Em um lugar basicamente turístico, onde a interação e sociabilidade são imprescindíveis para gerar renda, a pandemia veio para quebrar tradições, para inovar e se adaptar com a necessidade. O setor viticultor é responsável pela maior geração de empregos em Napa Valley, na Califórnia, e as salas de degustação das vinícolas geram em torno de 40% da renda, mas, mesmo sendo uma região muito tradicional e enraizada no seu método de marketing, essas vinícolas foram catapultadas para as plataformas de mídia social.
Uma das sommelières mais descoladas da região, Amanda McCrossin, que também é criadora de conteúdo (@sommvivant) e trabalhou no restaurante Press (que tem a maior carta de vinhos americanos de Napa), diz que as vinícolas estão investindo tudo em degustações virtuais, “lives” nas plataformas como Instagram e Youtube. “Foi uma reação quase que imediata e nos mostrou que os consumidores realmente gostaram desta nova opção”, comenta.
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Os clientes recebem kits de degustação e podem interagir com o enólogo diretamente, isso é super envolvente e tem atraído um público mais jovem, que é um dos grandes desafios da indústria do vinho. Outra inovação inteligente e sustentável foi o que a Sullivan Estate fez. Clos du Val, um clássico, foi o vinho escolhido para um sistema de delivery em refratário de 1L em um esquema de refil. Como está na fase de blending (misturar vinho numa fórmula escolhida pelo enólogo) em Napa, o que sobra do vai para essas garrafas entregues no programa de assinatura. Você paga US$ 28 (uma garrafa desse vinho custa em torno de US$ 100) e se quiser refil paga US$ 18 cada semana. Uma jogada de mestre, ela diz.
Para os restaurantes, ela cita o chef Christopher Kostow do três estrelas Michelin The Restaurant no Meadowood Hotel, que está fechado temporariamente, e também do The Charter Oak, em St. Helena. Ele diz que no começo foi difícil reorganizar tudo para “takeout” (pegue e leve). Eles desenvolveram, então, um programa semanal de pedidos de caixas com legumes, frutas e verduras do próprio jardim, que geralmente fornece para os dois restaurantes e, foi um sucesso! Imagina poder comprar os legumes frescos meticulosamente gerenciados por um chef com três estrelas Michelin? Top de linha, certo? O restaurante Press, que tem a maior carta de vinhos americanos do Vale, fez um esquema drive-thru de sanduíche de frango, batatas fritas com trufas e vinhos fornecidos por vinícolas a preços bem abaixo para promover seus rótulos nesse período difícil para todos.
“Me parece que tudo agora é sobre engenhosidade, empreendedorismo e iniciativa comunitária”, diz Amanda. Ela comenta que sendo um lugar muito caro para morar, 40% acima da média nacional, essas opções mais acessíveis facilitaram muito a vida de todos neste momento. Sabemos que quando algo muda, não volta a ser a mesma coisa, então, fica claro que vai acontecer nesse segmento também, como o seminário que deveria ocorrer sobre vinhos e que foi transformado em online. Além de ter sido muito proveitoso, reduziu altamente custos e emissão de carbono, o que tem sido muito positivo para todo o planeta, em um modo geral. Muitas empresas, não só do vinho, já adotarão essas novas medidas virtuais permanentemente.
Um outro exemplo positivo, em todos os sentidos é Jean Noel, do Château Potelle, que veio para Napa Valley logo após o julgamento de Paris, evento de degustação às cegas que colocou Napa Valley no mapa, quando os seus vinhos ganharam dos franceses. Ele foi enviado para “espionar” o que estava acontecendo em Napa e acabou se apaixonando. Começou a fazer vinho, claro!
O nome do seu vinho é VGS, que significa Very Good Shit (uma merda muito boa) e daí já vemos que o nível de segurança do seu produto é implacável pois, só quem se garante muito poderia dar um nome desses ao seu vinho. Genial.
Por volta do ano 2000 ele teve câncer de pulmão, e os médicos disseram que era fatal. Ele venceu o primeiro câncer. E o segundo. E o terceiro! Depois do segundo, resolveu vender tudo, menos o nome que está na família há 900 anos (tem um Château Potelle ao norte da França). Depois do terceiro câncer, Noel se cansou de tudo e resolveu andar, estilo “Forest Gump” (filme dirigido por Robert Zemeckis com o ator Tom Hanks) e andou a Índia toda de ponta a ponta. Foram 3.000 quilômetros, em seis meses e três semanas. Ao voltar, conversando com sua família, sentiu que não estava pronto. Escalou o Everest. Em 2013, ele se sentiu renovado e, obviamente restabeleceu o seu lugar em Napa Valley.
Jean Noel é extremamente simpático, sábio, alegre e divertido. Quem sobrevive o que ele sobreviveu, consegue flutuar na vida de forma muito mais sutil, harmoniosa e delicada. “No stress”, ele diz. Sem estresse.
É por isso que ele já conseguiu recuperar 35% do que foi perdido nesses meses de quarentena. Dentre os 50% que conseguiram se superar –pois os outros 50% das vinícolas estão em situações relativamente negativas–, ele está fazendo degustações e jantares virtuais, em que o grupo se organiza, os vinhos são entregues dez dias antes, todos fazem a mesma receita e Jean Noel fala sobre os vinhos.
Um que achei genial foi o “blending seminar”! Os vinhos são enviados para o grupo, que faz o blend guiado por ele e o enólogo. Se o participante gostar do blend, pode pedir algumas garrafas. Blend quarentena, histórico! Bem jogado Jean Noel.
Em Napa Valley, algumas lojas de comércio já estão abrindo e não vai demorar para que as salas de degustações retomem suas atividades, mesmo que lentamente.
Lembro que meus pais me diziam: “Só os fortes sobrevivem”. Você sofre, chora, se revolta, se acalma, aceita e enxerga uma nova oportunidade. Uma porta se fecha e outra se abre e é por isso que o mundo não vai ser o mesmo, seja no mundo do vinho ou nos outros mundos.
Uma coisa é certa: as mudanças são sempre para melhor, doa o que doer. Essa regra eu já aprendi!
Tchin tchin!
Carolina Schoof Centola é fundadora da TriWine Investimentos e sommelière formada pela ABS, especializada na região de Champagne. Em Milão, foi a primeira mulher a participar do primeiro grupo de PRs do Armani Privé.
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