Há semanas investidores já vinham citando com mais frequência nas conversas o retorno de dúvidas sobre as ideias do governo para aumentar gastos num momento em que a disputa eleitoral ganha contornos mais nítidos e o presidente Jair Bolsonaro parece ter estacionado nas pesquisas de intenção de voto.
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Mas na noite de ontem (6), Bolsonaro disse que o governo está disposto a zerar impostos federais cobrados sobre gasolina, gás, etanol e diesel, em troca de uma redução da carga cobrada pelos entes federativos, que seriam ressarcidos pelo governo federal. Acompanhando o presidente no anúncio, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que os valores serão limitados ao montante de uma arrecadação extraordinária que ainda não foi lançada no Orçamento.
Foi o suficiente para causar uma liquidação no real e nos contratos de juros futuros. “No geral, apesar de esse desenvolvimento adicionar riscos negativos para nossas projeções de inflação no curto prazo, aumenta os riscos fiscais, especialmente considerando a possibilidade de afrouxar novamente a âncora do teto de gastos”, disse o Citi em nota.
A estratégia de corte de tributação dos combustíveis, que será estabelecida em uma Proposta de Emenda à Constituiação (PEC), terá um custo de cerca de R$ 40 bilhões por aproximadamente seis meses de vigência, com a maior parte dos recursos ficando fora da contabilidade do teto de gastos, afirmaram fontes do Ministério da Economia à Reuters.
Os juros futuros de longo prazo –uma medida das expectativas para os custos dos empréstimos– saltavam cerca de 20 pontos-base. A inclinação –uma medida de risco– subia 17 pontos-base, para o maior patamar desde março, nas taxas entre janeiro 2027 e janeiro 2023.
ATRASO EM CORTE DE JUROS
A pressão no câmbio e os efeitos no mercado de renda fixa aumentam o nível de alerta do Banco Central, que na semana que vem anunciará decisão sobre a Selic horas depois de o principal banco central do mundo (o Fed, dos EUA) provavelmente fazer nova elevação nas taxas, e com risco de adotar postura ainda mais dura.
“A inflação vai ser menor em 2022, mas a de 2023 será potencialmente maior, e isso pode atrasar o momento em que o BC começaria a cortar os juros”, disse Ivo Chermont, economista-chefe da Quantitas, que por ora prevê início de redução da Selic em junho de 2023, cenário que pode ser postergado.
Pelos cálculos do Itaú Unibanco, a inflação pode ficar até 300 pontos-base menor em 2022 com o impacto cheio da proposta. “Mas para 2023 os cortes de juros previstos já estão diminuindo”, disse o profissional de uma grande gestora em São Paulo.
Em revisão de cenário divulgada hoje, o Bradesco retirou parte dos cortes previstos anteriormente para a Selic e passou a ver juro básico de 10,5% ao fim de 2023, em vez do número de 9,0% previsto anteriormente, citando persistência da inflação e surpresas com a atividade econômica.
O banco estima o custo fiscal da nova PEC que tratará da tributação de combustíveis em algo próximo de R$ 40 bilhões, sendo R$ 25 bilhões em despesas fora do teto de gastos.
Para André Perfeito, economista-chefe da gestora Necton, até mesmo o alívio inflacionário previsto pelo governo com a nova iniciativa pode ser comprometido no cenário de dúvidas.
“Para além disso, não há clareza sobre quais Estados vão, de fato, aderir ao acordo, o que tornaria o efeito final menor que o inicialmente estimado na ponta final”, comentou.
“O conjunto de incertezas ainda é grande e será digerido ao longo da semana pelos agentes de mercado”, completou.
“Você está dizendo ao mercado que pretende abrir mão de uma receita de R$ 50 bilhões num país que ainda tem problemas fiscais”, comentou Joaquim Kokudai, gestor na JPP Capital, que disse, contudo, ter temido algo como um novo decreto de calamidade pública quando foi informado o evento com Guedes e Bolsonaro ocorrido na noite da véspera.
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