Por que será que a grama do vizinho parece mais verde, e o vinho importado melhor? A busca por experiências diferentes é eterna, e temos de concordar que misteriosa também. O que não deveria tirar o mérito do que está ao nosso alcance, como o vinho brasileiro. Vinho brasileiro? Sim, por que não?
Com a chegada da pandemia e o aumento do dólar, o consumo dos vinhos nacionais se beneficiou. Os brasileiros foram, literalmente, forçados a olhar para seu próprio umbigo e descobriram que tem muita coisa interessante. Faz parte de todo esse processo pandêmico a internalização: não pode ir lá, então fico aqui.
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Segundo Didu Russo, personalidade no mundo do vinho, os dados seriam muito mais precisos se fornecidos pelo ICMS, retentor de todas as informações sobre a circulação de mercadorias no país. A Uvibra utiliza o volume que sai da vinícola e contabiliza como venda. Mas, por exemplo, se a vinícola possui seu próprio canal de distribuição e resolve estocar parte da sua produção, esta já foi contabilizada como venda. Ou seja, os dados não muito precisos.
Mesmo assim, ainda conseguimos levantar informações como o crescimento de 38% no consumo de vinho brasileiro e 17% de vinho importado em 2019. Vale ressaltar, conta Didu, que 67% são vinhos de mesa –garrafão mesmo e de caixa–, 6% vinho fino brasileiro e 27% importados.
Os supermercados tiveram suas vendas aumentadas e, exemplos como o Pão de Açúcar, que detém 11%-12% de toda a venda de vinhos no país, fizeram ações geniais, chegando a vender 320 mil garrafas em um dia. A grande sacada foi usar o vinho como chamariz, vendendo com pouca margem de lucro, para estimular o cliente a consumir os outros 90 mil produtos que a rede oferece.
Um outro fator é que nove milhões de brasileiros não viajaram ao exterior como em 2019. Mais uma razão para o foco no consumo do vinho nacional ou os importados relativamente acessíveis.
“Quando você compra um vinho importado que custa R$ 50, é melhor comprar um nacional”, diz Didu. “Esse vinho custou 2 euros e tem muitas opções interessantes, se comparado custo-benefício como os vinhos Aurora ou até Salton. Tem a Rio Sol e a Miolo atuando no Nordeste, e a Guaspari, se vamos ao extremo, que ganhou duplo ouro no concurso da Decanter com o Syrah.”
Outro grande fã do vinho brasileiro é o Leandro, mais conhecido como Choro, @chorodavideira, que ouvindo sempre falar muito mal do vinho brasileiro, resolveu investigar. E ele conseguiu, fazendo degustações às cegas! Do vinho que consome, 80% é brasileiro. Nas degustações que promove, chegou a acontecer de comparar Bordeaux de R$ 6.000 com vinhos brasileiros que venceram disparado, deixando todos boquiabertos.
Ele reconfirma que o maior consumo do vinho nacional é o espumante e, que numa degustação às cegas entre duas grandes maisons de Champagne e o espumante da Cave Geisse, a nacional foi o destaque. Dá também várias dicas: Valmarino (o cabernet franc), Viapiana (o marselan), Miolo (o testardi e o sesmarias). Além do torcello assemblage de Remy Valduga, o Calhaus 100% Merlot da Terragnolo e o Paradigma da Franco Italiano. Fora as vinícolas cinematográficas, segundo ele: Alma Única, Dom Guerino e Luiz Argenta que possui os vinhedos mais antigos do Brasil. Vale muito conhecer, ele pontua.
O Brasil é o 26º mercado mais atrativo no mundo, com uma população de 32 ativos consumidores de vinho. A exportação chegou a US$ 8,2 milhões em 2019, onde os espumantes são as grandes estrelas alavancadoras, com Paraguai, Estados Unidos, China, Rússia e Colômbia os maiores mercados, nesta ordem, segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério da Economia. O Rio Grande do Sul produz 90% de todo o vinho do país, tendo seis das sete regiões produtoras.
Segundo Rogério Dardeau, enófilo e autor de diversos livros, inclusive um saindo do forno (“Gente, Lugares e Vinhos do Brasil”), já existem 34 lugares onde vinhos finos são elaborados no Brasil, distribuídos em dez unidades da federação. Para escrever este livro, percorreu mais de 6.000 quilômetros pelo país, visitou mais de 200 municípios e vinícolas, entrevistou, aproximadamente, 300 produtores e degustou mais de 2.000 vinhos (degustar é diferente de ingerir!). Ele catalogou 913 vinhateiros, cantineiros, enólogos e empresários do setor. São 502 empresas vitivinícolas. O livro será lançado em dezembro pela editora Mauad por R$ 120.
Sonia Denicol, que trabalha com vinho brasileiro há 17 anos, é quem levanta a bandeira para que o Brasil e seus vinhateiros sejam fiéis ao clima, ao desenvolvimento específico que as uvas atingem, criando assim uma personalidade única. “Os vinhos brasileiros, se seguido o curso natural, não são tão alcoólicos e tem uma característica leve e floral. Com a busca de um padrão internacional, usa-se a poda invertida e isso acaba aumentando os níveis de álcool, diminuindo o nosso potencial de sermos conhecidos lá fora com nossa própria identidade”, diz.
“O Guia Descorchados foi um grande avanço para a promoção dos nossos vinhos”, adiciona.
Sonia exemplifica a Era dos Ventos com um destaque de resgate de uvas, como a Peverella. Philippe Mevel, da Chandon, foi quem introduziu a Riesling Itálico no blend tradicional de espumantes no Brasil, seguido pela casa Pedrussi e Vallontano, entre outras. Dá mais acidez e frescor, diz. Ela dá várias dicas: Família Petroli, Pizzato, Casa del Nonno, Gilmar Maccari, Denoni, Vila Baldin, Cantina Coloniali e Mazon são alguns nomes para pesquisar e degustar.
Eventos como a Feira Naturebas, fundada por Liz Cereja, é também um grande movimento que estimula os produtores brasileiros, entre outros, que buscam uma identidade única e ambientalmente sustentável.
Aproveitando tudo mais voltado ao interno, vale se aventurar em descobrir se os vinhos brasileiros harmonizam com seu paladar, lembrando que ainda estamos em pleno desenvolvimento.
“É inútil forçar os ritmos da vida. A arte de viver consiste em aprender a dar o devido tempo as coisas”, Carlo Petrini, fundador do Slow Food
Tchin tchin!
Carolina Schoof Centola é fundadora da TriWine Investimentos e sommelière formada pela ABS, especializada na região de Champagne. Em Milão, foi a primeira mulher a participar do primeiro grupo de PRs do Armani Privé.
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