Pedro Wickbold, da quarta geração da produtora de pães Wickbold, é o terceiro entrevistado do Forbes GX Series, uma série comandada por Flavia Camanho Camparini, especialista em governança familiar e estratégia de desenvolvimento humano, fundadora do Flux Institute e professora convidada dos programas do IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa), FBN (Family Business Network) e FIESC (Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina), e apoio da PwC.
Diretor geral da companhia desde o ano passado, Wickbold ficou longe da empresa por cerca de seis anos até encontrar o seu propósito no legado empresarial de sua família. Na entrevista, o executivo fala sobre a importância da autenticidade e do sentimento de missão pessoal para a governança familiar. Veja, a seguir, na íntegra:
Flavia Camanho: Quem é você?
Pedro Wickbold: Eu sou o Pedro Wickbold, sou da quarta geração da Wickbold, produtora de pães, que está no Brasil desde 1938. Meus bisavós vieram da Alemanha. Eles eram marceneiros de profissão, chegaram aqui em uma época pré-Segunda Guerra Mundial e encontraram um conterrâneo que estava voltando para a Alemanha e tinha uma padaria. Eles acabaram comprando essa padaria desse conterrâneo e, desde então, já são 83 anos de história.
FM: Quando você se descobriu membro de uma família empresária? Quando caiu a ficha de que tinha uma empresa por trás da história da sua família?
PW: Meu pai foi diretor da empresa por muito tempo. Quando eu nasci, ele já exercia essa função. Era muito legal porque ele sempre trazia as novidades para que a gente aprovasse os lançamentos antes de elas irem para o mercado. Depois, quando a gente observava, ali na gôndola, o produto que tínhamos aprovado, era uma satisfação muito grande. Nos sentíamos parte do negócio. E ele sempre foi muito envolvido na construção da empresa, então a gente, desde pequeno, conversava sobre o negócio com muita naturalidade. Consequentemente, eu acabei me apaixonando pelo negócio.
FM: Com essa história de tanto envolvimento, como você encontrou o seu lugar?
PW: Em 2005, quando eu entrei na faculdade, eu comecei a estagiar na Wickbold. Passei cinco anos em um processo muito legal de trainee. A panificação tem muitas peculiaridades. É um negócio muito intenso porque a validade dos produtos é muito curta. Então eu fiquei, literalmente, estagiando em todos os departamentos da empresa. Passei seis meses operando máquinas, depois fui para o departamento de marketing e para a área administrativa. Também abasteci a gôndola com os promotores por um bom tempo. Isso tudo me trouxe uma noção de como aquele negócio acontecia.
Só que, em 2010, eu entendi que não era para eu estar ali naquele momento. É muito engraçado. Quando eu comecei na Wickbold, em 2005, fazia dois anos que meu pai tinha falecido, e como a presença dele era muito forte no negócio, as pessoas esperavam de mim uma postura parecida com a dele. E eu me cobrava por isso também. Isso acabou sendo uma frustração para mim, porque ele era muito mais rígido, tinha uma postura mais firme, e eu sempre tive um perfil mais articulador e colaborativo. Então, eu sofria muito com essas comparações e não conseguia me encontrar no negócio.
Em 2010, eu saí da empresa para ter uma experiência empreendedora que me trouxe uma visão diferente do negócio. Mas eu me encontrei, de fato, quando tive o privilégio – entre tantos privilégios que eu tive – de passar um ano viajando ao lado da minha esposa. Nós visitamos 37 países, mais de 120 cidades, os cinco continentes, e foi uma experiência de autoconhecimento muito forte e transformadora. Eu conheci muita gente, vi o que funcionava e o que não funcionava ao redor do mundo e tive contato com países muito ricos e muito pobres.
Então, eu voltei para o Brasil simplesmente apaixonado pelo nosso país, entendendo a potência que a gente tem com uma agricultura pujante, uma agenda ambiental que tem tudo para se tornar referência no mundo, algo que pode transformar o nosso país. E, ao mesmo tempo, um país com uma desigualdade absurda. Eu voltei com uma missão pessoal de continuar o legado empresarial da minha família enquanto trabalhava para reduzir a desigualdade social.
Em 2016, quando retornei para a companhia, voltei com esse pensamento. Foi muito diferente. Eu consegui ser o Pedro que coloca a sua força na gestão e o Pedro com uma missão pessoal muito forte, de conduzir a empresa para essa agenda de transformação social. Foi então que eu percebi que estava no lugar certo, na hora certa e do jeito que eu acredito. Assim se passaram cinco anos. Sou diretor geral da companhia desde o ano passado, 2020. E foi com muita autenticidade que eu consegui me encontrar e colocar potência na continuidade do legado da minha família.
FM: A sua história é muito motivadora para outros jovens. Qual seria o seu conselho para as pessoas que estão vivendo esse momento de governança familiar e tentando se entender nessa busca por um espaço no legado da família?
PW: Se tem um conselho que eu consigo dar é que a individualidade das pessoas seja respeitada. Percebemos que existe sempre uma imagem muito forte do sucessor. Um legado muito grande envolvido. E precisamos entender como essas gerações têm se aproximado dos negócios para que eles possam contribuir da melhor forma possível.
Eu digo que o ato de sucessão é um grande ato de humildade do sucessor, que precisa entender que existe uma história antes dele. Eu respeito demais a história da minha família. A gente só existe hoje por muita competência de todos que já se envolveram ali no negócio. Mas também temos a humildade do sucedido, que precisa entender que existe uma nova geração chegando e que é preciso abrir portas para que ela consiga errar e se encontrar nesse processo.
O que eu posso dizer é: sejam vocês mesmos. Coloquem a sua marca no mundo. Se as pessoas atuarem de uma forma não autêntica, elas não vão conseguir fazer a melhor entrega possível para a continuidade do legado.
FM: E qual é o legado que você está construindo?
PW: Se daqui 30 anos eu olhar para trás e entender que a Wickbold fez parte de um processo de transformação do país, com atitudes e ações que valorizem as pessoas que passam por tanta vulnerabilidade, eu vou me sentir satisfeito. Obviamente, junto com um crescimento do negócio, com a evolução da empresa.
Hoje, nós temos uma atuação muito forte na Amazônia através da compra de castanhas-do-pará diretamente dos extrativistas. Já deixamos mais de R$ 3,5 milhões nas mãos dos extrativistas nos últimos três anos em um projeto chamado “Origens Brasil”, uma parceria com a ONG Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola). Agora, começamos a comprar castanha-de-caju da instituição “Amigos do Bem”, que faz um trabalho maravilhoso no sertão nordestino. Construir uma cadeia de valor compartilhado e conseguir levar empreendedorismo e impacto para essas regiões tão vulneráveis do país faz parte dessa minha missão pessoal. Com certeza eu tenho uma jornada grande pela frente. Tem muita coisa para fazermos.
Nós, privilegiados, temos a responsabilidade de fazer algo diferente pelo nosso país. Precisamos pensar de uma forma construtiva para que a gente consiga reduzir essa desigualdade abissal que a gente vive. Eu digo até que nós temos um passo anterior à redução da desigualdade: precisamos aumentar a nossa dignidade social. Não deveríamos sossegar até tornar mais digna a vida das pessoas. Então, acho que esse é o meu legado. Essa é a minha marca pessoal. Se eu conseguir deixar um pouco de contribuição para a construção de um país melhor, ao mesmo tempo em que construo e desenvolvo um legado empresarial para a minha família, com certeza vou ser muito feliz.
*No próximo dia 9 de setembro, vai ao ar a quarta entrevista da série, com Gabriela Baumgart, da terceira geração do Grupo Baumgart
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