A história de sucesso precoce é conhecida: sem saber falar o idioma, aos 19 anos de idade ele se tornou um exímio vendedor de cursos para uma rede de escolas de inglês no Rio. Neto de lavadeira, filho de mãe professora e pai militar de baixa patente, Flávio Augusto da Silva levava mais de duas horas em ônibus e trens lotados para ir de sua casa, na periferia, até o trabalho, na região central. A escola não tinha telefone para todos os vendedores (uma linha custava US$ 3.500). Ele fazia do Aeroporto Santos Dumont seu escritório. Do orelhão, ligava para os potenciais alunos (“A pessoa do outro lado ouvia aquele ‘Dim-dom: senhores passageiros com destino a não sei onde…’ Era chique”, brinca.)
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Em 1995, aos 23 anos, casado e cheio de crediários para pagar (apesar das boas comissões que já ganhava
como diretor de vendas), decidiu montar seu próprio negócio. Para isso, usou R$ 10 mil de seu cheque especial e mais os R$ 10 mil de sua mulher (com juros de 12% ao mês) para alugar e reformar uma sala, contratar professores (ele continuava uma negação no idioma) e dar início àquela que seria sua galinha dos ovos de ouro até hoje, a rede Wise Up.
“No primeiro ano, consegui botar lá mil alunos. No oitavo mês, abri a filial na Avenida Paulista, em São
Paulo, num espaço que custava US$ 16 mil por mês. Nessa escola coloquei 1.500 alunos no primeiro ano – e faturava US$ 500 mil por mês”, lembra. Em três anos, somava 24 escolas próprias. No ano 2000, implantou o modelo de franquias e chegou a 396 unidades. Em 2013 vendeu a rede para a Abril Educação por R$ 877 milhões (valor posteriormente corrigido para R$ 960 milhões). “Depois de 18 anos trabalhando intensamente até 14 horas por dia, achei que tinha encerrado meu ciclo nesse negócio e decidi tirar um período sabático. Nessa época, por questões de segurança, já estávamos morando nos Estados Unidos.” Nesse sabático fundou o meuSucesso.com (curso online de empreendedorismo) e comprou o time de futebol Orlando City por R$ 200 milhões – no ano passado, vendeu uma fatia que levou a avaliação do clube a R$ 2 bilhões.
“Dois meses depois da venda da Wise Up para a Abril, Roberto Civita morreu. E os filhos não tiveram interesse em dar continuidade, começaram a focar mais na venda do que na gestão. Então o negócio deteriorou. Para piorar, a economia como um todo deteriorou”, lembra. No fim de 2015, recomprou a empresa por R$ 390 milhões. “Ficou aquele clima de ‘aí tem’, mas o Ebitda era menos da metade de quando eu vendi”, justifica. Dois anos depois, Flávio vendeu uma fatia de 35% para outro gigante do ramo de escolas de idiomas, Carlos Wizard. Colocou mais R$ 200 milhões no bolso.
Flávio concedeu a entrevista a seguir na tarde de 12 de abril nas dependências do Hotel Fasano, em São Paulo, enquanto comia (e me oferecia) torradas sem glúten (“Desde que cortei o glúten da alimentação, eu me sinto muito melhor. Faça isso para ver se suas dores de cabeça não melhoram”, prescreveu-me). Ao mesmo tempo, assinava os últimos documentos de seu mais recente deal: a venda, também por R$ 200 milhões, de uma fatia estimada em 20% da Wiser Educação, holding dele e de Wizard que reúne as marcas WiseUp, NumberOne, meuSucesso. com e Buzz Editora, para o fundo de private equity Kinea Investimentos, do Itaú Unibanco. O dinheiro será usado para fazer a Wiser chegar a mil escolas – e uma valuation de R$ 3 bilhões.
"Eu estava com 18 anos e tinha começado a namorar uma menina do bairro. Apaixonado, pensei: ‘Preciso ganhar meu dinheiro’"Sua incrível capacidade de “fabricar” dinheiro atrai também fãs e seguidores – são 5 milhões em suas redes sociais. Seus livros são invariavelmente best sellers. E em cada uma de suas sempre lotadas palestras chega a faturar R$ 3 milhões. Apesar de tantas conquistas, ele fala em abandonar a carreira de empresário daqui a três anos. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
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Forbes: Sua história (do rapaz que veio da periferia e construiu um império) é conhecida por muita gente. O que mais gosta de ressaltar nessa trajetória?
Flávio Augusto: Para os mais jovens, gosto de falar sobre as dificuldades típicas do começo da vida, as incertezas. Eu, por exemplo, queria ser militar, estudei três anos para entrar no Colégio Naval. Para uma família de classe média baixa, a carreira militar era uma opção de futuro estável. Finalmente consegui passar, mas depois de dois anos fui expulso. Perdia a hora, não fazia a barba direito… Percebi que não cabia no modelo militar. Eu era muito indisciplinado, inquieto, insubordinado. Talvez essas características fossem indícios de um perfil empreendedor, mas eu ainda não sabia.
F: O que aconteceu depois?
FA: Fiz o terceiro ano numa escola pública (sempre estudei em escola pública) e entrei na Universidade Federal Fluminense, no curso de ciência da computação. Mas antes de começar a faculdade arrumei um bico como vendedor num curso de inglês. Eu estava com 18 anos e tinha começado a namorar uma menina do bairro, de 15 anos – a Luciana, com quem estou casado há 26 anos. Apaixonado, pensei: “Preciso ganhar meu dinheiro”. Comecei vendendo relógios e aí fui vender o tal curso de inglês, sem registro nem salário fixo, só comissão.
F: Essa foi sua “faculdade”, então…
FA: A faculdade mesmo eu abandonei. Nessa escola [que se chamava MnemoSystem e chegou a ter 30 unidades na década de 1990] eu fiquei quatro anos e cheguei a diretor de vendas, sendo responsável por 620 novas matrículas por mês. Ou seja, eu fazia mais de 7 mil matrículas por ano! Para um cara de 23 anos eu ganhava bem – em 1994, como o dólar estava 1 para 1, eu ganhava US$ 7 mil. Isso dava uns cem salários mínimos. A essa altura, a Luciana já era minha mulher fazia três anos (eu casei com 20 e ela com 17 anos).
Eu a levei para trabalhar na área administrativa da escola, tipo um estágio. Só que, apesar de ganhar bem, a gente tinha muitas dívidas: aluguel, prestação do carro (que era altíssima), da geladeira, do sofá, crediários para todo lado…
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F: Mesmo assim você decidiu montar seu próprio negócio. Não ficou com medo?
A gente precisou pegar R$ 20 mil de cheque especial no banco para montar a Wise Up. Foi um momento em que precisamos ter muita coragem.
F: Você sabia exatamente o que estava fazendo?
FA: Sim, a decisão de sair foi quando eu acreditei que podia ter meu próprio negócio – e, enquanto era vendedor, eu via o movimento da quebra dos monopólios, de empresas estrangeiras começando a entrar no Brasil. Percebi que logo ia surgir um público que tinha mais urgência para aprender inglês, que era o profissional adulto. Até então, as escolas eram voltadas para crianças e adolescentes, com duração de cinco, sete anos. Esse conceito era tão novo que foi visto quase como um charlatanismo – você ter um curso rápido, de 18 meses, para ensinar as pessoas a se comunicar em vez de formar professores.
F: Como foi o começo?
FA: Aluguei um andar na Rua da Alfândega, no Centro do Rio, de 137 metros quadrados. Aluguei sem ter alunos, sem ter fiador… Achei um maluco que topou me alugar na confiança. Aqueles R$ 20 mil. mal davam para dar uma guaribada para deixar o lugar mais limpinho, para pagar os 20 funcionários (entre vendedores, professores etc.), e ainda tinha o aluguel, o IPTU, meu salário, o aluguel da minha casa… A gente tinha que vender. No primeiro ano consegui botar lá dentro mil alunos. No oitavo mês, abri a filial em São Paulo, na Avenida Paulista. Aí eu já estava ganhando uns US$ 50 mil por mês. Lembro que o aluguel era de US$ 16 mil por mês, e o dono me alugou sem fiador baseado na história de sucesso do Rio. E ainda deu três meses de carência. Chegamos a 1.500 alunos no primeiro ano, com faturamento de US$ 500 mil por mês. Em três anos já tínhamos 24 escolas próprias e mais de mil funcionários.
F: A venda da Wise Up para a Abril e sua recompra poucos anos depois, por um valor muito menor, deu pano para manga, não?
FA: Eu vendi e recomprei pelo valor que a empresa tinha no mercado naqueles momentos, nada mais, nada menos. Quando peguei a empresa de volta, tive que aportar US$ 16 milhões nos dois primeiros meses. Algum gênio tinha passado todas as cobranças de cartão para boleto, o que fez a inadimplência explodir – estava em 42%. Ou seja: o material didático era entregue, recolhíamos os impostos… e não recebíamos o pagamento. Foram três anos trabalhando intensamente outra vez para deixar a empresa saudável de novo. Reassumi com 250 escolas e hoje estamos com 420. Crescemos mais de 50% no ano passado, o faturamento foi em torno de R$ 500 milhões. Neste primeiro trimestre, estamos 62% acima do 1T18. A empresa está melhor de quando vendemos pela primeira vez.
F: E agora você acaba de vender uma fatia do grupo.
FA: Depois de seis meses de uma profunda diligência na empresa, o fundo Kinea pagou R$ 100 milhões por uma fatia minoritária do grupo Wiser. Eu continuo no controle e vou ocupar a presidência do Conselho de Administração.
F: Por que pegou esse dinheiro? Precisava?
FA: O principal motivo é preparar a empresa para um IPO daqui a dois ou três, quando esperamos atingir uma avaliação de R$ 3 bilhões, triplicando nosso valor atual. A universidade corporativa
que acabamos de criar vai ajudar muito nesse objetivo. Por meio dela quero abrir 300 escolas nesses três anos, que vão se somar às aquisições e à expansão orgânica. A meta é chegarmos a mil – faltam 580.
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F: O que é essa universidade corporativa?
FA: No dia 22 de abril, inauguramos o que estou chamando de universidade corporativa ou universidade da matrícula em um coworking na Vila Olímpia, em São Paulo. A primeira turma tem 25
pessoas; a segunda, que começa no dia 1º de julho, vai ter 40. A finalidade é treinar novos franqueados.
Já temos um centro de treinamento, mas aqui a novidade é que o candidato a franqueado que for aprovado vai receber de nós os R$ 400 mil ou R$ 500 mil que são necessários para abrir uma unidade (depende da cidade). Ele terá cinco anos para devolver esse dinheiro, com seis meses de carência e juros de 8% ao ano. Nessa iniciativa vamos investir R$ 120 milhões.
F: Você é uma celebridade nas redes sociais, junto ao público mais jovem. A que atribui isso?
FA: Tenho 5 milhões de seguidores. Fiquei mais conhecido pelo Geração de Valor, iniciativa pela qual toda a receita vai para projetos sociais. Eu era um cara pobre, que andava de ônibus lotado, que dali a pouco fez sucesso, comprou um time de futebol nos Estados Unidos, construiu um estádio… A juventude da internet acabou se identificando comigo.
F: Até onde vai seu envolvimento com filantropia?
FA: Além do Instituto Geração de Valor, somos fundadores e apoiadores do Instituto Gerando Falcões. Um de nossos projetos é a reconstrução de escolas públicas em lugares carentes. Até 2022, quando eu completar 50 anos, vou encerrar minha carreira como empresário. Talvez eu tenha até lá uns R$ 3 bilhões ou R$ 4 bilhões de patrimônio líquido e vou ocupar meu tempo fazendo o que gosto: impactar as pessoas pela educação, criar novos empreendedores. Vou me dedicar full time à filantropia.
Reportagem publicada na edição 67, lançada em maio de 2019
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