Uma pesquisa sobre saúde mental no trabalho conduzida pela plataforma de conhecimento sobre gestão de pessoas Think Work com apoio da Pipo Saúde, ilustra a situação atual. Enquanto 21% dos 640 participantes afirmaram se sentir bem na maioria dos dias (na pesquisa de 2022, o percentual era 36%), 42% disseram se sentir mal em alguma medida: às vezes, na maioria dos dias, ou todos os dias. Crises emocionais foram vividas por 44% das pessoas nos últimos três meses, e os respondentes relataram ter mais dores, mais estresse, mais irritação e ansiedade no último ano.
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Diante deste cenário, os dados sugerem que a ação das organizações ainda é incipiente. Enquanto 36% dos respondentes disseram ter acesso a programas de apoio para a saúde mental/emocional, 46% disseram não ter acesso a um programa do tipo, e 18% não sabe se tem direito a apoio. Entre as companhias que oferecem este tipo de serviço, há também um problema de adesão: a vasta maioria (76%) diz que nunca participou de programas de saúde mental, o que sugere que há um tabu entre as pessoas sobre a questão.
Rumo Futuro: O que podemos inferir sobre o sofrimento das pessoas no trabalho com base nos dados da pesquisa?
Tatiana Sendin: Notamos que houve uma melhora em certos fatores de saúde física e psicológica em relação ao ano anterior: por exemplo, 51% disseram que os relacionamentos amorosos, familiares e de amizade melhoraram, e o consumo de álcool, cigarro e drogas também diminuiu. Por outro lado, o nível de estresse, cansaço e irritação piorou para 39% das pessoas.
Seria correto afirmar que as pessoas estão sofrendo mais no trabalho, mas não dá para culparmos somente o trabalho como principal causa, apesar de ele ter uma contribuição importante para este sofrimento. Existem vários problemas pessoais no meio de tudo isso. A tecnologia também aumenta nosso desgaste físico e mental, e está muito atrelada ao trabalho. Além disso, aumentamos nosso tempo de tela em atividades que não tem a ver com o trabalho, como ler no Kindle. A tecnologia é parte significativa da nossa vida e de certa forma, isso também contribui para essa piora da saúde mental.
RF: O que você enxerga como as principais tendências em termos de benefícios ou políticas que garantam a saúde mental das pessoas no futuro, e quais serão os principais desafios para as empresas chegarem lá?
TS: Hoje o mercado de RH ainda funciona muito com benchmarks, mas deveriam investir mais [em saúde mental] com base no que os funcionários pedem. Em vez de focar na doença, também deveriam focar no bem-estar das pessoas: um vale cultural, atividade física, um dia de folga, seja para o aniversário do filho, da própria pessoa, ou mesmo uma folga no mês. Em Portugal, depois que as pessoas completam seis meses em um trabalho, elas têm direito a dois dias de folga a cada mês – imagina como isso influencia o bem-estar de um colaborador. Iniciativas assim ajudam a quebrar esse ritmo de exaustão em que as pessoas estão, e que tem pautado o trabalho hoje em dia.
A melhor forma de garantir a saúde mental das pessoas no trabalho será através de benefícios que ajudem as pessoas a descansarem, se desconectarem [do expediente]. Mas isso requer uma mudança cultural. Para que essa mudança aconteça, precisamos falar mais sobre saúde mental, bem-estar, equilíbrio emocional e acho que isso está começando a acontecer. A pandemia deu início a esta discussão, mas o debate vinha muito ligado ao “fator pandemia” – agora, a gente se aproxima mais de um ambiente de realidade em que a saúde mental não está mais ligada à Covid. Quanto mais esse tema for discutido, mais as empresas também vão entender o que os funcionários querem, e que poderia ajudar. O papel do líder, como essa pessoa age e se posiciona sobre o tema, também é muito importante.