Resumo:
- O setor de jogos de tabuleiros modernos foi responsável por cerca de R$ 665 milhões do faturamento da indústria de brinquedos nacional;
- Em 2018, mais de 4.000 “boardgames” foram lançados no mundo todo;
- Conclave, Galápagos, Calamity Games, PaperGames, Meeple BR e Bucaneiros são algumas das editoras brasileiras de jogos de tabuleiro;
- O Diversão Offline, evento dedicado ao hobby, recebeu 18 mil pessoas e movimentou R$ 2 milhões no mercado de jogos analógicos ao longo de seis edições.
Em tempos de alta tecnologia, o chamado jogo analógico não apenas resiste, como vai bem, obrigado. Segundo dados da Pesquisa Game Brasil 2019, 28% da população do país se diverte com tabuleiros (“boardgames”), fatia próxima dos que jogam cartas – 34%. O segmento representou 9,7% das vendas do setor de brinquedos, de um total de R$ 6,871 bilhões, em 2018. A indústria dos jogos analógicos como um todo também teve um crescimento de 7,5% no ano, como se vê em levantamento da Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (Abrinq).
LEIA MAIS: Conheça o bilionário – e mestre dos tabuleiros – Matt Calkins
Em todo o mundo, foram lançados mais de 4.000 jogos de tabuleiro em 2018, segundo o site especializado “BoardGameGeek”. O número se explica pela demanda. Só no Brasil, de acordo com o Censo Ludopedia 2018, que traça o perfil do jogador nacional, 66% das pessoas investem em “boardgames”. Só neste ano títulos lançados ou em desenvolvimento já somam 421.
“Os jogos modernos são mais fáceis de jogar. Têm partidas curtas, não longas como as de ‘War’ e ‘Monopoly’”, explica Cristiano Cuty, diretor de criação e produção da Conclave Games, editora nacional de jogos. Cuty produzia fanzines (revistas artesanais feitas por fãs) do universo geek, nos anos 1990. Em 2003, fundou a Conclave, que, então, apenas publicava livros de ficção e jogos autorais de RPG. Só em 2014, a empresa começou o licenciamento de jogos de tabuleiro. “Hoje, os “boardgames” representam 85% da nossa produção”, conta Cuty. No ano passado, a Conclave Games faturou R$ 1,5 milhão.
Em 2014, Diego Bianchini, sócio-fundador de outra editora, a Meeple BR, expandiu seu hobby. No início, comercializava peças e componentes de “boardgames” pelo Facebook. “No final de 2015, vimos a oportunidade de licenciar e distribuir com exclusividade no Brasil vários dos jogos que eu gostava de jogar”, relembra Bianchini. De 2017 para 2018, a empresa teve um crescimento de 120%, e neste ano espera saltar mais 70%.
Trajetória mais diversificada e certeira teve o casal Thiago Castro e Milene Ferrari, que já ingressou com a editora Bucaneiros em vários nichos do jogo analógico. A primeira investida foi em 2014, quando eles abriram uma loja online de “boardgames” com títulos de terceiros. No ano seguinte, foi a vez da loja física – que era também um bar de jogos – em Bauru, interior de São Paulo.
Castro descobriu os inserts (organizadores de peças) e o sleeve, a película plástica que envolve e protege as cartas de plástico, e começou a fabricá-los e vender pelas redes sociais – até para outras empresas do ramo. “Os grandes jogos demoravam para começar. Com os organizadores, o tempo de preparação é menor”, explica. Em 2017, o casal decidiu fechar o bar – que já dividia espaço com as máquinas de produção das peças – e se dedicar com mais força a elas, que passaram a ser produzidas em um galpão direcionado. Em 2019, criaram a editora e importaram três jogos para o país.
Caso de marca brasileira que despertou interesse de fora, a Galápagos Jogos, fundada em 2009, faturou R$ 16 milhões em 2017 e foi comprada pelo grupo francês Asmodee no ano seguinte. A editora começou oferecendo atividades lúdicas de treinamento para empresas. “O sonho sempre foi ter uma editora no varejo. Em 2012, mudamos o modelo para o atual. Criamos também produções próprias e licenciamos títulos internacionais”, conta Yuri Fang, presidente e sócio-fundador da Galápagos. Em 2018, a empresa lançou 73 jogos.
Ao ver o potencial crescente do mercado de tabuleiros, Paula Soares e Marina Miranda fizeram, em maio de 2018, um financiamento coletivo para licenciar “Merlin” e “Metro”, títulos da alemã Queen Games, pela Calamity Games. “Como grandes amantes de “boardgames”, e depois de considerar vários modelos de negócio, chegamos à conclusão de que o melhor para nós seria abrir uma editora, unindo a nossa paixão ao trabalho”, dizem as donas da Calamity. Depois disso, lançaram também jogos próprios. De outubro do ano passado até maio deste ano, o faturamento da empresa foi de R$ 300 mil.
Iniciada em 2015 no Rio de Janeiro, de olho nesse mercado crescente, a feira Diversão Offline chegou neste ano à sua sexta edição – a segunda realizada em São Paulo. Cerca de 5.600 pessoas compareceram ao evento voltado aos jogos análógicos. Ao todo, 32 marcas participaram da feira, que movimentou R$ 800 mil, segundo a organizadora, Fernanda Sereno.
“A ideia do evento surgiu com a necessidade de ir além dos pequenos espaços reservados ao segmento nas feiras de cultura pop”, conta Fernanda. “Tenho muito orgulho de ver o mercado brasileiro se orientando pela nossa feira. Hoje, as marcas fazem lançamentos de jogos, financiamentos coletivos e mockups no evento.” Nos seus quatro anos, pelos cálculos de Fernanda, a Diversão Offline já atraiu mais de 18 mil fãs dos “boardgames” e movimentou vultosos R$ 2 milhões.
O desafio de atrair novos jogadores
Atualmente, o preço ainda é um entrave para o mercado. Segundo o Censo Ludopedia 2018, realizado em um fórum de jogadores, 57% dos jogadores consideram o preço elevado um dos fatores que impedem um consumo maior no segmento de “boardgames”, enquanto 67% dos entrevistados dizem gastar mais de R$ 100 por mês com jogos de tabuleiro. Preços menores, em suma, poderiam chamar novos “players”.
“O mercado consumidor está estagnado pela situação macroeconômica, e o de “boardgames” foi um dos poucos que ainda teve expansão, apesar da crise. Mesmo com grana curta, os jogadores guardam uma parte para isso”, comenta Fernanda, da feira Diversão Offline.
Para Eduardo Cella, um dos sócios da editora PaperGames, que pôs o primeiro título no mercado em 2016, os impostos são um impeditivo para o segmento. “Há o custo de importar o jogo do país de origem e nacionalizá-lo, além dos impostos. O frete também encarece o preço final”, diz. Por outro lado, afirma, produzir no país é um pouco mais barato que importar, mas a complexidade na produção e controle de qualidade aumentam.
“Queríamos ter a possibilidade de fazer jogos no Brasil. A produção hoje é concentrada no Japão e na China”, comenta o CEO da Galápagos Jogos, Yuri Fang. Segundo ele, a empresa tem planos futuros de achar soluções para isso na América Latina. Na Europa, diz, o mercado é tão desenvolvido que há fábricas especializadas em componentes de “boardgames”. O parque fabril nacional, por sua vez, tem baixa especialização.
Além de ser difícil competir com a produção de peças fora do país, os editores precisam superar a barreira do estigma para atingir o grande público. “Os jogos ainda são vistos como coisa de criança ou de nerd. É preciso criar uma cultura nova de jogos de tabuleiro”, afirma Thiago Castro, da Bucaneiros. Para ele, é necessário chegar ao grande varejo.
Mas já foi pior. Cristiano Cuty, da Conclave, lembra que o país passou por um tipo de apagão nesse segmento. Nos anos 1980, havia poucos jogos licenciados e muitos copiados das empresas de fora. “Isso tornou o país suspeito aos olhos dos outros países. Agora, estamos retomando essa conexão com os mercados internacionais e trazendo títulos e jogabilidades inéditas”, explica.
As fundadoras da Calamity Games veem a burocracia como empecilho, mas também enxergam potencial no segmento. Uma estratégia para captar novos públicos são os jogos conhecidos como “familiares”, “de festa” e de “entrada”. No caso da PaperGames, esses jogos representam 80% do catálogo. “A ideia é que todos joguem: pais e filhos, casais e grupos de amigos, sem dificuldade”, explica Cella. Fang, da Galápagos, vai na mesma linha. “Não há jogos que agradem a todos, mas há pelo um jogo para cada jogador.”
Próxima jogada
As expectativas dos empresários para os próximos anos são otimistas. Todos os entrevistados acreditam que o mercado vai seguir crescendo.
Um dos caminhos para continuar a crescer é firmar parcerias com grandes marcas internacionais. A Conclave, por exemplo, foi responsável por levar seu título “Gnomópolis”, em parceria com a alemã Board Game Box, para China, Holanda e República Tcheca.
A editora também terá um estande na SPIEL 19, a maior feira de jogos de tabuleiro do mundo, que acontece em Essen, na Alemanha. “Queremos transformar a empresa em algo mundial, acompanhando o mercado, que também tem essa escala”, diz Cuty. Segundo o diretor, levar a empresa para o cenário internacional diminui os custos de produção de material.
VEJA TAMBÉM: “Space Invaders” comemora 40 anos com reedição
A aquisição da Galápagos pela francesa Asmodee é considerada estratégica pelo fundador da editora brasileira. “Isso facilitou o acesso a um grande catálogo de títulos internacionais de qualidade”, explica Fang. Para ele, o mercado nacional também vai se favorecer com a visibilidade do país na indústria internacional.
Novas trilhas também devem ser tomadas pela feira Diversão Offline. A organização pretende levar o evento a outras cidades, além do Rio e de São Paulo. “Brasília e Manaus são alguns dos focos. Há iniciativas locais que crescem e popularizam o hobby nas regiões”, explica Fernanda Sereno.
Siga FORBES Brasil nas redes sociais:
YouTube
Baixe o app de Forbes Brasil na Play Store e na App Store