Conheça os três primeiros negócios no Brasil apoiados pelo Black Founders Fund, do Google

28/09/2020
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Thiago Braziel, do Afropolitan: objetivo é ter 500 marcas nos próximos 18 meses

Cada vez que precisava de alguma coisa que não estivesse nas imediações da região periférica onde mora em Salvador, Iago Santos pedia ao primo, que sempre teve moto ou carro. “Eu brincava dizendo que ele era meu delivery”, conta o idealizador do TrazFavela, uma das três iniciativas apoiadas pelo fundo de investimentos para negócios criados ou liderados por negros no Brasil lançado pelo Google, no início de setembro, como parte do programa Google for Startups.

Em 2018, dois anos depois do falecimento do primo, Santos participou da Startup Weekend, onde apresentou sua ideia: um aplicativo de delivery que fortalecesse o comércio local, levando e trazendo produtos para as comunidades da capital baiana. “Na época, Salvador experimentava um boom de entregas, mas o local onde eu morava, São Caetano, não era contemplado”, explica. “Por outro lado, o comércio local é muito forte e poderia perfeitamente atender a outros bairros da cidade.” O projeto de Santos ficou em 3º lugar e, a partir daí, foi se transformando em realidade.

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A primeira encomenda do TrazFavela foi emblemática: em maio de 2019, o próprio Santos, de ônibus e metrô, levou 60 acarajés produzidos por uma baiana de uma comunidade vizinha ao centro histórico da cidade, para um evento. Com investimento seed e algumas acelerações, o serviço funciona atualmente no modelo B2B via WhatsApp – comerciantes que contratam os serviços do TrazFavela para atender seus consumidores. As entregas contemplam qualquer tipo de produto: de itens de sex shop a alimentos. “Não há restrição”, explica Ana Luíza Sena, sócia no empreendimento, que conta, ainda, com Marcos Silva, contando que a média mensal está entre 300 e 500 entregas, feitas por cerca de 40 entregadores de bicicleta, moto ou carro, convocados principalmente com a região. “Quanto mais próximo ele estiver do local de retirada, melhor”, diz a jovem empreendedora.

O aplicativo, que vai fazer o negócio ganhar escala e atender diretamente o consumidor final, está em desenvolvimento e deve entrar em operação nos próximos meses. O apoio do Black Founders Fund, do Google – que vai destinar R$ 5 milhões para 30 projetos, com valores variados distribuídos em função dos estágios de maturidade da startup e das suas necessidades atuais – vai servir justamente para finalizar a plataforma, recurso essencial para consolidar a presença da empresa em Salvador, e para ações de comunicação, marketing e operações. “Mas a nossa ideia é chegar a outras capitais”, diz Santos, dizendo que a prioridade é São Paulo, responsável por concentrar as maiores regiões periféricas da América Latina. “A proposta do TrazFavela é levar produtos da periferia para fora e de fora para a periferia, fazendo a ponte entre esses dois mundos.”

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Marcos Silva e Iago Santos, do TrazFavela: ponte entre as comunidades e os centros

AFROEMPREENDEDORISMO COLABORATIVO

Em 2018, aos 22 anos, o carioca Thiago Braziel deixou Volta Redonda para atuar voluntariamente na Educafro, ONG que luta pela inclusão de negros e pobres nas universidades, públicas e privadas (com bolsa), para empoderar e propiciar mobilidade social para a população afro-brasileira.

“Minha convicção era atuar em questões públicas e coletivas, até que, no final do ano, participei de uma reunião da entidade sobre afroempreendedorismo com o professor Hélio Santos [doutor em administração pela Universidade de São Paulo] e Hasani Damazio [referência no assunto e investidor-anjo]. Foi a primeira vez que vi um executivo brasileiro, negro e bem-sucedido na minha frente”, conta Braziel.

A empatia foi imediata e, no final do encontro, Damazio entregou seu último cartão de visitas ao jovem estudante. Os bate-papos ao longo dos três meses seguintes acabaram se transformando em uma relação de mentoria, até que Braziel foi convidado para assumir a Afropolitan, um e-commerce que funciona como um ecossistema colaborativo para a distribuição e venda de produtos de moda e cultura afro no qual o empresário – que tem negócios nos quatro cantos do mundo – havia investido. Em meados do ano passado, Braziel assumiu o desafio de fazer o negócio decolar, atuando principalmente na operação comercial e na captação de novos parceiros.

Com uma loja física que expõe produtos de afroempreendedores que não têm espaço para isso no mercado “tradicional”, a Afropolitan faz a curadoria dos itens e trabalha para que os consumidores finais tomem conhecimento do que o povo negro tem produzido. “São empresas que faturam de R$ 12 mil a R$ 1 milhão por ano”, conta Braziel, que conseguiu expandir a atuação do negócio e hoje conta com um portfólio que agrupa uma centena de marcas brasileiras, duas da Colômbia e 16 africanas – estas últimas graças à uma parceria exclusiva com a Afrikrea, uma plataforma internacional que reúne mais de 5 mi empreendedores africanos que vendem seus produtos para 200 mil clientes norte-americanos e europeus. “Fizemos uma pesquisa no primeiro semestre e descobrimos que apenas quatro dos nossos afroempreendedores brasileiros tinham presença digital.”

O próximo passo foi, então, criar um e-commerce, que hoje vende itens de moda, livros, peças de decoração e produtos de beleza. “Nossa meta é ser o maior catálogo afro da América Latina, disponível inclusive em outras plataformas.” Mensalmente, cerca de 400 produtos são comercializados nos dois canais, físico e digital. O modelo de negócio é sustentado por taxas fixas mensais (nos dois ambientes), 25% sobre o faturamento (apenas no online) e contratos de 90 dias. Toda a parte logística, financeira e até de gestão fica a cargo do Afropolitan, por meio de aplicativos e outras soluções tecnológicas.

No ano passado, para impulsionar o negócio, Braziel participou do programa Start Zone, do Google, com mentorias duas vezes por semana para se adequar ao ecossistema, conhecer mais a fundo as ferramentas disponíveis e criar realmente um mindset de inovação. “Entramos uma empresa e saímos outra”, conta. Agora, com a seleção para o Black Founders Fund, os recursos da gigante de tecnologia – que não exige contrapartidas ou participação acionária – o objetivo é investir na expansão das vendas, visibilidade dos afroempreendedores, principalmente com campanhas de marketing e criação de conteúdo, e desenvolvimento de um sistema de gestão colaborativo mais eficiente. Tudo isso para, em 18 meses, chegar a 500 marcas.

LEIA MAIS: Especial Inovadores Negros: 20 creators que têm muito a dizer

“O Google acredita que as startups são um dos principais motores do crescimento econômico e da criação de empregos em suas comunidades. Porém, ouvimos constantemente de fundadores negros e negras que um dos principais obstáculo para o crescimento de seus negócios é o acesso ao capital, e em condições justas”, diz André Barrence, diretor do Google for Startups na América Latina.

Dvulgação

Nohoa Arcanjo e Rodrigo Allgayer, da Creators: menos atritos entre contratantes e contratados

MATCH ENTRE PROFISSIONAIS E EMPRESAS

A terceira startup selecionada, a Creators, busca estruturar o mercado freelancer no país em áreas criativas, como comunicação, e tecnologia, mudando a maneira como esses serviços são contratados. A ideia veio de Rodrigo Allgayer, egresso do mercado publicitário, que percebeu que muitos profissionais da área preferiam atuar com independência a manter vínculos com agências ou empresas. “No entanto, havia gaps estruturais na relação entre contratantes e contratados que poderiam ser solucionados por meio de uma plataforma, diminuindo o atrito entre os dois lados”, conta Nohoa Arcanjo. Formada em marketing, a jovem empreendedora também já havia detectado esses ruídos ao solicitar serviços nas empresas por onde passou.

Em funcionamento há cerca de três anos, a ferramenta da Creators já intermediou mais de 1 mil contratações, responsáveis pela geração de R$ 2,5 milhões. A startup usa algoritmos que identificam as habilidades requisitadas e em 24 horas promove um match entre profissional e cliente, fazendo a mediação da relação entre profissional e empresa contratante do início ao fim do projeto.

O processo conta com uma triagem dos cadastros recebidos, com checagem de portfólio, experiência profissional, redes sociais e outras informações e, uma vez aprovados, libera a participação nos pools de briefings. “Fazemos isso para garantir a fluidez na comunicação e na prestação dos serviços”, explica Nohoa, que é remunerada pelas empresas contratantes, que podem optar por um modelo de assinatura ou por transação. “Elas só vão receber propostas de profissionais disponíveis e interessados no projeto”, diz ela, explicando que a plataforma automatiza o contrato e também o sistema de pagamento.

Com 2 mil profissionais brasileiros cadastrados em 20 países, a Creators já atende 50 empresas, entre elas, Pernod Ricard, UOL e QuintoAndar. No ano passado, quando percebeu que estava crescendo, a startup partiu em busca de programas de aceleração e foi uma das selecionadas para três meses de mentoria do Startup Zone. Atualmente, além de fazer parte da atual turma de residência do Google, a Creators também está no Black Founders Fund. “Precisamos abrir mercado, contratar uma equipe de vendas e aumentar o número de clientes e esses recursos vão servir pra isso”, diz Nohoa, que aproveitou a pandemia para dar robustez à plataforma tecnológica e garante estar preparada para atender o aumento de volume que a pandemia deve acarretar.

“Ao investir em fundadores negros e negras no Brasil, ajudamos a corrigir uma falha no mercado de financiamento. Embora o valor do fundo não resolva todos os problemas da desigualdade sistêmica do nosso país, ele serve como um reconhecimento aos fundadores e parceiros de nossa rede de que estamos cientes e comprometidos em fazer nossa parte para lutar por mudanças significativas no ecossistema de startups”, finaliza Barrence.

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