Este passado não é um caminho para o futuro

26 de setembro de 2019
Reprodução Forbes

Livro de Philip K. Howard sustenta que ideologias de esquerda e direita não são mais capazes de promover mudanças

As taxas de crescimento econômico da Europa estão abaixo das dos EUA há décadas. Desde a crise de 2008, por exemplo, o índice médio da UE foi de 0,9%, contra quase 2% nos EUA – e esses 2% são considerados medíocres. A lerdeza da UE (juntamente com fortes preocupações com a imigração descontrolada) estimulou o surgimento de movimentos políticos “populistas”, não tradicionais. Como os partidos existentes estão reagindo? Promovendo políticas que levam a uma estagnação econômica ainda maior: mais impostos sobre as empresas e os “ricos”, mais gastos com programas sociais e aposentadorias e maior regulamentação das empresas. Como o Wall Street Journal destacou, “os partidos políticos da Europa prometem um retorno aos anos 1970 – para repelir os populistas, os partidos em dificuldades aderem ao aumento do Estado”.

Sim, nossos amigos do Velho Mundo fizeram algumas coisas direito, principalmente a venda de estatais e certa redução de seus altos impostos – sobretudo em anos recentes – sobre as empresas. No entanto, em comparação com os padrões dos EUA, a carga tributária da UE ainda é esmagadora. Cada um dos países a seguir tem impostos arrepiantes sobre o valor agregado, os quais, na verdade, são supertributos sobre as vendas: na Dinamarca, o IVA é de 25%; na problemática Grécia, 24%; no Reino Unido, 20%; e na Alemanha, 19%. Os EUA não têm IVA; a maioria dos estados tem taxas, mas nenhuma superior a 10%.

Muito piores são os impostos europeus sobre a folha de pagamento. A versão americana, denominada FICA, é de 15,3% sobre os primeiros US$ 132.900 de renda e de 2,9% sobre a renda excedente. Em contraste, o nível nos países da UE é, espantosamente, duas a três vezes maior do que o americano. Na França, que tem um desempenho econômico fraco desde a década de 1970, o imposto sobre a folha de pagamento é de 65%, sendo 45% pagos pelo empregador e 20% pelo empregado. Os regulamentos, especialmente aqueles que dizem respeito à mão de obra, são muito mais onerosos e rigorosos que os dos EUA. Os observadores estão meio brincando e meio falando sério quando dizem que, na maior parte da Europa, é mais fácil se divorciar do que demitir um trabalhador. Esses fardos foram reduzidos apenas ligeiramente desde os anos 1970.

Mudanças estruturais nas aposentadorias dos burocratas do Estado ou nas leis trabalhistas são alvo de feroz resistência, como qualquer presidente francês pode atestar. A Alemanha fez algumas reformas no início dos anos 2000, as quais levaram a um crescimento maior. Mas elas custaram ao chanceler seu cargo e foram enfraquecidas de lá para cá.

O que vemos se desdobrar na UE é uma forma de insanidade: continuar aplicando algo que não funciona e, quando não dá certo, aplicar um pouco mais. Isso lembra um tratamento de séculos atrás, quando os médicos sangravam os pacientes: quanto mais eles pioravam, mais eram sangrados.

Esse é mais um motivo para eliminar as incertezas comerciais e tarifárias que estão refreando o investimento das empresas. Antes de se comprometerem, os empresários precisam saber quais são as regras. Atendido esse requisito, a economia dos EUA vai realmente bombar – e esse sucesso estrondoso poderá propiciar um momento de aprendizado para nossos amigos estrangeiros em apuros.

Try common sense: replacing the failed ideologies of right and left

Philip K. Howard (W.W. Norton)

Eis um livro pequeno com um conteúdo arrasador. Ele mostra por que, mesmo com uma economia forte, os norte-americanos sentem que há hoje algo profundamente errado com o país. Já fomos uma nação sensata e confiante. No entanto, tornamo-nos um país que parece estar num atoleiro e temos cada vez mais medo de ofender algo ou alguém involuntariamente. A sociedade nunca pareceu tão propensa a rixas.

Por que, ao longo de décadas, caiu sobre nós uma infinita tempestade de regras e regulamentos? Por que a construção de uma rodovia leva dez anos, sendo que antes costumava levar dois? Por que os professores não podem mais disciplinar os alunos? Por que funcionários públicos incompetentes ou abusivos não podem ser demitidos sem que sejam necessários processos enormes e demorados? Por que os juízes perderam o controle de seus tribunais para litigantes chantagistas? Por que tantas faculdades e universidades se renderam a extremistas contra a liberdade de expressão? Quando as coisas não são feitas corretamente no governo, por que é impossível cobrar responsabilidade? As consequências políticas são graves, na medida em que as pessoas sentem cada vez mais estarem perdendo o controle de sua vida.

Howard diz que a crise começou no fim dos anos 1960, quando cresceu nas faculdades de direito a ideia de que a sociedade funcionaria de maneira melhor e mais justa se fôssemos regidos por regras precisas que minimizariam o arbítrio individual, impedindo, assim, o exercício de um poder arbitrário. Essa situação foi agravada pela ascensão dos sindicatos do governo, que tornaram praticamente impossível despedir funcionários improdutivos.

O livro sustenta que os partidos políticos atuais – ao contrário da retórica – estão envolvidos demais com o status quo para fazerem as mudanças radicais que permitiriam que os EUA voltassem a ter a cultura prática que já tiveram.

É verdade que o governo vem fazendo um esforço contínuo para reverter os dispositivos que estão esmagando a economia, iniciativa que tem sido crucial para o ressurgimento econômico desde 2017. Quanto tempo durarão as conquistas de Trump? A julgar pelas tentativas de vários governos anteriores no sentido de conter os excessos, o ataque regulamentar será retomado assim que houver uma mudança política. Como uma trepadeira, parece algo impossível de deter.

O discernimento independente de funcionários que alcançam resultados reais e são individualmente responsáveis pelo desempenho vem sendo sufocado por uma cultura de atuar conforme as regras. “Péssimos funcionários, professores e prestadores de serviços mantêm seu emprego porque preenchem os formulários corretamente. (…) Washington é administrada pela inércia. Ninguém quer ser responsável por obter resultados reais.” As consequências desse tsunami de regras extrapolam o Estado. As empresas gastam cada vez mais capacidade mental e recursos tentando cumprir restrições idiotas. Howard cita o caso de um pomar de maçãs no norte do estado de Nova York que está sujeito a 5 mil regras de 17 programas e órgãos diferentes. Uma determinação particularmente sem sentido: quando as maçãs são retiradas de uma árvore, a carreta em que são colocadas deve estar coberta por uma lona para os pássaros não defecarem nelas. Lembre-se de que essas maçãs estiveram em árvores não cobertas por lona durante cinco meses antes de serem colhidas e que serão rigorosamente lavadas quando chegarem ao galpão!

Minar a democracia com uma enxurrada de regras detalhistas e sufocantes foi um perigo previsto por Alexis de Tocqueville, autor do livro A Democracia na América, ainda muito pertinente. Já na década de 1830, ele advertia para “uma ede de pequenas regras complicadas, minúsculas e uniformes, nas quais as mentes mais originais e os personagens mais vigorosos não são capazes de penetrar. (…) O poder despótico em épocas democráticas não tem uma natureza feroz ou cruel, mas minuciosa e intrometida”.

O que fazer? Aqui vão algumas soluções.

• Regulamentação por princípios, não por livros de regras. Entre os exemplos mencionados por Howard está o caso dos lares de idosos australianos. Os espessos livros de regras foram substituídos por 31 princípios gerais. Resultado: “Dentro de um curto período, os lares de idosos ficaram claramente melhores porque (…) os operadores, os reguladores e os representantes das famílias começaram a focar na qualidade, e não na conformidade”.

• Remover órgãos governamentais de Washington e distribuí-los pelo país. Desse modo, os funcionários viveriam e trabalhariam em meio a gente real, em vez de ficarem acomodados na bolha da capital. O desempenho também melhoraria. Os eficazes Centros de Prevenção e Controle de Doenças estão em Atlanta. A Administração de Alimentos e Medicamentos, por exemplo, poderia se mudar para um lugar voltado à ciência, como Boston. O Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano iria para Detroit, que está renascendo. Descentralizar o governo federal também dificultaria para as hordas de lobistas exercerem suas atividades: os órgãos não estariam mais à distância de uma corrida de táxi.

• Mover o processo do século. Graças aos sindicatos e à legislação mal concebida, é praticamente impossível demitir funcionários públicos, o que prejudica enormemente o desempenho e tornou impraticável cobrar qualquer responsabilidade dos burocratas. Isso é humilhante para as pessoas que realmente se dedicam a seu trabalho, além de contribuir para o inchaço da burocracia. Essa invulnerabilidade no funcionalismo público, porém, é inconstitucional. O Artigo II da Constituição dá ao presidente o poder de remover funcionários do poder executivo. James Madison, considerado o pai intelectual da Constituição, disse: “Se existe algum poder que é executivo por natureza, trata-se do poder de designar, supervisionar e controlar quem executa as leis”. Todo o movimento de reforma do funcionalismo público no final do século 19 consistia em impedir a contratação de mercenários políticos e, em vez disso, aplicar provas para fins de teste de competência. Não tinha a ver com o poder do presidente de dispensar funcionários do governo. Nesse aspecto, um processo bem-sucedido mudaria radicalmente a cultura da governança moderna.

Howard também discute outras medidas.

A trepadeira pode ser irrefreável, mas as plantas venenosas das regras estúpidas, asfixiantes e proliferantes e dos órgãos governamentais insensíveis e irresponsáveis podem ser detidas e erradicadas – mas, como o livro deixa claro, somente se nós, o povo, começarmos a agir.