Na quinta-feira, 9 de junho, a casa de leilões Christie’s vendeu “obras-primas” da Coleção Alana, denominada como “uma das mais importantes coleções de pinturas, esculturas e antiguidades dos mestres italianos” já oferecidas à venda em Nova York.
A coleção de 50 peças, que viajou ao lado de obras impressionistas, modernas e do pós-guerra, passou por para Hong Kong, Londres, Los Angeles e Nova York e foi oferecida em um leilão de “proprietário único” que ocorreu no Rockefeller Plaza em Manhattan.
Acompanhe em primeira mão o conteúdo do Forbes Money no Telegram
A Christie’s esperava arrecadar de US$ 30 milhões (R$ 153,9 milhões) a US$ 50 milhões (R$ 256,5 milhões), mas apenas 22 peças foram vendidas por um total US$ 19 milhões (R$ 97,48 milhões). “Embora a venda não tenha atendido totalmente às nossas expectativas, a importância, a beleza e a natureza enciclopédica da coleção foram amplamente admiradas na Ásia, Europa e Estados Unidos”, disse um porta-voz da Christie’s.
A coleção pertencia a Álvaro Saieh, um dos ex-empresários mais ricos do Chile. Saieh, que estreou na lista da Forbes dos bilionários do mundo em 2013 com um patrimônio líquido de US$ 3 bilhões (R$ 15,39 bilhões) e cuja fortuna atingiu o pico de US$ 3,2 bilhões (R$ 16,4 bilhões) em 2018, recentemente passou por tempos difíceis.
Com uma dívida de US$ 1,8 bilhão (R$ 9,2 bilhões), sua companhia Corp Group Banking (CGB) não conseguiu pagar juros sobre os US$ 500 milhões (R$ 2,5 bilhões) em títulos e entrou com pedido de falência em junho de 2021.
Como resultado, Saieh saiu da lista de bilionários de 2022, publicada em abril. Naquele mesmo mês, a Christie’s anunciou a venda de sua coleção de arte e, embora seu nome não aparecesse em nenhum dos materiais promocionais, tanto a Christie’s quanto a CGB confirmaram sua propriedade.
De acordo com o anúncio de abril da Christie’s, os lucros da venda foram para beneficiar uma organização de caridade que se concentra em artes e educação. Mas alguém próximo ao negócio disse que apenas uma parte dos lucros iria para a caridade.
Questionado sobre o leilão, um porta-voz de Saieh disse que a filha dele, Catalina, estava lidando com isso. Catalina, que faz parte do conselho do CGB, é presidente das fundações Aprendamos e Descubreme de sua família, que financiam oportunidades para pessoas com deficiência cognitiva, e é vice-presidente da fundação familiar CorpArtes, que apoia as artes no Chile. Ela não foi encontrada para comentar no momento desta publicação.
Leia mais: Como se define uma recessão? Veja algumas maneiras
Saieh, 72, é apaixonado por arte há muito tempo. “Observar uma peça de Leonardo da Vinci por 20 minutos, ouvindo os comentários de um dos melhores estudiosos do mercado, é o paraíso para mim. É um dos enormes privilégios que você obtém por ser um colecionador”, disse Saieh ao The Art Newspaper em 2012. “Quando compro uma pintura, vendo outra”, disse ele.
Ele também está vendendo seu apartamento com vista para o Central Park de Manhattan, comprado por US$ 26 milhões (R$ 133,3 milhões) em 2007 e listado na Sotheby’s recentemente por US$ 49 milhões (R$ 251,4 milhões).
Saieh ainda é dono de uma cooperativa na cidade, que comprou dos jornalistas britânicos Harold Evans (falecido em 2020) e sua esposa, Tina Brown (ex-editora da revista Vanity Fair e The New Yorker), por US$ 6,6 milhões (R$ 33,8 milhões) em 2018.
Saieh é filho de chileno, mas nasceu na Colômbia e foi criado em Talca, Chile. Primeiro de sua família a ir para a faculdade, ele se tornou um dos “Chicago Boys” – um grupo de economistas que, depois de se formar na universidade no Chile, continuou seus estudos na Universidade de Chicago sob a orientação do economista vencedor do Prêmio Nobel Milton Friedman.
Esses economistas – ativos nas décadas de 1970 e 1980 – voltaram para a América Latina e assumiram funções governamentais; alguns estavam ligados à ditadura militar do Chile sob o general Augusto Pinochet.
Saieh, que obteve um Ph.D. em economia pela Universidade de Chicago, começou trabalhando nas Nações Unidas e depois ingressou no Banco Central do Chile como gerente de pesquisa.
Em meio a uma onda de privatizações do governo de Pinochet (1973-1990), o Banco de Santiago decidiu vender uma de suas empresas, o Banco Osorno.
De acordo com uma rara entrevista de 2017 para um veículo de notícias chileno, Saieh, contratado para ser consultor de um grupo de empresários interessados, teve a chance de comprar 10% do banco e gerenciá-lo. O grupo comprou o banco por US$ 10 milhões (R$ 51,3 milhões) em 1986.
Saieh pagou por sua participação usando suas economias e pegando dinheiro emprestado de sua mãe (ela e seu pai tinham uma loja de roupas chamada “Casa Saieh”).
Quando o banco espanhol Santander adquiriu uma participação de 51% no Banco Osorno por US$ 496 milhões (R$ 2,54 bilhões) uma década depois, Saieh detinha 14% do banco, no valor de quase US$ 130 milhões (R$ 666,9 milhões).
Um ano antes do acordo com o Santander, ele gastou US$ 60 milhões (R$ 307,8 milhões) para adquirir o Banco de Concepción, que mais tarde foi renomeado para CorpBanca e se tornou o 5º maior banco privado do Chile.
Nas duas décadas seguintes, Saieh diversificou seus negócios e entrou para o varejo, comprando supermercados e cadeias de lojas, muitas vezes financiando os negócios com dívidas.
Ele também comprou o controle acionário de um dos maiores conglomerados de mídia do Chile, a Copesa (Consórcio Periodístico de Chile). Em 2013, ele havia investido pelo menos US$ 300 milhões (R$ 1,53 bilhões) para manter esses negócios funcionando, de acordo com um documento da empresa.
Para conseguir esse dinheiro, ele vendeu suas participações em duas companhias de seguros por aproximadamente US$ 165 milhões (R$ 846,5 milhões) a partir do mesmo ano.
Em 2014, o CorpBanca de Saieh concordou em se fundir com o braço chileno do banco brasileiro Itaú Unibanco. Apesar da parceria ter sido firmada apenas dois anos depois, as partes fecharam um acordo de crédito no qual o CGB pegou emprestado um total de US$ 1,2 bilhão (R$ 6,15 bilhões) na forma de linhas de crédito (dos quais US$ 250 milhões (R$ 1,28 bilhão) só poderiam ser usados para refinanciar um empréstimo existente) e usou sua eventual participação na entidade como garantia.
A Cartica Management, uma empresa de investimentos americana com participação minoritária no CorpBanca, processou Saieh, CorpBanca e CGB por fraude de valores mobiliários em 2014, alegando que o negócio subvalorizou as ações do CorpBanca e favoreceu os interesses de Saieh em uma tentativa de resgatar sua rede de supermercados SMU. Os advogados de Saieh negaram as acusações.
O processo acabou arquivado e o negócio foi concluído, mas de acordo com Mike Lubrano, cofundador da Cartica e agora diretor administrativo da Valoris Stewardship Catalyst, a fusão deu a Saieh uma linha de crédito e taxas de juros que ele nunca deveria ter conseguido.
“O fato de ele ter dado calote [em junho de 2021] foi uma justificativa e nos provou que os empréstimos que ele havia feito estavam subvalorizados, sabe, que ele era uma aposta arriscada”, diz Lubrano.
Um porta-voz de Saieh diz que a linha de crédito foi usada para “refinanciar empréstimos existentes… com ações bancárias como garantia” e com “uma rede de segurança para a transação”.
Independentemente disso, a fusão do banco ocorreu em abril de 2016, criando o Itaú CorpBanca – e os ADRs começaram a ser negociados na Bolsa de Valores de Nova York. O Corp Group Banking, controlado por Saieh, detinha cerca de 26% do Itaú CorpBanca.
Enquanto alguns dos problemas de Saieh foram criados por ele mesmo, outros estavam fora de seu controle. Protestos violentos eclodiram no Chile em 2019 devido aos preços mais altos do transporte público e fundos de pensão baixos, levando a turbulência econômica para o país e reduzindo drasticamente os pagamentos de dividendos do Itaú CorpBanca ao CGB de Saieh. Depois veio a pandemia.
O CGB começou a perder os pagamentos dos juros da dívida no valor de US$ 500 milhões (R$ 2,56 bilhões), primeiro em setembro de 2020 e depois novamente em outubro daquele ano.
Em abril de 2021, a CGB deixou de pagar o principal juro da linha de crédito do Itaú. Quando o CGB entrou com pedido de falência em junho de 2021, havia US$ 1,8 bilhão (R$ 9,2 bilhões) em dívidas.
No início deste ano, o CGB reduziu sua dívida para US$ 1,3 bilhão (R$ 6,66 bilhões) depois de vender sua participação no Itaú Corpbanca Colombia para o Itaú Corpbanca e depois usar os recursos para pagar o Itaú Unibanco.
Na quarta-feira (15), o Corp Group Banking chegou a um acordo sobre seu plano de falência após meses de idas e vindas com os credores. Os credores receberão as ações do Corp Group Banking do Itaú Corpbanca, bem como 42% do grupo de mídia de Saieh, o Grupo Copesa – e até US$ 30 milhões (R$ 153,9 milhões) em pagamentos ao longo de 15 anos.
Resultado final: Saieh não terá mais ações do Itaú CorpBanca.
Inscreva-se na seleção para a lista Under 30 2022