Nos últimos dois anos, a agenda ESG ganhou relevância em ritmo bastante interessante. Com a crise desencadeada pelo evento pandêmico, o estabelecimento de uma agenda de negócios que dê tangibilidade ao imaterial do ESG se tornou tema central nas discussões de boards e comitês executivos. Divididos entre entusiastas, céticos e ativistas, os agentes que estão promovendo o tema contam com uma infinidade de argumentos para todos os gostos.
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Fato é que independentemente do grupo no qual você se encontre, conhecer o impacto e desdobramentos da agenda é imperativo, afinal de contas, é na agenda do CEO e dos integrantes do comitê executivo que ESG ganha materialidade. Minha contribuição hoje é para desmistificar alguns ruídos em torno do Social, com a finalidade de oferecer maior repertório para um advocacy genuíno notadamente na agenda de Diversidade, Equidade e Inclusão.
Como mencionado acima, a pandemia apresentou inúmeros e novos desafios para as empresas, mudando para sempre, por exemplo, a forma como trabalhamos. Mas não apenas isso, a pandemia mudou a forma como enxergamos o mundo, a sociedade, o planeta, as pessoas, e transformou nossos valores. Os clientes se comportam de forma diferente, nossos fornecedores e parceiros de negócios se conectam a nós e nossa marca por vias muito mais complexas do que apenas a do impacto financeiro e nos lucros. Portanto, ao mesmo tempo em que precisamos estar atentos a métricas de desempenho mercadológico, devemos desenvolver novas habilidades capazes de avaliar o impacto de nossas ações na promoção de uma sociedade mais justa para todas as pessoas.
Investidores ávidos por resultados que demonstrem com clareza a conexão entre os investimentos ESG e lucratividade se juntam ao grupo daqueles que pressionam pela divulgação pública de dados relacionados à agenda. Porém, como tangibilizar as ações promovidas em Diversidade, Equidade e Inclusão, quando o assunto sequer faz parte de discussões estratégicas nos boards e muitos de nós ainda estão patinando na complexidade do tema?
Considerando que a agenda de sustentabilidade e meio ambiente já tem lugar cativo nas discussões dos boards e a necessidade de investimentos na área já se tornou ponto pacífico, comece lembrando que as mudanças climáticas são um problema social. Problemas ambientais aceleram os problemas sociais e vice-versa. Questões ambientais afetam de maneira desproporcional pessoas negras, indígenas e outras comunidades que estejam vivendo em vulnerabilidade social, afetando não apenas a qualidade de vida, mas também a saúde mental dessas pessoas.
Como embaixadores da cultura da organização e guardiões das agendas estratégicas, os integrantes de comitês executivos – presidentes e vice-presidentes – têm o papel fundamental de apresentar ao board, shareholders e stakeholders a transversalidade de temas que ajudarão a mover a curva da desigualdade social com argumentos sólidos que demonstrem a interconexão das agendas ESG. Meio ambiente, sociedade e governança são agendas que não podem estar desconectadas entre si, pois são essencialmente parte da estrutura da agenda estratégica das companhias.
Quando buscamos reduzir a pobreza ou trabalhamos a inclusão, estamos olhando não apenas para o fator humano, mas também para as implicações no entorno. Quando pensamos nas siglas E (enviroment) e S (social) em conjunto, temos a possibilidade de, em uma ação estratégica bem elaboradora, impactar ambas as agendas concomitantemente. Vejamos, por exemplo, a questão do saneamento básico no Brasil, de acordo com o ranking do saneamento de 2021 realizado pelo Instituto Trata Brasil, o Brasil não trata metade do esgoto que gera e, com isso, joga na natureza o equivalente a 5.300 piscinas olímpicas de detritos sem tratamento diariamente.
Em decorrência desse problema de ordem pública, segundo a Associação Brasileira de Engenharia Sanitária (ABES), no primeiro trimestre de 2020 o Brasil registrou mais de 40 mil internações no Sistema único de Saúde (SUS) por doenças relacionadas à falta de infraestrutura de saneamento básico, sendo certo que, se 100% da população tivesse acesso à coleta de esgoto, esse número cairia expressivamente. O impacto negativo atinge diretamente o mercado de trabalho: trabalhadores sem acesso à coleta de esgoto ganham salários, em média, 10,1% inferiores aos daqueles que moram em locais com coleta de esgoto.
Se todas as pessoas brasileiras tivessem acesso a saneamento básico haveria um incremento superior a R$ 88,00 por mês na renda média dos trabalhadores. Essa elevação na massa de salários do país possibilitaria um acréscimo nos pagamentos de R$ 105,5 bilhões por ano, o que seria traduzido em maior desenvolvimento humano e consequente incremento no PIB.
Se olharmos com lupa veremos que essa população é massivamente negra, ou seja, a ausência de saneamento básico é componente do racismo ambiental dentro da nossa sociedade que é estruturalmente racista. Entender a interconexão entre essas problemáticas é atuar ativamente para a promoção de uma agenda social efetiva que extrapola o senso comum que faz coro ao defender diversidade dentro do pilar social como uma agenda exclusivamente voltada para o acesso ao mercado de trabalho por pessoas de grupos historicamente minorizados.
O papel do comitê executivo numa agenda social em ESG é garantir que o tema seja debatido com a profundidade e complexidade que ele demanda, como no caso em comento. Não é possível olharmos o meio ambiente sem desdobrarmos o impacto de sua degradação na vida de comunidades específicas, e para isso somente uma governança forte e atuante é capaz.
Diversidade, Equidade e Inclusão nas organizações formam uma agenda estratégica que atravessa negócios, pessoas e risco. DE&I como área está relacionada à própria função social da empresa, bem como à ética organizacional e impactos ESG.
DE&I não é uma causa, não é uma pauta e não é voluntariado. É portanto, agenda transversal de múltiplos impactos e entre eles, mitigar os efeitos da ampliação da desigualdade social causados pela própria natureza da atividade empresarial.
Ana Bavon é advogada especialista em Direitos Civis e membra da Comissão de Ética, Diversidade e Igualdade do IBDEE. Especialista em estratégias de Inclusão e Gestão das Diversidades nas Organizações na B4People Cultura Inclusiva, onde é CEO.
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