Do início da corretora XP, em 2001, até o histórico IPO (sigla em inglês para Oferta Pública Inicial) que chacoalhou o mundo das finanças no dia 12 de dezembro, foram anos de trabalho árduo e desbravador, atraindo e moldando talentos para uma proposta inovadora: modernizar a arcaica mentalidade do brasileiro médio sobre o universo dos investimentos. Poucos bancos varejistas costumavam atender o público em geral de forma mais abrangente; a esse público eram oferecidos como opções de capitalização basicamente a caderneta de poupança e poucos outros investimentos de baixa rentabilidade. “No Brasil, a concentração bancária é maior que 90%. Eles são basicamente uma máquina de vendas e se importam pouco com os interesses dos clientes”, declarou à Forbes o fundador da XP, Guilherme Benchimol. Uma realidade absolutamente diferente de mercados mais desenvolvidos, a exemplo dos Estados Unidos, onde a cultura financeira da população abrange, inclusive, a aplicação em ações como planejamento de aposentadoria.
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Depois de ser demitido de uma dessas corretoras no Rio de Janeiro, há 18 anos, Benchimol seguiu para Porto Alegre com apenas R$ 10 mil na conta para a aventura mais disruptiva e bem-sucedida dos últimos tempos no mercado financeiro do país. Se o capital inicial era pequeno, seu poder de persuasão era inversamente proporcional. Isso foi fundamental para incorporar desde os primeiros funcionários (transformados em sócios como estratégia para permanecerem num empreendimento ainda de baixo orçamento) até a criação de uma rede de associados que abrange, hoje, 25% dos 1.500 colaboradores (entre corretoras e escolas de trading). Cada passo da XP Investimentos para atrair novos parceiros vinha como um convite para ingressar nessa nova geração de participantes do mercado e fazer a diferença na educação financeira oferecida à população, dando a ela a real e segura possibilidade de conquistar riqueza na bolsa de valores.
Ao longo dos últimos anos, a XP incorporou algumas de suas contemporâneas: a corretora Rico, dedicada a clientes com até R$ 300 mil investidos, e a Clear, voltada a um público mais profissional. Também precisou adiar os planos de abertura de capital após a aquisição de 49,9% de suas ações pelo Itaú Unibanco por R$ 5,7 bilhões, em 2017.
Enquanto isso, o número de pessoas físicas com CPF cadastrado em alguma corretora do país crescia expressivamente. Segundo dados da B3, em 2002, quando essa contagem teve início, eram pouco mais de 85 mil investidores; hoje mais de 1,5 milhão de pessoas investe na bolsa. Tamanha ascensão teve uma contribuição fundamental do trabalho de “formiguinha” de assessores de investimentos associados à XP ou a outras corretoras, além de estratégias de marketing da própria bolsa e a atuação de influenciadores digitais e da imprensa especializada.
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Usando esse cenário, Benchimol e seu time fizeram o road show de divulgação do IPO da XP em mais de 200 reuniões com investidores em várias cidades dos Estados Unidos. “Foram dias intensos, de reuniões ininterruptas, que começavam às 6h da manhã e terminavam à 10h da noite. Tivemos a oportunidade de conversar com americanos, asiáticos, europeus, árabes, para apresentar a história da XP, divulgar nossa tese e tirar dúvidas. Na verdade, eu não conseguia ter muita dimensão dessa jornada, só queria terminar uma reunião e partir para a seguinte”, revela Benchimol. “A ficha só começou a cair quando chegamos ao penúltimo dia e a gente viu que estava com uma demanda bem acima do que a oferta estava sendo feita”, recorda.
Todo esse empenho resultou em um sucesso estrondoso. O valor de pré-estreia da ação superou a faixa esperada pela empresa, de US$ 22 a US$ 25, e ficou em US$ 27. Já no início dos negócios, a valorização da ação XP Inc. na Nasdaq superava os 20%. No fim do pregão, custava US$ 34 (alta de 27%), captando US$ 1,155 bilhão para a companhia. O valor de mercado da XP ascendeu a US$ 19 bilhões, superando o do banco BTG Pactual (então em US$ 15,9 bilhões). No dia 23 de dezembro, a ação já valia US$ 39,23, e o valor da empresa superava os US$ 21,5 bilhões.
Motivos para comemorar não faltavam, e naquele dia a listagem da XP na Nasdaq teve ingredientes bem brasileiros acrescentados às convencionais celebrações de abertura de capital de outras empresas: o Tema da Vitória, que marcou as conquistas do piloto Ayrton Senna na Fórmula 1, além de um discurso emocionado de Benchimol, enrolado na bandeira brasileira: “A gente tem um milhão e meio de clientes e educou milhares de pessoas. Talvez meu maior mérito tenha sido dividir meu sonho com pessoas melhores do que eu. E a gente está só começando”. Sobre a esposa, as filhas e os amigos, declarou, com a voz embargada: “Eles estiveram presentes durante todo o tempo. Não podia deixar de compartilhar com eles esse momento incrível. São eles que me dão forças para continuar, seguir firme. A vida do empresariado brasileiro não é fácil. Escolhas precisam ser feitas. Trabalhar muito, chegar tarde em casa, viajar… A presença deles neste momento importante (…) mostra que tudo valeu a pena”.
Entre os amigos citados pelo CEO da XP estava Antonio Camarotti, CEO e publisher da Forbes: “Fiquei muito feliz de acompanhar esse momento histórico do Benchimol. Eu sei o duro que ele deu. Achei incrível ele levar os sócios, a família, as filhas”. Segundo Camarotti, ele repetia que a ficha não tinha caído: “Foi muito bonito a hora que ele se enrolou na bandeira. Estava com tanta adrenalina que mal sentia o frio que fazia – ele era o único de camiseta”.
A trajetória de Guilherme Benchimol e da XP Investimentos foi o destaque da edição 66 da Forbes, em 2019, que teve o CEO na capa. A história também deu origem ao livro “Na Raça”, lançado poucos dias antes do IPO, em meio a uma forte campanha publicitária da empresa.
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No Brasil, mesmo entre corretoras concorrentes, o clima foi de entusiasmo com a conquista da XP, considerada um marco no mercado acionário brasileiro (embora a oferta pública tenha sido realizada nos EUA). “É o Brasil que está sendo representado lá fora, e isso beneficia todos aqui”, afirma Pablo Spyer, diretor da Mirae Asset, em São Paulo. “O mundo está de olho no Brasil, e os investidores estrangeiros estão mais atentos ao nosso potencial”, analisa.
A escolha da Nasdaq para a abertura de capital, em vez da bolsa brasileira, levantou especulações de que houve uma busca por vantagens fiscais, segurança jurídica e maior liquidez para a estreia das ações. Em nota divulgada em sua conta pessoal no Instagram, Guilherme Benchimol informou que a legislação brasileira atual limitaria a emissão de novas ações e, ao mesmo tempo, a manutenção do controle da empresa. “No Brasil não existe a opção do super voting. Você só consegue controlar uma companhia com 25% do capital total, desde que essas ações sejam todas ordinárias. Nos Estados Unidos, com o super voting, você pode manter o controle com até 10%. Mesmo com nossos sócios, que começaram a entrar desde 2010, a gente continua com mais de 25% da empresa. No Brasil, correríamos o risco de ficarmos perto do limite de perder o controle, o que não faria sentido”, justifica Benchimol.
E qual pode ser a ambição de alguém que chegou ao topo do mundo? “Meu maior desafio agora é manter a cultura da empresa. Não é sobre o que vamos lançar, e sim garantir que todos tenham os nossos valores: sonho grande, mente aberta e espírito empreendedor.”
OS NÚMEROS DA XP
18 ANOS NO MERCADO
R$ 350 BILHÕES SOB CUSTÓDIA
US$ 21,5 BILHÕES VALOR DE MERCADO EM 23/12/2019
Reportagem publicada na edição 74, lançada em janeiro de 2020
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