Essas reuniões regulares semanais, que também são transmitidas simultaneamente para Nova York, São Francisco, Singapura e qualquer outro lugar em que os 7 mil funcionários estejam, são uma tradição quase sagrada da Stripe, a empresa de pagamentos que Collison cofundou com seu irmão mais velho, Patrick, em 2010.
Com Patrick ausente para se casar, cabe a John, de 31 anos e com uma mecha de cabelos grisalhos, responder às perguntas.
Controvérsias podem surgir: há uma “confusão” acontecendo no Twitter esta semana. A Stripe foi acusada em uma série de tweets (já excluídos) de Zachary Perret, o bilionário cofundador da fintech Plaid, de se encontrar com a empresa sob falsos pretextos apenas para construir uma ferramenta de software e disputar o mesmo mercado.
Patrick, o CEO de 33 anos da Stripe, interrompeu sua lua de mel para escrever uma carta aberta a toda a empresa (mais tarde compartilhado publicamente) alertando que tal escrutínio – e interpretações pouco generosas dos motivos da Stripe – só aumentarão com o tempo.
John, o presidente da Stripe, está se preparado para o pior. Mas a pergunta feita por um dos funcionários é sobre outra coisa. Chamar um novo produto de “Conexões Financeiras” é um sinal de que a Stripe passará a usar nomes “sem graça” a partir de agora? É uma pergunta séria.
“Vamos competir com um monte de empresas e faremos parceria com outras tantas”, diz John, com um encolher de ombros. “Todo mundo só precisa ser adulto e entender isso.”
Mesmo assim, esses “testes” da reputação ética da Stripe, como Patrick chama os incidentes que têm o potencial de borbulhar na imprensa, só se tornarão mais comuns à medida que a Stripe fizer a transição de “startup queridinha” para gigante tecnológica.
A empresa, com sede dupla em São Francisco e Dublin, processou US$ 640 bilhões (R$ 3 trilhões) em pagamentos no ano passado em 50 países. Sua receita bruta, que ainda vem dos 2% a 3% que a empresa cobra sobre esse volume, atingiu quase US$ 12 bilhões (R$ 56,4 bilhões) em 2021, segundo fontes com conhecimento das finanças da startup, um aumento anual de cerca de 60%.
Os resultados surpreendentes explicam por que investidores, incluindo Fidelity e o fundo soberano de desenvolvimento da Irlanda, investiram mais US$ 600 milhões (R$ 2,8 bilhões) na Stripe em março de 2021, o que elevou o aporte total já feito na startup para US$ 2,4 bilhões (R$ 11,2 bilhões) e rendeu uma avaliação de US$ 95 bilhões (R$ 446,5 bilhões).
Isso coloca a Stripe atrás apenas da Bytedance, proprietária do TikTok, da gigante chinesa de comércio eletrônico Shein e da SpaceX de Elon Musk pelo título de startup mais valiosa do mundo. A Forbes estima que Patrick e John Collison possuem cerca de 10% da Stripe cada um, o que lhes dá um patrimônio individual estimado em US$ 9,5 bilhões (R$ 44,6 bilhões).
Os Collisons percorreram um longo caminho desde os garotos-prodígios precoces que, mais de uma década atrás, impressionaram o Vale do Silício com apenas nove linhas de código – era tudo o que os desenvolvedores precisavam para permitir pagamentos com cartão de crédito em seus sites.
Eles também preenchem pessoalmente “registros de atritos” sobre quaisquer erros operacionais que encontraram usando a Stripe e, no caso de Patrick, voltam a dar uma olhada no próprio código.
“Não somos um negócio glamoroso, apenas uma empresa de infraestrutura e esperamos ser capazes de levá-la adiante por um longo tempo”, diz Patrick, seu cabelo ruivo curto descolorido pelo sol após sua rara semana de folga. “O escopo do trabalho não muda isso.”
O trabalho é mais difícil hoje do que há um ano, quando a maior dúvida sobre a Stripe era quando ela finalmente abriria capital. A pandemia, uma guerra brutal na Europa, uma crise global de energia e uma cadeia de suprimentos quebrada mudaram tudo.
Como empreendedores de todos os lugares, os Collisons devem navegar por esse novo normal sem desacelerar. Eles estão empurrando a Stripe para novos mercados no Sudeste Asiático e no Oriente Médio, ao mesmo tempo em que lançam novos produtos, como uma loja de aplicativos e um serviço de criptomoedas para produtores de conteúdo de redes sociais.
Os irmãos estão desenvolvendo produtos para levar a Stripe mais a fundo no fluxo financeiro de empresas e seus clientes. Eles começaram a intermediar empréstimos para pequenos negócios e a emitir cartões de crédito corporativos. Há rumores de que estão explorando áreas inteiramente novas, como contabilidade. E estão tentando fazer tudo isso diante de uma concorrência cada vez mais arrojada, ao mesmo tempo em que satisfazem novos clientes corporativos exigentes, como Ford e Maersk.
“As empresas que não precisam se esforçar tanto ficam um pouco preguiçosas”, diz John Collison. “Ainda temos uma lista quatro vezes maior das coisas que gostaríamos de fazer.”
Em março, a Fidelity, que é obrigada por lei a publicar o valor de suas participações, reduziu a Stripe em 20%. A maioria dos unicórnios – startups avaliadas em US$ 1 bilhão (R$ 4,7 bilhões) ou mais – está sendo negociada nos mercados secundários com descontos de 20% a 40% em suas últimas rodadas de capital de risco.
Mas as ações da Stripe continuam difíceis de serem obtidas por novos investidores e estão em alta demanda, com transações recentes implicando uma avaliação de até US$ 165 bilhões (R$ 775,5 bilhões) feita pela EquityZen, um marketplace para ações pré-IPO.
Os concorrentes mais próximos da Stripe que têm capital aberto, como Adyen, PayPal e Square, caíram mais de 40% no acumulado do ano. Os Collisons não têm pressa de se juntar a essa multidão. Mas se há alguma empresa de tecnologia capaz de se sair bem com um IPO nesse mercado é a Stripe, diz o analista Jordan McKee, da 451 Research.
Internamente, os Stripes, como são chamados os funcionários, adoram compartilhar uma estatística de um estudo recente do FMI que concluiu que apenas 12% dos gastos mundiais acontecem online. Essa é a escala da oportunidade. “Há um mundo enorme lá fora”, diz Patrick. “Nossa meta é fazer crescer o PIB da internet.”
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Pelo menos dois condados irlandeses reivindicaram os Collisons como histórias de sucesso desde a adolescência. Seus pais, engenheiros treinados, administravam um hotel à beira do lago em County Tipperary, onde os meninos frequentavam a escola de imersão e aprendiam a falar irlandês e a programar em casa; depois, eles frequentaram a escola secundária no Condado de Limerick.
Aos 17 anos, Patrick ganhou uma competição nacional de alto nível para jovens cientistas; seu projeto, construído em cima de Lisp, uma linguagem de programação desenvolvida no MIT, ficou em segundo lugar na União Européia em geral. A vencedora: sua futura esposa, Silvana Konermann, que representou a Suíça. (“Por incrível que pareça, isso não é mentira”, diz ele.)
Durante o concurso, ele se correspondia com um tecnólogo chamado Paul Graham, que havia escrito um livro sobre a Lisp. Um ano depois de Patrick se matricular no MIT em 2006, ele e John se candidataram ao acelerador de startups local de Graham, Y Combinator.
A ideia deles: criar um software de rastreamento para vendedores do eBay. Em vez de desenvolvê-lo eles mesmos, os dois Collisons juntaram forças com um par de irmãos mais velhos, Harj e Kulveer Taggar, já no programa com uma ideia semelhante. Quando os quatro venderam sua startup, a Auctomatic, por US$ 5 milhões (R$ 23,5 milhões) no ano seguinte, John ainda estava no ensino médio.
YC investiu, mas os Collisons nunca apresentaram a empresa, primeiro chamada cd “/dev/payments”, no Demo Day. Foi somente depois de abandonarem a faculdade um ano depois e se mudarem temporariamente para Buenos Aires que eles lançaram publicamente sua ferramenta, que se tornou a Stripe, de uma cafeteria.
A API funcionou, e sua história incomum – bem como a promessa de Patrick de “continuar de onde o PayPal parou” – atraiu Michael Moritz, da Sequoia, ele próprio um emigrante do País de Gales. Semanas após o lançamento em 2010, Moritz investiu na rodada seed da Stripe, juntou-se aos bilionários do PayPal Max Levchin, Peter Thiel e Elon Musk, depois liderou sua Série A de US$ 18 milhões (R$ 84,6 milhões) em 2012.
Para conquistar os primeiros usuários, os fundadores da Stripe empregaram um movimento agora imortalizado na YC como “a instalação Collison”. Enquanto alguns fundadores compartilhavam um link de inscrição por e-mail depois de apresentar sua empresa para seus colegas, os Collisons pegaram os laptops dos usuários em potencial e os configuraram com a Stripe ali mesmo.
A equipe inicial da Stripe, em sua maioria jovem e empreendedora, fazia corridas semanais em Bernal Heights, em São Francisco, com Patrick e John, e se orgulhava de desenvolver produtos com apenas um ou dois engenheiros.
Essa abordagem ajudou a Stripe a lançar rapidamente seu segundo grande produto em 2012 para apoiar o hipercrescimento dos primeiros clientes, como a plataforma de comércio eletrônico Shopify e o aplicativo de carona Lyft. A Stripe Connect facilitou o repasse de pagamentos a comerciantes e motoristas.
Logo, outros – Amazon, Wayfair, Instacart, Postmates – se juntaram. “A Stripe era uma maneira de atuar no comércio eletrônico”, diz o investidor inicial Elad Gil. “Em vez de tentar investir em todas as startups, você poderia investir na Stripe.”
A escassez crônica de equipe da Stripe acabou gerando falhas caras e embaraçosas que, após um bug de três horas em 2015, fizeram a Amazon e a Shopify ameaçarem deixar a empresa. Mas a confiabilidade agora é um motivo de orgulho: durante a temporada de festas de fim de ano de 2021, as ferramentas da Stripe ficaram inoperantes por um total de 1,2 segundos.
Os pagamentos eram a principal fonte de receita da Stripe – ainda são – mas, desde o início, os Collisons incentivaram os funcionários a entender outros problemas financeiros de seus clientes, seja fraude, fluxo de caixa ou gerenciamento de estoque.
“A visão sempre foi: ‘Por que não podemos movimentar dinheiro na nuvem da mesma forma que movimentamos dados?'”, diz William Gaybrick, que assumiu o cargo de CFO em 2015 e agora é diretor de produtos. “Afinal, dinheiro não é apenas dados?”
No primeiro ano da pandemia, o serviço de entrega de comida Postmates gerou US$ 70 milhões (R$ 329 milhões) adicionais em vendas e economizou milhões em taxas usando vários produtos da Stripe que ajudaram a consertar transações e cobranças com falha, entre outros usos.
“Se você quer construir coisas que todo mundo já ouviu falar em um jantar de amília, a Stripe não é o lugar certo para você”, diz Patrick. “Mas se você é o tipo de pessoa que acha gratificante construir infraestrutura para essas pessoas, então acho que a Stripe é realmente divertida e significativa.”
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O CEO da Manna, Bobby Healy, que conheceu Collison no Twitter e o convenceu a investir pessoalmente em sua empresa de 75 pessoas, responde a uma série de perguntas sobre como tudo funciona: a eficiência da bateria substituível e os recursos de segurança, por exemplo. Satisfeito, John pondera: à medida que a Manna se expande pela Europa, o que ela irá precisar da Stripe?
Essa é uma pergunta importante. O desenvolvimento de produtos na Stripe é complicado nos dias de hoje e envolve uma matriz que leva em consideração a complexidade regulatória, o valor estratégico e a urgência das necessidades do cliente. “Há uma espécie de arte nisso”, diz John. “Você quer mudar suas opiniões quando os fatos mudam.” Acrescenta Patrick: “Em última análise, tudo o que importa é se nossos clientes nos consideram úteis”.
Principalmente, isso significa focar o trabalho das equipes de P&D da Stripe – mais de 40% da empresa ainda é de engenheiros, algo incomum para sua escala – em áreas como melhorias práticas, ampliação de pagamentos em mais países do mundo em desenvolvimento e melhorarias na recém-anunciada loja de aplicativos. Mas também significa monitorar produtos da concorrência e superá-los rapidamente.
Embora a Link esteja disponível há mais de um ano, a Stripe vinha minizando seu interesse em atuar em um segmento como o de produtos de consumo. Mas à medida que a Bolt cresceu nos últimos meses, a Stripe fortaleceu discretamente sua equipe da Link, dizem insiders; o site de empregos da empresa lista vagas em aberto para ajudá-la a crescer e lançar esforços semelhantes.
Breslow acusou publicamente a Stripe, juntamente com a Y Combinator (que o rejeitou) de governar o Vale do Silício como “chefes de máfia”. Stripe se recusou a comentar. Breslow, cuja própria probidade financeira foi questionada em uma reportagem recente do New York Times, pode não ser o mensageiro ideal, mas ele não está sozinho em desconfiar dos motivos da Stripe.
“Patrick fala sobre as coisas não serem de ‘vencedores e perdedores’ o tempo todo, e nós pensamos: ‘Isso é exatamente o oposto de como você trabalha’”, diz um fundador de uma fintech que pediu para permanecer anônimo por medo de represálias.
Uma tempestade perfeita de condições macroeconômicas pode desacelerar o crescimento da Stripe neste ano, admite John, mas as pessoas ainda vão comprar, diz ele, e as pessoas que administram negócios ainda precisarão da empresa. E a boa notícia, em um clima econômico cada vez pior, é que o desenvolvimento de software requer muito menos capital do que, digamos, construir carros, como afirma a CFO Dhivya Suryadevara, que ingressou na Stripe depois de deixar a General Motors em 2020.
Após a visita do drone, John se instala em um pub à beira do porto na cidade de Skerries para tomar uma Guinness e falar sobre outra causa próxima aos irmãos: o clima. Recentemente, a Stripe juntou-se a empresas como Alphabet e Meta no compromisso de investir mais de US$ 900 milhões (R$ 4,2 bilhões) em projetos de captura de carbono. Ele não menciona que os Collisons costumam voar em jatos particulares.
Os foliões locais ignoram o bilionário de tecnologia ainda jovem bebendo uma cerveja no meio deles. Isto é, até que ele vai pagar a conta. Oferecido uma maquininha de cartão de crédito, Collison diz que prefere pagar em dinheiro. O barman levanta uma sobrancelha: “Irônico!”