Cientistas dizem que o Big Bang não foi o início de tudo

1 de outubro de 2017

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Estudos mostram que toda a energia presente no universo poderia estar ligada à própria estrutura do espaço (iStock)

O universo começou com uma explosão. Pelo menos, essa é a teoria mais disseminada: o universo e tudo que faz parte dele passou a existir no momento do Big Bang. Espaço, tempo, toda a matéria e energia começaram a partir de um único ponto, expandiram e resfriaram, dando origem a bilhões de anos de átomos, estrelas, galáxias e aglomerados de galáxias espalhados nos bilhões de anos luz que formaram nosso universo. É um panorama atraente, que explica muito do que vemos, da atual estrutura em grande escala dos dois trilhões de galáxias do universo ao resplendor de radiação que permeia toda a existência. Infelizmente, isso também está errado e os cientistas sabem disso há quase 40 anos.

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A ideia do Big Bang apareceu, primeiramente, nos anos 1920 e 1930. Quando nós observamos galáxias distantes, descobrimos algo peculiar: quanto mais distantes elas estavam, mais rapidamente pareciam estar se afastando de nós. De acordo com as previsões da teoria geral da relatividade de Einstein, um universo estático seria gravitacionalmente instável, tudo precisaria estar se afastando ou indo em direção a um colapso se a estrutura do espaço seguisse suas leis. A observação desse aparente recuo ensinou que o universo está expandindo, hoje, e se as coisas estão se afastando conforme o tempo passa, significa que estavam próximas em um passado distante.

Um universo em expansão não significa apenas que as coisas se afastam conforme o tempo passa, mas também que a luz existente se espalha em comprimentos de onda conforme avançamos cronologicamente. Como o comprimento de onda determina a energia (quanto mais curta, mais energética), o universo resfria conforme nós envelhecemos e, consequentemente, as coisas eram mais quentes no passado. Amplifique esse raciocínio e você chegará em um tempo no qual tudo era tão quente que nem mesmo átomos neutros poderiam ser formados. Se esse panorama estivesse correto, deveríamos ver um brilho restante de radiação atualmente, em todas as direções, que resfriou para alguns graus acima do zero absoluto. A descoberta dessa radiação cósmica de fundo em micro-ondas em 1964 por Arno Penzias e Bob Wilson foi uma confirmação do Big Bang.

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É tentador, portanto, continuar estudando o passado, quando o universo era ainda mais quente, denso e compacto. Se fizermos isso, iremos encontrar:

– Uma época em que era muito quente para um núcleo atômico ser formado e na qual a radiação era tão alta que qualquer ligação de prótons e nêutrons seria destruída;

– Um tempo em que pares de matéria e antimatéria poderiam ser formados espontaneamente, pois o universo era tão cheio de energia que os pares das partículas/antipartículas poderiam ser criados naturalmente;

– Uma época em que prótons e nêutrons se transformavam em plasmas de quarks e glúons, conforme as temperaturas e densidades eram tão altas que o universo se tornava mais denso do que dentro de núcleos de átomos;

– E, finalmente, uma época em que a densidade e a temperatura aumentavam em valores infinitos, conforme toda a matéria e energia no universo eram contidas dentro de um único ponto: uma singularidade.

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Esse último ponto – essa singularidade que representa onde as leis da física se desintegram – também é entendida para representar a origem do espaço e tempo. Essa foi a principal ideia do Big Bang.

Obviamente, tudo menos o último ponto foi confirmado. Nós criamos o plasma de quark-glúons em laboratório, desenvolvemos pares de matéria e antimatéria, fizemos os cálculos para o que cada elemento da luz deveria formar e em que quantidade durante os primeiros estágios do universo, tiramos as medidas, e descobrimos que eles combinam com as previsões do Big Bang. Avançando ainda mais, nós medimos as variações na radiação cósmica de fundo em micro-ondas e vimos como estruturas gravitacionalmente ligadas, como estrelas e galáxias, se formam e crescem. Para todo lugar para onde olhamos, encontramos uma relação gigante entre teoria e observação. O Big Bang parece um vencedor.

Exceto por alguns aspectos. Três pontos específicos que você poderia esperar do Big Bang não aconteceram:

– O universo não possui temperaturas diferentes em direções diferentes, apesar de uma área de bilhões de anos luz de distância em uma direção nunca ter tido tempo (desde o Big Bang) de interagir ou trocar informações com uma área de bilhões de anos luz na direção oposta;

– O universo não tem uma curvatura espacial mensurável que seja diferente de zero, ainda que um universo espacial perfeitamente plano necessite de um equilíbrio perfeito entre a expansão inicial e a densidade matéria-radiação;

– O universo não tem nenhum vestígio de uma alta energia apesar do fato de que as temperaturas que poderiam criar esses vestígios deveriam ter existido se o universo fosse arbitrariamente quente.

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Os teóricos que analisam esses pontos começaram a refletir sobre alternativas a uma “singularidade” para o Big Bang e, em vez disso, o que poderia recriar esse estado quente, denso, expandido, resfriado, evitando esses problemas. Em dezembro de 1979, Alan Guth descobriu uma solução.

Em vez de um estado arbitrariamente quente e denso, o universo poderia ter começado a partir de um estado no qual não havia matéria, radiação, antimatéria, neutrinos e partículas. Toda a energia presente no universo seria, em vez disso, ligada à própria estrutura do espaço: uma forma de energia do vácuo, que faz com que o universo se expanda a taxas exponenciais. Nesse estado cósmico, variações quânticas ainda existiriam e, conforme o espaço expandisse, essas variações seriam esticadas através do universo, criando regiões com um pouco mais ou pouco menos de densidade energética do que a média. E, finalmente, quando essa fase do universo – esse período de inflação – terminasse, essa energia seria convertida em matéria e radiação, criando um estado de calor e densidade semelhante ao Big Bang.

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Essa foi considerada uma ideia convincente, mas especulativa. Entretanto, havia uma maneira de testá-la. Se os cientistas conseguissem medir as variações no brilho restante do Big Bang e elas exibissem um padrão particular consistente com as previsões da inflação, seria uma prova concreta. Além disso, essas variações teriam que ser muito pequenas para que o universo nunca tivesse alcançado as temperaturas necessárias para criar vestígios de alta energia e muito menores do que as temperaturas e densidades em que o espaço e o tempo apareceriam para emergir de uma singularidade. Nos anos de 1900 e 2000 e, novamente, em 2010, cientistas mediram essas variações em detalhes e encontraram exatamente isso.

A conclusão é inevitável: o quente Big Bang, definitivamente, aconteceu, mas não se estendeu para retornar a um estado arbitrariamente quente e denso. Em vez disso, no passado, o universo passou por um período no qual toda a energia que poderia ser a matéria e radiação presentes atualmente era, em vez disso, vinculada à própria estrutura do espaço. Esse período, conhecido como inflação cósmica, terminou e deu origem ao quente Big Bang, mas nunca criou um estado arbitrariamente quente e denso ou uma singularidade. O que aconteceu antes da inflação ainda é uma questão em aberto, mas uma coisa é certa: o Big Bang não é o começo do universo.