Mamãe, voltei

9 de maio de 2019
Getty Images

Os dramas resolveram desfilar por aí em forma de escárnio, saltando da dor para o acinte

 

Matou os pais e foi celebrar o Dia das Mães. Não é filme underground, é realidade. Mas dizem que a saga de Suzane von Richthofen vai de fato virar filme, e aí se coloca uma necessidade imperiosa: no lançamento, seria fundamental circular um anúncio de utilidade pública informando que não se trata da continuação de “Matou a Família e Foi ao Cinema” (Julio Bressane), para não dar ideia. O Brasil anda muito sugestionável.

O problema é que os dramas, hoje em dia, recusam-se a ficar em seu lugar de dramas – onde deveriam suscitar apenas contrição, pesar e reflexão. Os dramas resolveram desfilar por aí em forma de escárnio, saltando da dor para o acinte. Suzane inclusive já traiu a Justiça indo parar numa festa durante um desses indultos, mas continua com crédito. A Justiça brasileira é uma mãe para seus bastardos.

O tema é terrível, indesejável e inevitável. A ninguém interessa martírio adicional para alguém já martirizado por sua própria tragédia. O problema é a coleção de símbolos que vêm transformando, neste século, o cinismo em sucesso mundial de bilheteria.

Talvez tudo tenha começado quando alguém descobriu o humanismo como esmalte de reputação. Desde que jogaram no mercado a solidariedade cosmética, o mundo foi ficando estranho. Fala-se muito em lavagem de dinheiro, mas quem vai combater a lavagem de egoísmo? Depois de milênios de trabalho para civilizar essa raça cheia de vontades, resolveram liberar os narcisismos mais primitivos com a maquiagem esperta do altruísmo fashion. Matou a família e foi ao cinema no Dia das Mães.

A cafetinagem da indignação deve explicar as reações cada vez mais esquisitas às tragédias. Em Brumadinho teve aquela grife com modelos rolando na lama. Na queda do helicóptero do Boechat teve gente dizendo que filmar o acidente era como filmar o Fábio Assunção bêbado (seja lá o que isso signifique). Enfim, é um vexame atrás do outro nessa feira de transformismo humanitário. A apoteose fica por conta de José Mujica, caricatura consagrada de político bonzinho, dizendo que o atropelamento de venezuelanos pelos tanques do Maduro era culpa dos atropelados – que não saíram da frente.

Pensando bem, a saidinha de Suzane no Dia das Mães nem é tão estranha assim.

 

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