olhar. Afinal, algumas cenas ali foram produzidas por ele. No filme “O Poderoso Chefinho 2”, que será lançado no Brasil no dia 2 de julho, Simões é responsável por quatro minutos inteiros da obra, tempo suficiente para que, sentado na poltrona, o jovem relembre de cada esforço durante quase um ano e meio de produção enquanto saboreia um pacote de pipoca.
“É ainda mais especial quando assistimos o filme em uma sala de cinema convencional, com o público, e vemos as pessoas rindo do que nós fizemos”, conta ele. “Animação é uma das poucas partes do processo onde você tem poder de escolha. Se o personagem deu uma piscadinha para o lado, ninguém pediu para o animador colocar aquilo ali. Ele teve liberdade para criar.” Para o animador, ter autonomia para trabalhar em filmes com projeção internacional é mais do que um sonho realizado. O menino que amava “Toy Story” durante a infância não fazia ideia de que isso podia acontecer um dia. Mas isso não o impediu de sonhar.
Aos 16 anos, enquanto cursava o ensino médio, Simões conseguiu um emprego em um escritório de arquitetura que incluía o uso da tecnologia 3D para a visualização de prédios. Nesse meio tempo, conheceu o mundo da animação e começou a juntar dinheiro para um curso profissionalizante que era extremamente caro para sua realidade. Economizou durante cerca de quatro anos e, quando já estava cursando design industrial na Faculdade Oswaldo Cruz, em São Paulo, conseguiu finalmente pagar pelas aulas que tanto desejava.
“O curso era de um ano e três meses e todos os professores eram dos Estados Unidos. Só que eu nunca tinha feito um curso de inglês”, recorda, com humor. De certa forma, Simões aprendeu o segundo idioma na marra. Nesse período, já não estava mais no escritório de arquitetura. Tinha conseguido uma vaga como professor de computação gráfica no Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial). “Lá, eu tinha muitos benefícios, além do meu salário, que não era ruim. Mas, assim que terminei o curso de animação, larguei a carteira assinada para atuar como freelancer na área.”
Seus primeiros trabalhos foram simples e quase não davam conta de sustentar uma vida na capital paulista. O primeiro que pagou melhor, curiosamente, foi um filme russo com pouquíssima exposição internacional. “Foi o primeiro longa-metragem que eu fiz e me abriu portas para outros trabalhos”, conta. Em pouco tempo, Simões conseguiu uma vaga em uma empresa de desenvolvimento de jogos na Alemanha até que se deparou com uma oportunidade de ouro: com a ajuda de uma amiga que tinha conhecido no curso de animação, foi contratado para ajudar na produção da série “As Aventuras do Gato de Botas”, original da Netflix.
Em 2015, com as malas prontas, voou para Vancouver, no Canadá, onde sua vida como animador decolou. “Em 2017, enquanto trabalhava na série, fiz um curso de especialização com profissionais do estúdio Disney. Nesse processo, produzi uma peça de animação que me rende frutos até hoje. Muitas pessoas gostaram e compartilharam, o que enriqueceu meu portfólio”, conta.
Dois anos depois de ter pisado em solo canadense, Simões já estava nos Estados Unidos competindo por uma vaga nos maiores estúdios do mundo. A Sony Pictures Entertainment foi a primeira a reconhecer o seu talento, e o contratou para trabalhar em “Hotel Transilvânia 3”. Em pouco tempo, o brasileiro se tornou mais conhecido e conquistou uma posição de ainda mais destaque na Blue Sky Studio, onde produziu “Um Espião Animal”.
“Já que tinha me mudado para os EUA, candidatei-me à uma vaga na Dreamworks. Eles não me responderam e eu super entendi. Quando eles abrem vagas no site, recebem cerca de 1.000 e-mails por dia”, conta. Mas, para a surpresa do animador, após alguns meses, o estúdio entrou em contato para convidá-lo para uma entrevista. “Minha vaga na Blue Sky era temporária, um contrato de seis meses. Essa era permanente. Era uma oportunidade muito boa.”
Após cerca de três horas de entrevista com diversos profissionais diferentes, Simões conseguiu algo muito sonhado por diversos profissionais da sua área: uma vaga para trabalhar no filme “Abominável”. “É um time pequeno. Na Sony, eram cerca de 400 animadores no estúdio e mais de 100 focados em um único longa-metragem. Na Dreamworks, no total, somos 70 animadores. É realmente um processo muito difícil”, revela.
Isso acontece, em parte, por conta da tecnologia da Dreamworks, que utiliza um software proprietário desenvolvido por empresas como Intel e HP. Além disso, o tempo para produção do filme é maior do que nos outros estúdios. Enquanto a concorrência busca finalizar os longas em cerca de oito meses, lá as obras costumam consumir mais de um ano. Sendo assim, a competição é muito maior. Porém, uma vez na Dreamworks, os profissionais rapidamente escrevem sua história em Hollywood.
ANIMAÇÃO TAMBÉM TEM VEZ NO BRASIL
Embora a trajetória de Simões represente o sonho de muitos animadores brasileiros, o mercado nacional já não é o mesmo de anos atrás – e essa é uma notícia muito positiva. Segundo Cesar Coelho, animador e fundador da produtora Campo 4 e do Festival Anima Mundi, os últimos dez anos foram de avanço para o setor. “Até 2010, tínhamos três séries de animação brasileiras na televisão. Agora, temos 40. Até 2015, tínhamos produzido cerca de 30 longas-metragens animados em nossa história. De lá para cá, já fizemos mais de 30, com cerca de 20 em produção atualmente”, revela. “Já há estúdios que empregam dezenas de animadores.”
Para Coelho, o que falta por aqui é incentivo e investimento, já que talentos nacionais são exportados o tempo todo para o resto do mundo, como é o caso de Simões. “Brasileiros são muito bons nessa área. Temos capacidade de improvisar e, mais do que tudo, temos ritmo, mesmo quem não sabe dançar, como eu”, diz entre risadas. “Talento faz parte de nós. Não é à toa que exportamos tanto conhecimento.” Essa visão orgulhosa sobre os profissionais brasileiros não é nova na vida do empresário. Sua produtora, a Campo 4, foi fundada pensando exatamente no potencial do mercado nacional.
“Em 1990, vivíamos uma época muito ruim para a animação no Brasil. Não tinha nenhuma instância de apoio para o setor”, conta o executivo, que abandonou a faculdade de engenharia elétrica para se entregar à arte. “Juntei mais três amigos animadores e criei um festival, o Anima Mundi, onde profissionais trocam experiências. A iniciativa se transformou em um dos maiores festivais do mundo e, se existe um público, há um mercado”, destaca. Com essa percepção, fundou a produtora, que há três décadas atua no setor – foi, inclusive, responsável pela animação da cerimônia de encerramento das Olímpiadas no Brasil
“Hoje em dia, já podemos dizer que temos uma indústria nacional”, ressalta o animador. Segundo um estudo do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), o Brasil, em 2019, movimentou cerca de R$ 5 bilhões com a produção de animações para cinema, streaming e games. No mundo todo, esse número já beira os US$ 270 bilhões. “Quando eu larguei a engenharia, ouvi que iria morrer de fome. Imagino que, para quem quer viver de arte, isso seja frequente”, recorda. “Mas esse setor cresce cada vez mais. É uma grande oportunidade para esses artistas.”
Coelho ainda lembra que, anos atrás, Estados Unidos e Japão eram, basicamente, as únicas referências para animação no mundo. Hoje, o cenário não é mais esse. “Temos animações francesas, belgas, chinesas, brasileiras. Tudo isso é visível quando observamos as últimas premiações de cinema”, destaca. O Brasil, por exemplo, emplacou uma indicação ao Oscar para uma obra independente em 2016. “O Menino e o Mundo”, de Alê Abreu, não levou a estatueta, mas foi um grande exemplo da força do país. “Além disso, a Netflix já disse que, daqui uns dez anos, quer competir neste mercado com a Disney. Para os jovens animadores, eu digo: animem-se. Muita coisa boa vem aí.”
Seja atuando no exterior ou no Brasil, existem oportunidades para brasileiros que querem seguir essa carreira. Confira, na galeria abaixo, 5 dicas de Alex Simões e Cesar Coelho para quem quer abraçar a profissão: