Três anos já se passaram e as viúvas do imposto sindical ainda choram a sua extinção. O luto é compartilhado até por quem não deveria ter, nele, qualquer interesse. Uma dirigente de associação nacional de juízes, por exemplo, em artigo publicado na imprensa há poucos dias, repetiu o discurso conhecido de que “a supressão das contribuições compulsórias(…) serviu tão somente ao enfraquecimento dos sindicatos”, e assegurou que o imposto funcionava de modo “harmônico” em uma estrutura “coerente”.
Bem, a harmonia e coerência rendiam ao sistema sindical mais de R$ 3 bilhões por ano, até que o fim da obrigatoriedade trouxe uma brusca queda na sindicalização. Segundo dados divulgados pelo IBGE na semana passada, de 2017 para cá já são menos três milhões de trabalhadores sindicalizados (21,7% do total). O choro, portanto, é compreensível. Não é, contudo, inofensivo.
A reforma trabalhista foi a responsável por tornar voluntária a contribuição sindical que até então era obrigatória (tanto que apelidada de “imposto”), igualando finalmente o Brasil ao resto do mundo quanto ao tema. A partir de então, a lei passou a prever que a contribuição seria descontada do salário do trabalhador apenas se este formalmente consentisse. Provocado, o STF chancelou integralmente a mudança, com a lembrança de que “a garantia de uma fonte de custeio, independentemente de resultados, cria incentivos perversos para uma atuação dos sindicatos fraca e descompromissada.”
Os enlutados, entretanto, são tenazes e criativos. Sem sucesso em obter o afastamento da norma pelo STF, eles se empenharam em estabelecer uma interpretação canhestra da lei, segundo a qual a autorização individual do trabalhador para o desconto em folha poderia ser substituída por uma autorização “coletiva” que, na prática, era estabelecida pelos próprios representantes sindicais em assembleias esvaziadas. Diante disso, em 2019, o Poder Executivo editou Medida Provisória para aperfeiçoar a redação legal e deixar claro que as contribuições sindicais estão condicionadas à formalização “prévia, individual e por escrito” do trabalhador. Embora essa MP tenha perdido vigência, o STF mais uma vez entrou em campo e fez consolidar o entendimento de que é, de fato, indispensável a autorização individual do pagante para o desconto da contribuição sindical.
No fim do ano passado houve outra tentativa, agora deliberada e direta, de se fazer renascer o falecido imposto. Lideranças sindicais articularam a apresentação de projeto de emenda constitucional que criava um suspeito “Conselho Nacional de Organização Sindical”, dando-lhe competência constitucional de deliberar acerca de “formas de financiamento sindical”, ou seja, uma carta branca para a instituição de novas taxas ou contribuições obrigatórias. Contudo, a pressão da imprensa e da opinião pública — a PEC foi logo apelidada de “PEC Soviete” — levou à desistência da investida.
Os atentados à liberdade de financiamento sindical não cessaram nem mesmo neste atípico 2020. No começo do ano, quando os acordos coletivos de redução de jornada e salário tornaram-se medida indispensável para enfrentamento da paralisação econômica, não foram poucos os sindicatos que se puseram a cobrar “taxas” e “contribuições” diversas para autorizá-los.
Como se vê, portanto, o luto das viúvas serve a um propósito: pautar permanentemente o debate público, de modo a tentar emplacar o retrocesso. E a verdade é que, em matéria de representação sindical, deveríamos já ter tido mais progresso. Isso porque o Brasil ainda deve aos seus trabalhadores uma reforma sindical ampla.
Adotamos, há mais de setenta anos, o princípio da unicidade sindical, segundo o qual apenas um sindicato por localidade pode representar determinada categoria. Trata-se de um sistema que estimula o sindicalismo não representativo, acomodado e politizado pelo controle estatal. Baseado no monopólio, o modelo tende a asfixiar o trabalhador, em lugar de dar-lhe voz.
Seria preciso, portanto, completar a transição e instituir a pluralidade sindical preconizada pela própria Organização Internacional do Trabalho. Em um ambiente de saudável concorrência, o sindicato teria de se esforçar para ser o eleito a representar determinado grupo. Nesse regime de ampla liberdade, associação e financiamento sindicais, caberia ao trabalhador apenas escolher o ente sindical mais apto a representá-lo e a melhor maneira de sustentá-lo. Para isso, no entanto, é preciso tampar os ouvidos para o choro das viúvas.
Ana Fischer é juíza do Trabalho da 3ª Região. Integrou a comissão de redação da Reforma Trabalhista e de outras normas legais. É uma das coordenadoras do GAET – Grupo de Altos Estudos do Trabalho do Ministério da Economia.
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