Na corrida para reabrir, os aeroportos estão recorrendo a tecnologia de reconhecimento facial, inteligência artificial, automação e scanners biométricos projetados para oferecer uma experiência “touchless”, ou seja, sem contato físico para nós e nossas bagagens. Mas a execução é outra história.
Imagine entrar no aeroporto, compartilhar seus sinais vitais, passar pela segurança e embarcar em um avião, tudo sem tocar em nenhuma tela, bilhete ou pessoa. Segundo as autoridades, é para onde estamos a caminho. Ao considerar o claro e presente perigo de infecção, a questão é com que rapidez podemos (e devemos) chegar lá?
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A resposta depende muito de onde você está no mundo. No aeroporto de Changi, em Singapura, as máquinas térmicas avaliam a temperatura de todos os funcionários e visitantes que entram nas áreas de trânsito. O Aeroporto Internacional de Hong Kong tem trabalhado com três robôs autônomos de “esterilização inteligente” para limpar áreas públicas e banheiros. Os robôs não estão a caminho –eles estão aqui.
E, em Abu Dhabi, a Etihad Airways anunciou o teste beta de quiosques de autoatendimento desenvolvidos pela Elenium Automation. Os quiosques podem monitorar temperatura, frequência cardíaca e respiratória de um passageiro e sinalizar aqueles que precisam de atenção médica. Embora essa tecnologia não tenha sido projetada para diagnosticar qualquer condição, ela pode processar grandes quantidades de dados biométricos.
“Estamos testando essa tecnologia porque acreditamos que ela não apenas ajudará no atual surto de Covid-19, mas também no futuro, ao avaliar a adequação de um passageiro para viajar e, assim, minimizar interrupções”, disse Jorg Oppermann, vice-presidente de operações e meio de campo na Etihad Airways.
Comparativamente, os EUA têm demorado para fazer parte do movimento. Desde 2015, a Transportation Security Administration (TSA) –a agência com autoridade sobre a segurança dos viajantes norte-americanos– usa testes biométricos para verificação de identidade, não para exames de saúde. Atualmente, a organização não executa nenhum programa voltado especificamente para combater o coronavírus. Na ausência de uma grande revisão operacional, fazer voos domésticos ainda significa se submeter a tapinhas, aglomeração em terminais lotados e tocar em telas compartilhadas para etiquetar a bagagem.
As empresas do setor privado estão na corrida para preencher a lacuna. “O resto do mundo está muito mais à frente do que os aeroportos dos EUA em termos de tecnologia. Temos mantido conversas com aeroportos e companhias aéreas, enquanto eles tentam descobrir o que é o novo normal”, diz Derek Peterson, CEO da Soter Technologies, citando interesse da United Airlines e do aeroporto de Abu Dhabi. Sua empresa, com sede em Ronkonkoma, NY, desenvolveu um novo dispositivo chamado “Sensor de Sintomas” que rastreia os níveis de oxigênio no sangue, temperatura, freqüência cardíaca e taxa de respiração sem fazer contato físico. Cada aparelho custa US$ 35 mil e deve chegar ao mercado em junho.
Quanta informação é suficiente?
Para reabrir sem provocar novos surtos do vírus, os aeroportos devem se preparar para explorar uma ampla variedade de estatísticas de saúde. Segundo as autoridades médicas, apenas medir a temperatura não é suficiente para rastrear um vírus com um período de incubação assintomático. O “Journal of the American Medical Association” acaba de publicar um estudo que mostra que menos de um terço dos 5.700 pacientes hospitalizados com Covid-19 nas instalações da Northwell Health tiveram febre após a triagem –embora o sintoma seja visto como um indicador-chave da doença.
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Isso significa que os viajantes devem se preparar para uma grande transição da mera avaliação de imagem para o rastreamento biométrico. Ainda não se sabe se essa mudança será permanente e como os dados eletrônicos de saúde serão compartilhados. Mas está em curso.
“Como vimos em surtos anteriores (Sars e Mers), o padrão e a velocidade com que uma doença se movimenta pelo mundo está ligado ao padrão e à velocidade com que os passageiros se deslocam”, diz Barbara Dalibard, CEO da Sita (Société Internationale de Télécommunications Aéronautiques).
Vivemos em um mundo em que a tecnologia possibilita monitorar todos o tempo todo. Por que não estamos preparados para impedir a propagação de doenças? Tudo se resume ao controle. Nem todos os países se submeteram à vigilância em massa, devido a problemas complexos de privacidade e segurança cibernética. O consentimento do compartilhamento de dados ainda é considerado uma liberdade civil em grande parte do mundo moderno.
Por esses motivos, um aeroporto verdadeiramente “sem contato” ainda pode estar longe no futuro.
Grandes obstáculos
A privacidade é um problema simples, sem uma solução simples. Ninguém deseja que os governos rastreiem seus dados de saúde por qualquer outro motivo, exceto usá-los com o objetivo imediato de trânsito seguro em viagens. Suas informações médicas não devem ficar em um banco de dados aberto para serem vendidas a anunciantes, empregadores ou comitês de ação política, por exemplo.
“Acreditamos no aumento do acesso aos dados, para impulsionar a inovação. Mas existem grandes questões sobre o consentimento coletivo em condições de pandemia. Podemos dizer, sim, como sociedade que consentimos. Mas nossas informações precisam ser gerenciadas de maneira confiável e bem administradas”, diz Jeni Tennison, vice-presidente e consultora de estratégia do Open Data Institute.
Se “bem administrado” e “confiável” parecerem sonhos distantes, junte-se ao clube. No entanto, Jeni vê um futuro no qual as companhias aéreas e os aeroportos compartilharão estatísticas médicas com segurança e exclusivamente com autoridades de saúde pública, como a Organização Mundial de Saúde e o Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido. Essas estatísticas podem ajudar a ilustrar os fluxos de passageiros em todo o mundo, em vez de monetizar perfis pessoais. Se todos os dados médicos coletados nos aeroportos fossem anonimizados, viagens seguras se seriam possíveis possíveis.
A cooperação é a segunda maior questão. Os países precisam cooperar para permitir que os viajantes cruzem as fronteiras. Um acordo global sobre como pré-selecionar passageiros ajudaria. Se apenas forem permitidos viajantes cuidadosamente selecionados, você estaria mais disposto a aceitá-los em seu país. Por enquanto, no entanto, parece que o isolamento nacionalista está conquistando a solidariedade global, à medida que o mundo sofre contrações econômicas e sociais.
Rumo ao contato zero
Sem um único órgão responsável, o setor de aviação global se recuperará lentamente, companhia aérea por companhia aérea, aeroporto por aeroporto. O progresso deve acontecer aos trancos e barrancos.
A Organização Internacional da Aviação Civil da ONU (Oaci), com sede em Montreal, está tentando mudar isso. Em 29 de abril, a instituição anunciou o estabelecimento de uma nova Força-Tarefa de Recuperação da Aviação Covid-19, criada por representantes de 36 países em seu conselho de governamental. O objetivo é aproveitar “todos os dados disponíveis do governo e do setor” para criar soluções em todo o segmento.
As soluções prováveis dessa força-tarefa serão influenciadas pelos parceiros da Oaci, incluindo o World Council International Airport (ACI) de Montreal, apelidado de “a voz dos aeroportos do mundo” e a já mencionada Sita, uma empresa multinacional de TI que presta serviços a mais de mil aeroportos e a maioria das companhias aéreas do mundo. Ambas as organizações acreditam que uma experiência sem contato ou com pouco contato é o melhor caminho a seguir.
“Tecnologias como biometria, portas eletrônicas automatizadas, robótica e inteligência artificial devem desempenhar um papel importante, agora e no futuro”, disse Nina Brooks, diretora de segurança, facilitação e TI da ACI.
O valor da IA nos aeroportos está relacionado à sua capacidade de “transformar dados em inteligência comercial”, acrescenta Antoine Rostworowski, vice-diretor geral da ACI. Por exemplo, quanto mais quiosques de dados de saúde lerem, os aeroportos mais capazes serão de identificar quais passageiros precisam de mais atenção. A visão computacional assistida por IA também poderia melhorar a eficiência dos pontos de escaneamento computadorizado, reduzindo assim as multidões.
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Os funcionários da Sita também dizem que a IA pode combinar biometricamente os passageiros com suas malas. “A IA será capaz de reconhecer marcas únicas de arranhões, vincos e características do material para distinguir entre malas aparentemente idênticas e combiná-las com o passageiro correto”. Isso permitiria que os clientes fizessem despacho automatizado de bagagem usando seus próprios dispositivos móveis, sem a necessidade de tocar em telas sujas dentro de um aeroporto.
“A automação é de suma importância. As tecnologias de autoatendimento e sem contato facilitarão o fluxo de passageiros, reduzindo filas e, ao mesmo tempo, assegurando uma experiência social favorável ao distanciamento, por meio do uso da biometria segura e dos dispositivos móveis dos próprios passageiros”, afirma Barbara, CEO da Sita.
Barbara considera que considera o blockchain é o futuro do compartilhamento de dados nos aeroportos. “Acreditamos que o blockchain é altamente adequado para o setor de transporte aéreo. Ele tem o potencial de compartilhar informações com segurança –como dados de identidade e operações de voo– entre as várias partes interessadas, sem abrir mão do controle ou comprometer a segurança dos dados”.
A questão, mais uma vez, volta ao controle. O blockchain é um livro de informações, que tem sido mais aceito nos setores financeiro e de saúde e permanece com cautela na aviação, porque exige que os governos aceitem os registros, sem a capacidade de controlá-los. O ponto principal do blockchain é que ele não pode ser controlado pelos governos.
Abordagem unificada
Se algo positivo vem dessa pandemia, é que as próprias viagens provaram ser o motor econômico do mundo. Pontes, não fronteiras, são a única maneira de a aviação global garantir viagens seguras. Precisamos de uma abordagem unificada para implementar as tecnologias que possibilitam o futuro sem contato –e rápido.
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